06/06/2016

Jurisprudência (367)


Competência material; Secções de Comércio;
Caixas de Crédito Agrícola Mútuo


I. O sumário de RE 10/3/2016 (929/15.1T8BNV-A.E1) é o seguinte:
 

As Secções de Comércio são as competentes em razão da matéria para conhecer de ações/procedimentos cautelares onde se discutem direitos sociais respeitantes às Caixas de Crédito Agrícola Mútuo.
 
II. Tem interesse conhecer esta parte da fundamentação do acórdão: 
 
"A actividade das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, está definida pelo Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo (em diante RJCAM), constante do Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de Janeiro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 142/2009, de 16 de Junho.
 
Como resulta do preâmbulo deste último Decreto-Lei, o âmbito de actividade das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo foi ampliada relativamente à primitiva redacção do diploma, ampliação essa que o legislador resumiu nos seguintes termos: “Assim, em primeiro lugar, o presente decreto-lei visa adaptar o modelo de governação das caixas de crédito agrícola às estruturas previstas no Código das Sociedades Comerciais, sem prejuízo das competências da assembleia geral que caracterizam o modelo cooperativo, ao mesmo tempo que autoriza um alargamento da respectiva base de associados. Vem, assim, permitir-se a associação a uma caixa de crédito agrícola mútuo de quaisquer pessoas singulares ou colectivas até ao limite de 35 % do número total de associados dessa caixa de crédito, sem prejuízo da possibilidade de, em casos excepcionais devidamente justificados, esse limite ser elevado até 50 %, mediante autorização do Banco de Portugal, sob proposta da Caixa Central no caso das caixas agrícolas suas associadas.
 
Consequentemente, o presente decreto-lei vem alargar a possibilidade, actualmente prevista, de as caixas agrícolas realizarem operações de crédito com não associados ou com finalidades de âmbito não agrícola até ao referido limite de 35 %, podendo, igualmente, esse limite ser elevado, nos mesmos termos, até 50 %, mediante autorização do Banco de Portugal, precedida de proposta da Caixa Central no caso das caixas agrícolas suas associadas.
 
Paralelamente, vem alargar-se o âmbito das operações activas da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, cujo objecto passará a abranger todas as actividades permitidas aos bancos, com a concomitante elevação dos requisitos regulamentares mínimos de capital social aplicáveis à Caixa Central.”

Nos termos do disposto no art.º 1º do RJCAM, que define a natureza e objecto das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, “As caixas de crédito agrícola mútuo são instituições de crédito, sob a forma cooperativa, cujo objecto é o exercício de funções de crédito agrícola em favor dos seus associados, bem como a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária, nos termos do presente diploma.”

Consagrando o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (em diante RGICSF) (Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, na sua 42ª alteração, aprovada pela Lei 118/2015, de 31/08), no seu art.º 3º, sob a epígrafe “Tipos de Instituições de Crédito”, a par de outras instituições, como sejam os bancos ou as caixas económicas, as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo como Instituições de Crédito.
 
Instituições estas (de crédito) cujo objecto, na definição da alínea w), do art.º 2º do RGICSF se subsume, em termos gerais, “a receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria”.

No quadro da sua actividade bancária, estabelecido pelo RJCAM, as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo podem efectuar, entre o mais, para além de operações de crédito agrícola, diversas prestações de serviços, operações cambiais, locação financeira a favor dos associados para financiamento de actividades referidas no artigo 27.º do diploma, factoring a favor dos associados para financiamento de actividades referidas no artigo 27.º do diploma, emissão e gestão de meios de pagamento, tais como cartões de crédito, cheques de viagem e cartas de crédito, participação em emissões e colocações de valores mobiliários e prestações de serviços correlativos, actuação nos mercados interbancários, consultoria, guarda, administração e gestão de carteiras de valores mobiliários, gestão e consultoria em gestão de outros patrimónios e outras operações de crédito a não associados (art.ºs 27º, 28º, 35º, 36º e 36º-A do RJCAM). 
 
Podendo ainda receber depósitos de associados e não associados (art.º 26º do RJCAM).

E, nos termos do art.º 43º do RJCAM, “os resultados obtidos pelas caixas agrícolas, após cobertura de eventuais perdas de exercícios anteriores e após as reversões para as diversas reservas, podem retornar aos associados sob a forma de remuneração dos títulos de capital ou outras formas de distribuição, nos termos do Código Cooperativo.”

Sendo que, nos termos do art.º 54º do RJCAM, “1 — As associadas da Caixa Central têm direito a partilhar dos lucros de cada exercício, tal como resultem das contas aprovadas, exceptuada a parte destinada às reservas legais ou estatutárias.

Quanto ao modelo de organização das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, estabelece o art.º 20º do RJCAM, sob a epígrafe, “Órgãos Sociais”, que
 
1 — A administração e a fiscalização das caixas agrícolas são estruturadas segundo as modalidades previstas para as sociedades anónimas no Código das Sociedades Comerciais.

2 — Sem prejuízo da competência da assembleia geral, a composição e a competência dos órgãos de administração e fiscalização das caixas agrícolas são as previstas no Código das Sociedades Comerciais para as sociedades anónimas, com as devidas adaptações.
 
3 — A designação dos membros dos órgãos sociais das caixas agrícolas rege -se pelo disposto no Código das Sociedades Comerciais.
 
4 — Para efeitos do presente diploma, a comissão de auditoria, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 278.º do Código das Sociedades Comerciais, e o conselho geral e de supervisão, previsto na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo, são considerados órgãos de fiscalização.”

Podendo ser associados das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, como resulta do disposto no art.º 19º do RJCAM, “… as pessoas singulares ou colectivas que na área dessa caixa:
 
a) Exerçam actividades produtivas nos sectores da agricultura, silvicultura, pecuária, caça, pesca, aquicultura, agro-turismo e indústrias extractivas;
 
b) Exerçam como actividade a transformação, melhoramento, conservação, embalagem, transporte e comercialização de produtos agrícolas, silvícolas, pecuários, cinegéticos, piscícolas, aquícolas ou de indústrias extractivas;
 
c) Tenham como actividade o fabrico ou comercialização de produtos directamente aplicáveis na agricultura, silvicultura, pecuária, caça, pesca, aquicultura, agro-turismo e indústrias extractivas ou a prestação de serviços directamente relacionados com estas actividades, bem como o artesanato.
 
2 — É permitida a associação a uma caixa agrícola de pessoas que exerçam a respectiva actividade em municípios limítrofes dos abrangidos na área de acção desta, caso não exista nesses municípios nenhuma outra caixa agrícola em funcionamento ou, existindo, se a associação se justificar por razões evidentes de proximidade geográfica ou de conexão da actividade económica por elas desenvolvida com a área de acção da caixa agrícola.
 
3 — É permitida a associação a uma caixa agrícola de pessoas singulares ou colectivas que não cumpram os requisitos definidos no n.º 1, desde que exerçam actividade ou tenham residência na área de acção da caixa agrícola, até ao limite de 35 % do número total de associados daquela caixa.
 
4 — Em casos excepcionais, devidamente justificados, tendo em conta, nomeadamente, a capacidade e as limitações ao crescimento e eficiência das caixas agrícolas, o Banco de Portugal pode autorizar que o limite previsto no número anterior seja elevado até 50 %, mediante proposta da Caixa Central no caso das caixas agrícolas associadas. [...]

Sendo aplicável às Cooperativas, entre as quais se encontram as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, subsidiariamente, o Código das Sociedades Comerciais (art.º 9º do Código Cooperativo, aprovado pela Lei n.º 119/2015, de 31 de Agosto).

Perante este quadro legal, afigura-se-nos evidente que as Caixas de Crédito Agrícola Mútuo desenvolvem a sua actividade bancária, com carácter profissional, que predominantemente se resume à prática de actos de comércio, por como tal deverem ser qualificadas as operações bancárias a que se dedicam (vide neste sentido, Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 2ª edição, pág. 419).
 
Actividade essa que, como acima demos nota, vai para além da relacionada com os respectivos associados, uma vez que podem receber depósitos e conceder créditos a terceiros não associados."
 
MTS