17/06/2016

Jurisprudência (376)



Responsabilidade civil extracontratual do Estado; função jurisdicional;
revogação prévia da decisão


1. O sumário de RE 17/3/2016 (389/14.4TVLSB.E1) é o seguinte:

I - No âmbito do erro judiciário o art. 13.º da Lei 67/2007, de 31-12, prevê duas situações: (i) a decisão jurisdicional manifestamente inconstitucional ou ilegal; (ii) a decisão jurisdicional manifestamente injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.

II - A necessidade de prévia revogação da decisão danosa – prevista agora no art. 13.º da Lei n.º 67/2007 – só se compadece com a via processual adequada para o efeito: o recurso.

III - Os danos decorrentes de erro judiciário só são indemnizáveis se a responsabilidade emergir de situações que possam ser caraterizadas por erro grave ou muito grave, quer do ponto de vista da interpretação do direito, quer do ponto de vista de apreciação dos factos - já que o erro pode ser de direito ou de facto -, e que conduza a uma situação manifestamente violadora da lei ou da Constituição, conforme decorre do disposto no n.º 1 do artº 13º da aludida Lei.

IV - O erro de direito praticado pelo juiz só poderá constituir fundamento de responsabilidade civil do Estado quando seja grosseiro, evidente, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas, demonstrativas de uma atividade dolosa ou gravemente negligente.

2. Na fundamentação do acórdão diz-se o seguinte:

"Em acórdão de 09/09/2015 no processo C-160/14 (Ferreira da Silva e Brito), o TJUE relativamente à questão de saber, em substância, se o direito da União e, em especial, os princípios formulados pelo Tribunal de Justiça sobre a responsabilidade do Estado por danos causados aos particulares em virtude de uma violação do direito da União, cometida por um órgão jurisdicional nacional que decide em última instância, devem ser interpretados no sentido de que obstam à aplicação de uma norma nacional que exige como fundamento do pedido de indemnização a prévia revogação da decisão danosa, quando essa revogação está, na prática, excluída, pronunciou-se nos seguintes termos:

“Nestas circunstâncias, um obstáculo importante, como o que resulta da regra do direito nacional em causa no processo principal, à aplicação efetiva do direito da União e, designadamente, de um princípio tão fundamental como o da responsabilidade do Estado por violação do direito da União não pode ser justificado pelo princípio da autoridade do caso julgado nem pelo princípio da segurança jurídica.

Resulta das considerações precedentes […] que o direito da União e, em especial, os princípios formulados pelo Tribunal de Justiça em matéria de responsabilidade do Estado por danos causados aos particulares em virtude de uma violação do direito da União cometida por um órgão jurisdicional que decide em última instância devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que exige como condição prévia a revogação da decisão danosa proferida por esse órgão jurisdicional, quando essa revogação está, na prática, excluída.”

Em comunicado à imprensa[...] referente a este aludido processo o próprio TJUE fez saber que “O Tribunal de Justiça determina, … que o direito da União se opõe a uma legislação nacional que, como a legislação portuguesa, exige, como condição prévia à declaração da responsabilidade do Estado, a revogação da decisão danosa, quando essa revogação se encontra, na prática, excluída. O Tribunal de Justiça sublinha que uma regra de direito nacional desse tipo pode tornar excessivamente difícil a obtenção da reparação dos danos causados pela violação do direito da União, uma vez que as hipóteses de reapreciação das decisões do Supremo Tribunal de Justiça são extremamente limitadas.”

Perante esta doutrina, que vem na sequência do que já vinha sendo afirmado anteriormente por aquele tribunal, nos acórdãos de 06/10/1982 e de 30/09/2003, respetivamente nos processos 283/81 (Cilfit) e C-224/01 (Köbler), Alessandra Silveira e Sophie Perez Fernandes [in Anotação aos acórdãos (TEDH) Ferreira Santos Pardal c. Portugal e (TJUE) Ferreira da Silva e Brito (ou do “grito do Ipiranga” dos lesados por violação do direito da União Europeia no exercício da função jurisdicional, disponível em https://www.oa.pt/upl/%7B0ee80dca-66b1-4784-b287-e5b44e536ebe%7D.pdf] sustentam que foi mais um contributo decisivo “para a conformação do regime jurídico português em sede de responsabilidade do Estado por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional à jurisprudência consolidada do TJUE sobre a responsabilidade do Estado juiz por violação do direito da União – confortando, aliás, a doutrina portuguesa que cedo alertou para o facto de a mesma operar independentemente da revogação ou revisão da decisão danosa” salientando que “o TJUE claramente concluiu que contraria o princípio da efetividade, “uma regra de direito nacional como a que figura no artigo 13.º, n.º 2, do RRCEE pode tornar excessivamente difícil a obtenção da reparação dos danos causados pela violação do direito da União em causa” – pois, como foi apurado nas fases escrita e oral do processo, “as hipóteses de reapreciação das decisões do Supremo Tribunal de Justiça são extremamente limitadas” sendo que “tal obstáculo não pode ser justificado por outros princípios gerais do direito da União como os da autoridade do caso julgado ou da segurança jurídica” donde fica esclarecido “o regime jurídico aplicável à responsabilidade do Estado por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional, quando esteja em causa a violação do direito da União, afastando definitivamente a necessidade de revisão ou revogação da decisão danosa” não se devendo ignorar que “quando se aplica direito da União transposto para a ordem jurídica interna” se continua a “atuar no âmbito de aplicação do direito da União.”

Também, perante a doutrina deste acórdão de 09/09/2015, Miguel Teixeira De Sousa [
in Blog do IPPC] reconhece que “que, sempre que numa ação de responsabilidade civil proposta contra o Estado, seja invocado um erro judiciário por violação do direito europeu, não pode ser exigida, ao contrário do que dispõe o art. 13.º, n.º 2, RRCEE, a prévia revogação da decisão que alegadamente contém aquele erro… Isto significa que, daqui em diante, bastará a qualquer interessado invocar que, segundo a jurisprudência do TJ, a ação de indemnização baseada em erro judiciário por violação do direito europeu não exige a prévia revogação da decisão pretensamente ilegal.”

De tal decorre que a doutrina está a formar-se no sentido de que para efeitos de exigência de indemnização decorrente de responsabilidade civil extracontratual do Estado, por erro judiciário se dever afastar definitivamente a necessidade de revisão ou revogação da decisão danosa.

Seja como for, mesmo seguindo tal doutrina, no caso em apreço, tal questão não se mostra, quanto a nós pertinente e essencial, para aquilatar da sorte que poderá merecer o presente recurso, no qual o recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida. Pois, mesmo que se aceite, que não há necessidade de revogação ou de revisão da decisão danosa, no caso em apreço a apelação não poderá deixar de improceder, e daí a desnecessidade do cumprimento do artº 267º do TFUE (reenvio prejudicial). 

No tribunal recorrido não se considerou necessário ao julgamento da causa, pedir que o TJUE a emissão de pronúncia sobre a questão, não sendo, também caso de submissão obrigatória a este tribunal.

Nesta instância de recurso, a questão só se apresentaria relevante, se em face do alegado erro judiciário, se mostrassem preenchidos designadamente os pressupostos exigidos pelo n.º 1 do artº 13 da Lei 67/2007 (que manifestamente não é o caso) estando a pretensão do autor apenas dependente da exigência ou não do requisito exigido pelo n.º 2 deste aludido artigo.

Os danos decorrentes de erro judiciário só são indemnizáveis se a responsabilidade emergir de situações que possam ser caraterizadas por erro grave ou muito grave, quer do ponto de vista da interpretação do direito, quer do ponto de vista de apreciação dos factos - já que o erro pode ser de direito ou de facto -, e que conduza a uma situação manifestamente violadora da lei ou da Constituição, conforme decorre do disposto no n.º 1 do artº 13º da aludida Lei.

Apenas se “sanciona o erro manifestamente inconstitucional, ilegal, ou injustificado,” pelo que “o erro de direito praticado pelo juiz só poderá constituir fundamento de responsabilidade civil do Estado quando seja grosseiro, evidente, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas, demonstrativas de uma atividade dolosa ou gravemente negligente. Terá de se traduzir num óbvio erro de julgamento, por divergência entre a verdade fáctica ou jurídica e a afirmada na decisão, a interferir no seu mérito, resultante de lapso grosseiro e patente, por desconhecimento ou flagrante má compreensão do regime legal” [Fátima Galante, in O erro judiciário: A Responsabilidade Civil por Danos Decorrentes do Exercício da Função Jurisdicional, 41-42.], vindo a jurisprudência a ser firmada nesse sentido. [v. entre outros, Ac.s do STJ de 11/10/2011 no processo 1268/03.6TBPMS.L1.S1; Ac. do TRC de 20/11/2012 no processo 277/11.6BEAVR.C1; Ac. do STJ de 23/10/2014 no processo 1668/12.0TVLSB.L1.S1 e Ac. do TRP de 30/10/2014 no processo 1155/09.4TBVRL.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.]

No caso em apreço, embora se possa admitir que estamos perante divergências na interpretação das regras quanto à legislação sobre custas, ou seja, como se salienta na decisão recorrida, em face de “uma mera discordância doutrinária relativamente à questão” que, por não cair na noção de erro grosseiro, é insuscetível de fundamentar um pedido de indemnização.

Aliás, como já se afirmou, o autor, não põe em causa o segmento da decisão recorrida que apreciou a questão da existência de erro suscetível de indemnização, conformando-se com o julgado que nessa matéria foi feito, o qual, quanto a nós, não pode deixar de ser corroborado.

Por outro lado, não tendo sido posto em
causa o julgado de facto, também, dos factos assentes não resulta sustentáculo para caraterização e fixação dos alegados danos que o autor afirma ter tido e dos quais pretende ver-se ressarcido.

De modo que, independentemente de se poder excluir o pressuposto indemnizatório a que alude o n.º 2 do artº 13º da Lei 652007, sempre a pretensão indemnizatória do ora recorrente tinha que naufragar, pelo que não se pode censurar a decisão absolutória proferida na 1ª instância."

MTS