22/06/2016

Jurisprudência constitucional (82)


Actividade notarial; tabela de honorários e encargos


1. TC 19/5/2016 (320/2016), DR, II, de 2016-06-22: Não julga inconstitucional a norma constante do artigo 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 385/2004, de 16 de abril (aprova a tabela de honorários e encargos da atividade notarial)
 
2. O acórdão tem voto de vencida da Cons. Mata-Mouros, do qual se extrai a seguinte passagem:
 
"O Tribunal Constitucional tem uma vasta jurisprudência sobre a matéria dos tributos e, em especial, sobre as taxas (cf., por exemplo, o Acórdão n.º 846/2014, da 1.ª Secção, n.º 7). É esta jurisprudência que o presente acórdão pretende condensar quando refere a existência de «dois testes», sendo o primeiro a sua «bilateralidade ou sinalagmaticidade» e o segundo teste que o montante da «prestação pecuniária» em causa não «se mostrasse ostensivamente desproporcionad[o] face ao benefício obtido pelo particular em virtude da atividade pública que lhe fora especialmente dirigida» (cf. n.º 4 do acórdão). Neste contexto, de acordo com o presente aresto, o preenchimento do primeiro teste estaria assegurado, pois o «acesso ou a possibilidade de acesso aos documentos e informações disponibilizados e (ou) arquivados», o facto de o exercício da atividade notarial estar sujeita «em termos exclusivos — tanto à fiscalização e ação disciplinar do Ministro da Justiça quanto à dos órgãos competentes da Ordem dos Notários» e a «simples disponibilização dos serviços aos notários, e a existência em si mesma dos serviços, que lhe são especialmente dirigidos, de Auditoria e de Inspeção, constituem prestação pública correspetiva da atividade privada, e independente, que exercem». Assim, «haverá uma correspetividade tal que será em si mesma bastante para que se descubra no tributo as características de “bilateralidade” e de “sinalagmaticidade”» [...]. No entanto, para analisar a verificação do teste relativo à «bilateralidade ou sinalagmaticidade» da taxa é preciso analisar a contraprestação apresentada. Ora, o artigo 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 385/2004 refere neste âmbito o «acesso aos sistemas de comunicação, de tratamento e de armazenamento da informação do Ministério da Justiça», a «utilização do Arquivo Público» e os «Serviços de Auditoria e Inspeção» como contraprestaçãoo. Basta esta enumeração para perceber que no caso em presença, atento o respetivo regime, não é possível descortinar qualquer “bilateralidade”. A análise tem de partir do facto de que o tributo em análise deve ser pago «por cada escritura» e «por cada um dos demais atos que pratica» o notário, independentemente de este aceder, de facto, aos sistemas de bases de dados do Ministério da Justiça, ou da prestação de qualquer serviço em concreto relativamente ao arquivo ou pela atuação dos «Serviços de Auditoria e Inspeção». O facto gerador do tributo não é a prestação (individualizada ou não) de um serviço público, mas a mera prática de um ato pelo próprio notário, sendo o valor da taxa fixo, dependendo apenas de se tratar de um reconhecimento de assinatura ou de outro ato e não do custo ou encargo que as atividades administrativas que alegadamente correspondem à contraprestação acarretam. 

O acórdão ficciona a «bilateralidade ou sinalagmaticidade» da taxa, assentando -a na simples existência ou disponibilização dos serviços em causa aos notários, serviços esses que considera essenciais à sua atividade e que lhes conferem «uma utilidade exclusiva». Ignora, desta forma, a inexistência de qualquer relação entre o facto gerador do tributo (a prática de factos notariais) e as contraprestações em causa. As alegadas contrapartidas têm uma natureza genérica, independente da prática dos atos que dão origem ao dever de pagamento do tributo — estando relacionadas com a própria atividade geral de notário. De facto, a relação que se estabelece entre o tributo e as prestações que aparentemente justificariam a sua incidência é de tal modo difusa que inviabiliza a identificação de uma efetiva relação comutativa entre ambas, caso em que se torna impossível discernir a existência de qualquer tipo de bilateralidade. Nesse sentido, a alegada «utilidade exclusiva» destes serviços para os notários é irrelevante — pois o pagamento da taxa não depende da sua efetiva prestação."