08/01/2020

Jurisprudência 2019 (148)


Embargos de executado; 
omissão; efeitos*


1. O sumário de RE 11/7/2019 (647/18.9T8PTM.E1) é o seguinte:

A não dedução de oposição à execução, no prazo oportunamente assinalado ao executado, não o impede de propor acção declarativa que vise a repetição do indevido.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"*

O problema que se discute é saber se, não tendo sido apresentados embargos à execução, fica o executado impedido de fazer valer o seu direito a não pagar numa acção autónoma. Ou seja, se fica precludida a possibilidade de discutir a causa ou outras circunstâncias relevantes da dívida ou não; se o executado não pode mais discutir o direito inscrito no título ou não. Em alternativa, importa saber se esta possibilidade é viável juridicamente, isto é, se o executado que não deduziu oposição pode, depois, vir discutir o conteúdo do título.
 
A sentença recorrida optou pelo primeiro termo.

*

Na acção executiva não se discutem direitos; executam-se documentos onde está definido um direito. O conhecimento destes apenas tem lugar se houver embargos à execução; neste processo, enxertado no processo de execução, é que eles são discutidos, analisados e decididos. Mas apenas se existirem embargos sendo que, então, a sentença que os julgar formará caso julgado nos seus precisos termos e limites (art.º 621.º Cód. Proc. Civil; cfr. art.º 732.º, n.º 5). Isto logo dá a indicação que, esgotado que fica um fundamento dos embargos, o mesmo não pode ser depois alegado pois que a tanto se opõe o caso julgado. Mas este não se forma sobre o que não está decidido, o que significa que, se houver um outro fundamento de oposição à execução, o executado não está impedido de o fazer valer noutro processo. Esta conclusão resulta também da inexistência de um dispositivo legal no processo de execução semelhante ao art.º 573.º, n.º 1: toda a defesa deve ser deduzida na contestação. Na acção executiva esta cominação não existe pelo que também não existe o respectivo ónus. Conforme se escreve no ac. da Relação do Lisboa, de 16 de Janeiro de 2018, a «não utilização dos meios de defesa na execução (designadamente a oposição) não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras acções (sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo) e, quando utilizados tais meios de defesa, as decisões de mérito nela proferidas formam caso julgado material apenas quanto às concretas excepções apreciadas, por inexistência na execução de ónus de concentração da defesa» (itálico nosso).

Tem sido esta a orientação mais recente da jurisprudência, designadamente, a citada nas alegações. Dentro desta, destacamos o ac. do STJ de 04 de Abril de 2017, onde se decidiu que, no caso de a aposição ter findado com uma absolvição da instância, «nada impede, seja em termos de preclusão seja em termos de caso julgado, que o executado renove a discussão que visou travar na oposição». E se é assim para uma sentença que não conhece do mérito da causa, por maioria de razão será também assim quando não há qualquer sentença.

Transcrevemos o seguinte do citado acórdão:

«De acordo com entendimento doutrinário corrente (assim, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4ª ed., pp. 190 e 191; Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª ed., pp. 303 a 305; e, de certa forma, Castro Mendes, Acção Executiva, p. 54), o executado não está sujeito a qualquer ónus de oposição à execução (aliás, não é citado ou notificado sob qualquer cominação para o caso de não deduzir oposição), e daqui que, não deduzindo oposição, tal não acarreta uma cominação, mas tão só a preclusão, no processo executivo, de um direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso, mas sem que se possa falar de caso julgado a impor-se noutra ação posterior ou de um efeito preclusivo para além do próprio processo executivo. Nesta medida, será de entender (e é o que, no fundo, significam os dois supra citados autores) que deixando o executado de deduzir oposição, nada impedirá que venha depois a invocar em outro processo (isto com vista à restituição da quantia injustamente recebida pelo exequente na execução) os fundamentos (exceções) que podia ter invocado na oposição. É esta também a visão, entre outra vária jurisprudência, do acórdão da RP de 6 de fevereiro de 2007 (processo nº 0720269, relator Vieira e Cunha, disponível em www.dgsi.pt), onde se sustenta que o decurso do prazo para a oposição à execução tem apenas efeitos dentro do processo, não existindo fundamento legal para que se possa entender que a respetiva preclusão produz efeitos fora do mesmo, e daqui que a não dedução de oposição à execução não impede o executado de propor ação declarativa que vise a repetição do indevido (no mesmo sentido a doutrina e jurisprudência aí citadas). Este ponto de vista assume toda a lógica desde que, como parece dever ser o caso, se encare a oposição à execução, não como uma contestação ao pedido executivo (e, assim, não se lhe aplica a regra do nº 1 do art.º 573º do CPCivil), mas como uma petição de uma ação declarativa autónoma cujo objeto é definido pelo executado (valendo cada um dos fundamentos materiais invocados como verdadeiras causa de pedir).

«Diferentes serão as coisas se o executado enveredar pela dedução de oposição à execução, e a oposição for objeto de decisão de mérito. Pois que nos termos do nº 5 do art.º 732º do CPCivil atual (que veio consagrar um princípio que já correspondia a uma corrente de opinião bem estabelecida; v. a propósito Jorge de Almeida Esteves, Themis, nº 18, pp. 47 e seguintes), a decisão de mérito proferida na oposição constituirá, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda (esta norma, aliás, confirma a contrario a ideia de que a decisão simplesmente de forma - a que incide sobre a relação processual – não se impõe senão na oposição). Mas se, por qualquer razão, não chega a haver decisão de mérito na oposição à execução que o executado efetivamente apresentou, então nada impedirá que este venha posteriormente (e à semelhança do que sucederia no processo declarativo), em nova ação, renovar a discussão sobre a existência da obrigação exequenda que foi atuada em seu prejuízo na execução, e a extrair daí as pertinentes consequências reintegrativas do seu património (tudo sem prejuízo da eficácia ou validade do processo executivo). Nesta hipótese, não há qualquer caso julgado material a levar em conta, e só este imporia a sua força obstativa na ação subsequente».
 
Destacamos ainda o ac. da Relação do Porto (também citado no anterior) de 6 de Fevereiro de 2007, onde se decidiu que a «não dedução de oposição à execução, no prazo oportunamente assinalado ao executado, não o impede de propor acção declarativa que vise a repetição do indevido». 

Por último e por ser mais recente, indicamos o ac. do STJ de 19 de Março de 2019, onde se afirma que não se pode falar em efeito preclusivo para além do próprio processo executivo."

*3. [Comentário] Salvo o devido respeito, é muito duvidoso que o acórdão, ao defender o carácter facultativo da dedução de embargos de executado, acompanhe l'air du temps. O processo executivo nasceu, efectivamente, como um processo de tramitação acelerada e de cognição restrita. Por isso mesmo, o processo executivo era integrado nos chamados processos sumários determinados (cf. Danz, Grundsätze der summarischen Prozesse (ed. Gönner) (1806), 110 ss.)). 

É mais do que discutível que (situados, agora, no século XXI) assim deva continuar a ser considerado. Um dos aspectos que deve ser ponderado é precisamente a amplitude com que actualmente se admite a oposição do executado à execução (apesar do infeliz resquício histórico quanto à restrição dos meios de prova que se contém no art. 729.º, al. g), CPC)). 

Um outro é a circunstância de, na forma prototípica da execução, o executado ser citado para pagar ou se opor à execução (art. 726.º, n.º 6, CPC). A interpretação mais justificada do preceito é a de que a oposição à execução constitui, não uma mera faculdade cuja omissão não produz nenhum efeito preclusivo, mas antes um ónus do executado, dado que é precisamente o ónus a situação subjectiva paradigmática em qualquer processo. É bem sabido que, quando qualquer preceito processual, estabelece que a "parte pode", isso significa, em regra e por defeito, que a parte tem o ónus de realizar um determinado acto processual.

Por fim, cabe referir que, não sendo, o título executivo uma sentença judicial ou arbitral, não há nenhuma restrição quanto aos fundamentos da oposição à execução (cf. art. 731.º CPC). Também por isso não se percebe muito bem por que razão, no caso sub iudice, a RE entende que as declarações da nulidade do procedimento de actualização de renda e da resolução do contrato de arrendamento não poderiam ser solicitadas e apreciadas na oposição à execução.

MTS