13/06/2016

Jurisprudência (372)




Embargos de terceiro; direito de retenção; 
promitente-comprador



1. O sumário de RL 17/3/2016 (1690/10.1TBSCR-D.L1-2) é o seguinte:
 

I. Tendo os embargos de terceiro sido instaurados antes da entrada em vigor do CPC de 2013, aplica-se-lhe as regras do CPC anterior.
 
II. À luz do CPC de 1961, na redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 180/96, de 25.9, seguindo os embargos de terceiro a forma de processo ordinário, o juiz pode dispensar a realização de audiência preliminar, ainda que tencione conhecer imediatamente do mérito da causa, se as questões relevantes já tiverem sido suficientemente debatidas nos autos e a sua apreciação revestir manifesta simplicidade.
 
III. A titularidade de direito de retenção sobre imóvel penhorado nos autos, por parte de terceiro seu promitente-comprador, não constitui fundamento de embargos de terceiro contra a respetiva penhora.
 
IV. O promitente-comprador poderá deduzir embargos de terceiro contra a penhora do imóvel que prometeu adquirir, para proteger o direito à execução específica do contrato-promessa, se as partes tiverem atribuído eficácia real ao contrato-promessa e tiver sido efetuado o competente registo antes do registo da penhora ou se o promitente-comprador tiver instaurado ação de execução específica do contrato-promessa e a tiver registado antes de efetuado o registo da penhora.
 

2. O acórdão pronuncia-se sobre uma questão que tem sido respondida frequentemente pela jurisprudência e trabalhada pela doutrina. Convém connhecer a seguinte parte da fundamentação do acórdão:
 
"Nos termos do art.º 351.º n.º 1 do Código de Processo Civil (de 1961), os embargos de terceiro são deduzidos por quem, não sendo parte na causa, seja titular de posse ou de qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito de ato ou diligência judicialmente ordenada, de apreensão ou entrega de bens.

A penhora dos imóveis a que respeitam estes autos ofende a posse que terceiro se arrogue sobre eles. Com efeito, a penhora é um ato de apreensão judicial de bens, tendo em vista a sua posterior transmissão para terceiros, no âmbito de uma execução (art.º 824.º n.º 1 do Código Civil).

A posse é, conforme a define o legislador (art.º 1251.º do Código Civil), “o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.”

Tem-se em vista uma situação de facto que a lei protege com base na aparência de um direito real de gozo (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, Almedina, pág. 29). Quem beneficia dessa situação pode pedir a respetiva tutela judicial (ações de prevenção, de manutenção e de restituição da posse e, no caso de esbulho violento, ação de restituição provisória da posse – artigos 1276.º a 1279.º do Código Civil -, além dos embargos de terceiro).

As razões dessa tutela, que de resto é provisória (“no caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito” – n.º 1 do art.º 1278.º do Código Civil), são a defesa da paz pública, a dificuldade de prova do direito definitivo e o valor económico da posse (Mota Pinto, “Direitos Reais”, segundo Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Almedina, 1976, páginas 192 a 195). 

No direito português a posse reporta-se ao exercício de um direito real (em regra, de gozo). Assim, aqueles que usam ou gozam a coisa ao abrigo de um direito creditício, obrigacional, são meros detentores, pois possuem a coisa em nome de outrem, o titular do direito real (artigo 1253.º alínea c) do Código Civil), a quem terão de restituir a coisa uma vez terminado o prazo ou a causa legal da detenção. São, pois, possuidores precários (Moitinho de Almeida, “Restituição de posse e ocupações de imóveis”, Coimbra Editora, 5ª edição, páginas 59 e seguintes).

Os promitentes-compradores são, em regra, possuidores precários. O poder material que, na sequência da celebração do contrato-promessa de compra e venda, porventura detenham sobre o bem objeto do contrato, exerce-se no âmbito de uma relação jurídica de natureza obrigacional (art.º 410.º do Código Civil), em que está patente que a titularidade do direito de propriedade se mantém na esfera jurídica do promitente-vendedor.

Porém, a jurisprudência tem reconhecido situações em que, excecionalmente, o promitente-comprador enverga as vestes de verdadeiro possuidor da coisa alvo do contrato-promessa, exercendo sobre ela poderes não na qualidade de mero titular de uma posição jurídica de natureza obrigacional, que apenas o legitime a aspirar, no futuro, à titularidade de uma posição de natureza real, conforme o negocialmente prometido, mas, mais do que isso, assume-se já como proprietário da coisa, atuando sobre ela e apresentando-se perante a comunidade jurídica como seu proprietário, possuindo-a em nome próprio. Nesses casos a celebração do contrato prometido constituirá, pelo menos do ponto de vista do promitente-comprador, apenas a formalização de uma transmissão que, em termos materiais, já ocorreu. Como exemplos dessa situação referem-se casos em que o promitente-comprador, a par da entrega da coisa, paga a totalidade ou parte substancial do preço, pratica sobre a coisa atos normalmente a cargo do proprietário, inclusive a satisfação de obrigações fiscais, beneficia de procuração irrevogável com poderes para outorgar, a seu favor, escritura de compra e venda do bem alvo do contrato-promessa (vide, v.g., acórdãos do STJ, de 21.3.2013, processo 1223/05.1TBCSC-B.L1.S1; de 29.11.2011, processo 322-D/1991.E1.S2; de 07.01.2010, processo 860/03.3TLBGS-B.E1.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt).

No caso destes autos, está provado que em 06.10.2009 o embargante celebrou, com a ora executada/embargada, um contrato-promessa de compra e venda dos dois imóveis referidos nos autos. Nessa mesma data ficou acordado que o promitente-comprador “tomaria posse das fracções a partir de 15/10/2009, responsabilizando-se por todos os custos inerentes às mesmas, tais como água, luz e condomínio” (alínea G) da matéria de facto).

No mais, o embargante alegou que já pagara à executada a quantia de € 108 000,00 (num total de preço acordado de € 402 000,00), que realizou nas frações obras de reparação, instalou sistema de videovigilância e averbou em seu nome o contrato de eletricidade e de água, passando a utilizar as lojas para o comércio de vestuário e calçado, perfumaria, bijutaria e brinquedos.

Porém, não se mostra provado nem alegado factualismo do qual decorra a intenção, o propósito e a convicção, por parte do embargante, de agir desde já como proprietário das duas frações. Pelo contrário, o posicionamento do embargante, reiterado claramente na apelação, é o de invocar os seus direitos enquanto promitente-comprador dos bens penhorados, ou seja, enquanto titular da correspondente relação jurídica obrigacional, brandindo o direito de retenção que deteria nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 754.º, 755.º n.º 1 alínea f), 442.º e 759.º n.º 2 do Código Civil.

Ainda que o apelante lograsse demonstrar a titularidade de verdadeira posse (à sombra de um arrogado direito de propriedade), a pretensão de levantamento da penhora naufragaria perante o direito do exequente, cujo crédito se mostra garantido por hipoteca constituída antes da celebração do contrato-promessa, gozando do direito de sequela inerente (art.º 686.º do Código Civil). O apelante tão-só poderia expurgar a hipoteca, se adquirisse a titularidade do imóvel prometido (art.º 721.º do Código Civil). Assim, ainda que porventura sustentado em verdadeira posse, o apelante não poderia obstar à realização e manutenção da penhora, ato de apreensão judicial destinado a obter o pagamento do crédito hipotecário (neste sentido, cfr., v.g., STJ, 21.3.2013, processo 1223/05.1TBCSC-B.L1.S1, citado na decisão recorrida, e Relação de Lisboa, 13.9.2012, processo 1223/05.1TBCSC-B.L1-6). 

Porém, conforme supra aduzido, o apelante alicerça a sua pretensão de procedência dos embargos e de consequente levantamento da penhora no direito de retenção que alega deter sobre os imóveis penhorados.

Invocando a jurisprudência contida num acórdão do STJ, datado de 20.01.1999 e publicado no BMJ n.º 483, pág. 195 e seguintes.

Vejamos.

Com o objetivo declarado de proteger os adquirentes de imóveis para habitação própria (vide preâmbulo do Dec.-Lei n.º 236/80, de 18.7), num contexto económico de rápida desvalorização da moeda, que estimulava o incumprimento dos contratos promessa por parte dos promitentes vendedores, o legislador, entre outras medidas, alterou os artigos 442.º e 830.º do Código Civil, aí estipulando a possibilidade de qualquer das partes obter a execução específica do contrato-promessa, mediante sentença que produzisse os efeitos do contraente faltoso (n.º 1 do art.º 830.º); havendo tradição da coisa e se o incumprimento do contrato fosse do promitente-vendedor, o promitente-comprador poderia exigir, em alternativa ao valor do sinal em dobro, o valor da coisa à data do incumprimento (n.º 2 do art.º 442.º); nos termos do n.º 3 do art.º 442.º, “no caso de ter havido tradição da coisa objecto do contrato-promessa, o promitente-comprador goza, nos termos gerais, do direito de retençãosobre ela, pelo crédito resultante do incumprimento pelo promitente-vendedor.” Tal direito de retenção, no pensamento legislativo, destinava-se a garantir o crédito do promitente-comprador emergente do incumprimento definitivo do contrato-promessa (veja-se o que se exarava no preâmbulo do diploma: “Relativamente à resolução do contrato, mantém-se, em princípio, a regra actual - havendo sinal passado - da perda deste ou da sua restituição em dobro, conforme o outorgante causador da resolução. Estabelece-se, porém, que, no caso de ter havido tradição da coisa para o promitente-comprador, em que se criou forte expectativa de estabilização do negócio e uma situação de facto socialmente atendível, a indemnização devida por causa da resolução do contrato pelo promitente-vendedor seja o valor que a coisa tiver ao tempo do incumprimento - medida do dano efectivamente sofrido -, conferindo-se ao promitente-comprador o direito de retenção da mesma coisa por tal crédito”.

O Dec-Lei n.º 379/86, de 11.11, revisitou o instituto do contrato-promessa. Quanto ao direito de retenção, procedeu-se à correção de “inadvertências terminológicas” (sic, preâmbulo) e deslocou-se essa norma para lugar considerado mais adequado (como se diz no preâmbulo), incluindo-a entre os restantes casos de direito de retenção (artigo 755.º, n.º 1, alínea f), que passou a ter a seguinte redação: “O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos temos do artigo 442.º”).

Não se dá nota, no preâmbulo do diploma, que houvesse da parte do legislador a intenção de modificar o campo de proteção conferido pelo direito de retenção ao promitente-comprador, ou seja, que o mesmo passasse a incluir o direito à execução específica do contrato-promessa. Nem tal faria sentido: se o direito de retenção consiste num mecanismo de defesa e compulsividade usado por quem está a obrigado a restituir uma coisa, e que pode recusar-se a fazê-lo enquanto não lhe for satisfeito um determinado crédito (art.º 754.º do Código Civil), desafiaria as leis da lógica que o promitente-comprador invocasse o direito de retenção para garantir a execução específica do contrato-promessa: satisfeito este crédito (execução específica do contrato), não haveria lugar à restituição da coisa…

Constitui, pois, posição consolidada, tanto na doutrina (consolidada mas não unânime, como parece decorrer do estudo de Menezes Cordeiro, “Da retenção do promitente na venda executiva”, ROA, ano 57, 1997, volume II, pág. 547 e seguintes, onde se defende que o direito de retenção do promitente-adquirente que beneficiou da traditio visa, também, assegurar o gozo da coisa, sobrevivendo à venda executiva, se o direito de retenção for anterior à penhora) como na jurisprudência (onde também existe uma opinião contrária, minoritária, traduzida no acórdão do STJ de 20.01.1999 supra referido e no acórdão da Relação do Porto, de 15.4.2008, processo n.º 0820536, in www.dgsi.pt), que o direito de retenção reconhecido ao promitente-adquirente nos termos da alínea f) do art.º 755.º, n.º 1 do Código Civil, se destina a garantir os créditos que para ele emergem do incumprimento definitivo do contrato-promessa pela contraparte, ou seja, nos termos do art.º 442.º do Código Civil, o dobro do sinal prestado ou o valor da coisa traditada, calculado nos termos aí previstos (neste sentido, v.g., Remédio Marques, “Curso de processo executivo comum à face do Código revisto”, Almedina, 2000, pág. 331, nota 934; Luís Miguel de Andrade Mesquita, “Apreensão de bens em processo executivo e oposição de terceiro”, Almedina, 2.ª edição, 2001, páginas 170 e 171; João Calvão da Silva, “Sinal e contrato-promessa”, Almedina, 12.ª edição, 2007, páginas 178 e 182; L. Miguel Pestana de Vasconcelos, “Direito de retenção, contrato-promessa e insolvência”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 33, Janeiro/Março de 2011, página 4; José Lebre de Freitas, “A Acção Executiva Depois da reforma da reforma”, Coimbra Editora, 5.ª edição, 2009, pág. 283, nota 24; na jurisprudência, v.g., STJ, de 04.12.2007, processo 07A4070; STJ, 08.10.2013, processo 10262/06.4TBMTS.P1.S1; STJ, 04.02.2014, processo 360/09.8TCGMER.G1.S1; STJ, 30.4.2015, processo 1187/08.0TBTMR-A.C1.S1).

O direito de retenção existe para garantir o crédito gerado pelo incumprimento definitivo do contrato-promessa, e não para garantir o crédito à prestação de facto ou seja, o uso ou fruição da coisa.

O direito de retenção, como qualquer outro direito real de garantia, extingue-se com a venda executiva, ou melhor, passará a incidir sobre o produto da venda (art.º 824.º n.ºs 2 e 3, do Código Civil), posto que o respetivo credor garantido tenha reclamado o seu crédito na execução 

Assim sendo, o eventual direito de retenção titulado pelo promitente-comprador não é oponível à penhora, ou seja, não obsta à efetivação ou subsistência de penhora incidente sobre o imóvel que lhe tenha sido entregue pelo promitente-vendedor, ora executado, no âmbito do contrato-promessa.

Aliás, tal ficou claramente expresso no art.º 839.º n.º 1 alínea c), do CPC de 1961, na redação que lhe foi introduzida pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, de 08.3, o qual, regulando a constituição de depositário dos imóveis penhorados, passou a estipular que, se o bem for objeto de direito de retenção, “em consequência de incumprimento contratual judicialmente verificado”, o retentor será constituído depositário do bem. Por conseguinte, a penhora mantém-se, e a nomeação do retentor como depositário (até à venda executiva do imóvel) só sucederá se o direito de retenção for reconhecido com base em incumprimento contratual judicialmente verificado (no mesmo sentido, no atual CPC, art.º 756.º n.º 1 alínea c)).

De resto, na petição de embargos o ora apelante não invocou o incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte da executada, nem se arrogou a titularidade de qualquer crédito sobre a executada, emergente desse incumprimento. Tal omissão manteve-se, aliás, na resposta do embargante à contestação apresentada pela exequente. Assim, não foram invocados nos embargos os pressupostos constitutivos de um pretenso direito de retenção, por parte do embargante, sobre os dois imóveis penhorados. O qual, a existir, também não fundaria, pelas razões invocadas, embargos de terceiro: o direito de retenção do imóvel é um direito real de garantia, que confere ao seu titular o direito de executar a coisa nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor (n.º 1 do art.º 759.º do Código Civil), ou de invocar o seu direito em execução instaurada contra o devedor por terceiro, no âmbito do concurso de credores, meio através do qual é assegurada a sua posição jurídica (artigos 864.º e seguintes do CPC de 1961; artigos 786.º e seguintes do atual CPC). Note-se que a eventual entrega da coisa pelo retentor ao depositário não opera a caducidade do direito de retenção nos termos e para os efeitos previstos no art.º 761.º do Código Civil (assim redigido: “o direito de retenção extingue-se pelas mesmas causas por que cessa o direito de hipoteca, e ainda pela entrega da coisa”): a extinção do direito de retenção causada pela entrega da coisa pressupõe que esta ocorra por iniciativa do retentor, voluntariamente, no exercício da sua autonomia de vontade, o que não sucede no âmbito da execução forçada (vide, neste sentido, Luís Miguel de Andrade Mesquita, “Apreensão de bens…, citado, pág. 159).

A todos estes obstáculos à admissibilidade dos embargos de terceiro com base num direito de retenção, por parte do apelante, incidente sobre os imóveis penhorados nos autos, soma-se ainda o obstáculo emergente da interpretação restritiva da lei, quanto ao âmbito subjetivo do direito de retenção previsto na alínea f) do n.º 1 do art.º 755.º do Código Civil: na esteira do defendido por L. Miguel Pestana de Vasconcelos, “Direito de retenção, contrato-promessa e insolvência”, supra citado, a jurisprudência tem vindo a entender, por ora ainda no âmbito do processo de insolvência, mas com potencialidade expansiva para outros foros, que o direito de retenção concedido aos promitentes-compradores de imóveis beneficiados com a traditio da coisa apenas é concedido aos consumidores, como tal entendidos na conceção restritiva própria da legislação de proteção do consumidor, ou seja, pessoa singular que acedeu ao bem para satisfação das suas necessidades pessoais, estranhas, pois, à sua atividade profissional (vide acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ, n.º 4/2014, de 20.3.2014, publicado no D.R., I, n.º 95, de 19.5.2014; acórdão do STJ, de 14.6.2011, processo 6132/08.0TBBRG-J.G1.S1; acórdão do STJ, de 30.4.2015, processo 1187/08.0TBTMR-A.C1.S1; acórdão do STJ, de 09.7.2015, processo 1242/10.6YYPRT-A.P1.S1).

Ora, o apelante alegou e resulta do teor do contrato-promessa que os imóveis foram destinados, pelo promitente-comprador, ao exercício, por este, de atividade comercial – o que lhe retiraria a qualidade de consumidor e, por conseguinte, o direito de retenção.

Resta analisar o direito do apelante aos embargos de terceiro na perspetiva do direito à execução específica do contrato-promessa.

Com efeito, o apelante invoca o direito de retenção enquanto meio de garantir a execução do contrato-promessa e, desse modo, fundamento para os deduzidos embargos.

Ora, poderá transcrever-se aqui o expendido por Calvão da Silva, a propósito do acórdão do STJ, de 20.01.1999, invocado pelo apelante:

“Cfr. ac. do S.T.J., de 20 de Janeiro de 1999, in “BMJ” n.º 483, p. 195:

“Os embargos de terceiro – hoje desligados necessariamente da posse – são meio adequado para que se viabilize o direito de retenção do promitente-comprador que tem a faculdade de peticionar a execução específica da promessa.”

A impropriedade da expressão apresenta-se clara: o que os embargos de terceiro viabilizam é o direito à execução específica e não o direito de retenção – direito de retenção que, de resto, surge apenas para garantia do crédito derivado do incumprimento definitivo e não constitui um direito incompatível com a realização da penhora, a defender por embargos de terceiro.

Ou seja: quem pede a execução específica não goza de direito de retenção; quem invoca o direito de retenção não goza de execução específica” (“Sinal e contrato-promessa”, citado, pág. 178, nota 197).

Desfeita a confusão, admite-se que a execução específica, ou seja, o intuito de obter, por via judicial, o cumprimento do contrato-promessa, através de declaração que produza os efeitos translativos do direito de propriedade sobre o imóvel, seja oponível a terceiros, inclusive ao exequente beneficiário da penhora do imóvel, fundamentando a dedução de embargos por parte do promitente-comprador.

Porém, para que os embargos possam proceder, isto é, sejam oponíveis ao exequente, prevalecendo sobre a garantia real que a penhora lhe confere (art.º 822.º n.º 1 do Código Civil), é necessário que as partes tenham atribuído ao contrato-promessa eficácia real e tenham procedido ao seu registo antes do registo da penhora (artigos 413.º n.º 1 do Código Civil, 2.º n.º 1, alíneas f) e n), 5.º e 6.º do Código de Registo Predial - CRP) ou, se o contrato-promessa tiver eficácia meramente obrigacional (art.º 406.º n.º 2 do Código Civil), é necessário, para os mesmos fins, que tenha sido instaurada ação de execução específica e que esta tenha sido registada antes do registo da penhora (art.º 3.º n.º 1 alíneas a) e c) e 6.º n.º 3 do CRP). Neste sentido, veja-se, na doutrina, v. g., Remédio Marques, obra citada, pág. 323, nota 915 e páginas 324 e 325; Luís Miguel de Andrade Mesquita, obra citada, páginas 165 a 167, 181 a 188; João Calvão da Silva, “Sinal e contrato-promessa”, citado, páginas 172 e 173; na jurisprudência, STJ, 29.4.2008, processo 08A745; Relação de Lisboa, 14.6.2012, processo 5962/07.4TCLRS-B.L1-2; Relação de Guimarães, 22.01.2013, processo 3090/07.1TBVCT-D.G1)."

MTS