12/07/2016

Jurisprudência (396)


Decisão arbitral; oposição à execução;
ordem pública; juros compulsórios


I. O sumário de RL 14/4/2016 (2455/13.4YYLSB-A.L1-2) é o seguinte: 

1. Encontrando-se em vigor a LAV de 1986 (Lei nº 31/86, de 29 de Agosto) quando as partes apresentaram o requerimento de arbitragem no Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio de Lisboa, será esta a lei aplicável ao processo arbitral, independentemente de, no momento da prolação da decisão, já se encontrar em vigor a LAV de 2011.

2. Os meios impugnatórios da decisão arbitral consistem no recurso da decisão arbitral para o Tribunal da Relação, sempre que as partes a ele não hajam renunciado (artº 29º, nº 1, da LAV), na acção de anulação da decisão dos árbitros (art. 28º do mesmo diploma legal) e na oposição à execução da decisão arbitral (art. 31º da LAV), admitindo-se que nesta sejam invocados os fundamentos da acção de anulação.

3. Havendo renúncia ao recurso prevista no artigo 29º, nº 1º, da LAV., fica vedada às partes a discussão em juízo do mérito ou demérito da decisão final dos árbitros, só podendo tal decisão ser atacada, em acção de anulação, com fundamento nalgum dos vícios indicados no artigo 27º, nº 1, da LAV, ou por meio dos embargos a que aludem os artigos 31º da LAV e 814º do CPC.

4. O dever de fundamentar previsto no artigo 23°, nº 3, e na al. d) do n.° 1 do artigo 27° da Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto, corresponde ao estabelecido na al. b) do n.° 1 do artigo 668° do CPC (art. 615º, nº 1, al. b), do nCPC).

5. Admite-se ainda a impugnação da decisão arbitral, para além dos vícios indicados no artigo 27º, nº 1, da LAV, com o fundamento de que o conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português.

6. São coisa diversa as normas que se revistam de imperatividade na ordem jurídica interna e os princípios que integram a ordem pública internacional. Enquanto aquela se reporta ao conjunto de normas imperativas do nosso sistema jurídico, constituindo um limite à autonomia privada e à liberdade contratual; a ordem pública internacional res­tringe-se aos valores essenciais do Estado português, representando os princípios e regras veiculados pela ordem pública internacional um núcleo mais restrito do que aqueles que subjazem à “ordem pública de Direito material”, referida designadamente nos artigos 271.º, n.º 1, 280.º, n.º 2, e 281.º todos do Código Civil.

7. A sentença arbitral que aplicou as regras inerentes ao regime da prescrição não colide de forma intolerável com os princípios e normas fundamentais da ordem jurídica portuguesa, não integrando, sequer, o regime jurídico da prescrição, a ordem pública internacional do Estado português. E, não conduzindo a sentença arbitral a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português, não é susceptível de anulação.

8. A sanção pecuniária compulsória legal prevista no nº 4 do artigo 829º-A do Código Civil é de funcionamento automático, não carecendo de ser pedida nem necessita de qualquer decisão judicial a estabelecê-la, sempre que esteja em causa uma execução para pagamento de quantia certa.
 

II. Tem interesse conhecer esta parte da fundamentação do acórdão:

"Se é pacífico o entendimento de que a condenação do réu na sanção pecuniária compulsória legalmente prevista no nº 4 do artigo 829º-A do Código Civil não deve ser alegada e decretada na acção declarativa, não tem sido unívoco na jurisprudência a questão de saber se na acção executiva a mesma terá de ser peticionada ou se é de aplicação automática.

Considerou a sentença recorrida, citando o Ac. R. L. de 14.05.2013 (Pº 4579/10.0YYLSB-B.L1-7), que muito embora a sanção pecuniária compulsória não conste do título executivo, pode ser peticionada no requerimento executivo, impondo-se para ser atendida na execução que seja efectivamente requerida em tal requerimento, o que não sucedeu no caso em apreciação. Este mesmo entendimento, com afloramento no princípio do dispositivo, mostra-se defendido, nomeadamente, e a título meramente exemplificativo, nos Acs. do STJ de 16.02.2012 (Pº 286/07.0TVLSB.L1.S1) e de 12.04.2012 (Pº 176/1998.L1.S1); Acs.R.P. de 05.07.2006 (Pº 0620782) e de 22.06.2010 (Pº 87/04.7TBMUR-F.P1); Ac. R.E. de 03.04.2012 (Pº 280/06.8TBSRP-B.E1).

Segundo outro entendimento, a sanção pecuniária compulsória legal, decorre directamente da lei, sendo por ela disciplinada que, desde logo, fixa o seu montante e o momento a partir do qual é devida, pelo que será de funcionamento automático, sem necessidade de qualquer decisão judicial a estabelecê-la – v. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. II, 276, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8ª ed., 985, LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma, 5ª ed., 98, Acs. R.P. de 17.06.2004 (Pº 0433267) e de 11.11.2004 (Pº 0435218); Ac. R.L. de 20.06.2013 (Pº 2387/10.2YYLSB-B.L1-2).

Sufragamos esta última posição, sempre que está em causa uma execução para pagamento de quantia certa, posição esta que se tornou mais clara e evidente a partir da nova redacção dos nºs 2 e 3 do artigo 805º do Código de Processo Civil, introduzida pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20/11 – aplicável às acções intentadas a partir de 31 de Março de 2009 - como é o caso da execução de que esta oposição é Apenso, que foi intentada em 12.02.2013."

III. O sumariado no n.º 8 não suscita muitas dúvidas, embora contraste com a orientação consagrada no Ac. STJ 9/2015, de 24/6, segundo a qual, "se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros" e, por conseguinte, não podem esses juros ser pedidos na posterior execução baseada na sentença condenatória. Certo é que o que é problemático é a orientação uniformizada pelo STJ (cf. Teixeira de Sousa, CDP 52 (2016), 35 ss.).


MTS