16/06/2016

Jurisprudência (375)


Oposição à execução; dívida comunicável;
proveito comum


1. O sumário de RP 7/3/2016 (5376/12.4T2AGD-A.P1) é o seguinte:

I - A simples prova da celebração de um empréstimo para amortização de um outro anteriormente contraído e utilizado para aquisição de ações do mutuante, não é bastante para que se qualifique o último empréstimo como um ato de administração ordinária.
 
II - A celebração de um empréstimo para amortização de um outro anteriormente contraído e utilizado para aquisição de ações do mutuante não reúne as características para que “se possa considerar aplicad[o] em proveito comum aos olhos de uma pessoa média e, portanto, à luz das regras da experiência e das probabilidades normais”.
 
III - Litiga de má-fé o exequente que cientemente alega factos falsos para corresponsabilizar o cônjuge do subscritor do título extrajudicial exequendo.
 
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
"A recorrente pugna pela revogação da decisão sob censura em virtude de na sua perspetiva, a matéria de facto provada não permitir firmar a conclusão de que a divida exequenda foi contraída em proveito comum do casal e, pelo contrário, dada a finalidade do mútuo exequendo, nunca se poderia concluir que o executado ao contrair tal dívida praticou ato de administração ordinária.

Cumpre apreciar e decidir.

Antes de entrar na análise da questão decidenda, não se podem deixar de referir os sucessivos equívocos que deram origem a um labor desnecessário, nestes autos[...].

Em primeiro lugar, é ostensivo que o exequente não tinha título executivo contra a recorrente e sendo essa questão colocada ao tribunal a quo, este ignorou-a completamente, não tendo a recorrente reagido contra a omissão do tribunal a quo. Assim, embora a falta de título executivo seja uma questão de conhecimento oficioso, porque se trata de questão que foi suscitada junto do tribunal recorrido e não foi por este apreciada, não tendo sido arguida a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia, está vedado o seu conhecimento por parte deste tribunal de recurso.

Em segundo lugar, a questão de comunicabilidade da dívida exequenda apenas confere ao cônjuge do executado o estatuto previsto no artigo 865º-A, do Código de Processo Civil, pelo que deveria ter sido citado para declarar se aceitava ou não a comunicabilidade da dívida exequenda, com a cominação de se nada dissesse, a dívida ser considerada comum (artigo 825º, nº 2, do Código de Processo Civil). Uma vez que não foi suscitada a nulidade da citação da recorrente por preterição das formalidades previstas no nº 2, do artigo 825º do Código de Processo Civil, trata-se de questão que exorbita do nosso conhecimento, sendo certo que a demanda da recorrente como executada em vez de cônjuge do executado juntamente com a posição pouco esclarecida assumida pela opoente e a inércia do tribunal a quocontribuíram para a situação estranha dos autos[...].

“Qualquer dos cônjuges tem legitimidade para contrair dívidas sem o consentimento do outro” (artigo 1690º, nº 1, do Código Civil).

“Para a determinação da responsabilidade dos cônjuges, as dívidas por eles contraídas têm a data do facto que lhes deu origem” (artigo 1690º, nº 2, do Código Civil).

Nos termos do disposto na alínea c), do nº 1, do artigo 1691º do Código Civil, são da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração.

Cada um dos cônjuges tem a administração dos seus bens próprios (artigo 1678º, nº 1, do Código Civil) e, além disso, dos proventos que receba pelo seu trabalho, dos seus direitos de autor, dos bens comuns por ele levados para o casamento ou adquiridos a título gratuito depois do casamento, bem como dos sub-rogados em lugar deles, dos bens que tenham sido doados ou deixados a ambos os cônjuges com exclusão da administração do outro cônjuge, salvo se se tratar de bens doados ou deixados por conta da legítima desse outro cônjuge, dos bens móveis, próprios do outro cônjuge ou comuns, por ele exclusivamente utilizados como instrumento de trabalho, dos bens próprios do outro cônjuge, se este se encontrar impossibilitado de exercer a administração por se achar em lugar remoto ou não sabido ou por qualquer outro motivo, e desde que não tenha sido conferida procuração bastante para administração desses bens, dos bens próprios do outro cônjuge se este lhe conferir por mandato esse poder (artigo 1678º, alíneas a) a g), do nº 2, do Código Civil).

Fora dos casos previstos no nº 2, do artigo 1678º do Código Civil, cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de atos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal; os restantes atos de administração só podem ser praticados com o consentimento de ambos os cônjuges (artigo 1678º, nº 3, do Código Civil).

Administração ordinária, nas palavras do Professor [Manuel de Andrade] [T
eoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 4ª reimpressão, Almedina 1974, página 61], “serão pois os que correspondem a uma gestão patrimonial limitada e prudente em que não são permitidas certas operações – arrojadas e ao mesmo tempo perigosas – que podem ser de alta vantagem, mas que podem ocasionar graves prejuízos para o património administrado. Ao mero administrador são proibidos os grandes voos, as manobras audaciosas, que podem trazer lucros excepcionais, mas também podem levar a perdas catastróficas.”

Como se vê, o conceito de acto de administração ordinária está mais talhado para a administração de um certo património do que para a contracção de dívidas, salvo quando a assunção desse passivo se relacionar com a conservação ou frutificação de certo bem ou massa patrimonial.

A subsunção de dada hipótese de facto à previsão da alínea c), do nº 1, do artigo 1691º do Código Civil exige:

- uma dívida contraída na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador;

- que essa contracção tenha sido em proveito comum do casal;

- que essa dívida tenha sido contraída com respeito dos limites dos poderes de administração do cônjuge administrador.

No caso em apreço, a dívida exequenda foi contraída em 31 de março de 2010. ou seja, na constância do casamento de ambos os executados.

A factualidade provada não permite enquadrar a contracção da obrigação exequenda pelo executado em qualquer das previsões do nº 2, do artigo 1678º do Código Civil, pelo que apenas se poderá concluir que foi assumida nos limites dos seus poderes de administração se acaso se puder afirmar que a contracção da obrigação exequenda constitui um ato de administração ordinária.

A obrigação exequenda foi contraída para amortizar parte de um empréstimo anteriormente contraído para aquisição de ações do exequente. Assim, embora a celebração de novo empréstimo tenha operado a redução do capital anteriormente mutuado, não implicou qualquer diminuição do passivo do casal e, porventura, pode até ter implicado o seu aumento se acaso o novo empréstimo contraído e aqui em execução foi contratado em condições mais onerosas do que o empréstimo parcialmente amortizado. Por outro lado, a celebração desse empréstimo não teve como contrapartida a aquisição de quaisquer bens, nomeadamente ações, pois que já haviam sido anteriormente adquiridas com o empréstimo de um milhão e oitocentos mil euros.

Neste circunstancialismo, não existem dados de facto que permitam qualificar o ato do executado como de mera administração ordinária.

Ainda que assim não fosse, não resulta da factualidade provada que o referido ato foi outorgado em proveito comum do casal. De facto, não há quaisquer dados que permitam lobrigar qual foi a finalidade visada pelo executado com o citado ato e, por outro lado, no que respeita a intenção objetiva de proveito comum, não se nos afigura que a dívida exequenda “se possa considerar aplicada em proveito comum aos olhos de uma pessoa média e, portanto, à luz das regras da experiência e das probabilidades normais”[Citação extraída de Curso de Direito da Família, Volume I, 4ª edição Reimpressão, Coimbra Editora, março 2014, Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, página 411].

Assim, por tudo quanto precede, conclui-se pela indemonstração de que o executado contraiu a dívida exequenda em proveito comum do casal, razão pela qual procede o recurso de apelação, nesta parte, devendo a recorrente ser absolvida do pedido deduzido na ação executiva."
 
MTS