23/01/2020

Jurisprudência 2019 (159)



Prestação de contas;
declarações de parte; maior acompanhado


1. O sumário de RP 10/7/2019 (6651/99.7TVPRT-J.P1) é o seguinte:

I - A revogação operada pela Lei nº 49/2018 de 14/08, relativamente ao artº 948º al. d) do CPCivil tem aplicação imediata aos processos de interdição e inabilitação pendentes à data da sua entrada em vigor (14/02/2019).

II - Tendo tal Lei conferido ao Juiz o poder-dever de gestão processual, nada impõe agora que se proceda à audição do maior acompanhado.

III - As declarações do maior acompanhado mostram-se reguladas no artº 466º do CPCivil que remete para o artº 452º/2 do mesmo código, sendo, por isso, obrigatório indicar, de forma discriminada, no requerimento em que se requerem tais declarações, os factos sobre que hão de recair as mesmas.

IV - Tendo-se em tal requerimento apenas dito, de forma genérica, que a inquirição do maior acompanhado, iria esclarecer as questões suscitadas nos autos e no julgamento, não se mostram observadas as exigências impostas pelo aludido preceito legal.
 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Vem o presente recurso interposto pela curadora do inabilitado, do despacho de indeferimento da audição deste (agora maior acompanhado) nos autos de prestação de contas, pugnando pela audição deste.

Na audiência prévia realizada em 19/10/2016, nos presentes autos de prestação de contas, foi requerida pela ilustre mandatária do requerente, o depoimento de parte do inabilitado C…, à matéria dos artºs 19º, 20º, 36º, 45º, 52º e 53º da contestação.

Sem oposição, foi admitido o requerido depoimento de parte do inabilitado, na medida do que lhe fosse possível prestar.

Na audiência de julgamento de 05/12/2018, foi prescindido o depoimento de parte do maior acompanhado (inabilitado) sem que a ora recorrente se opusesse.

Por requerimento de 20/12/2018, a ora recorrente veio requerer a audição do maior acompanhado, por se lhe afigurar indispensável a sua audição, calma e paciente, uma vez que o inabilitado está na posse dos conhecimentos que permitem esclarecer as questões suscitadas nos autos e no julgamento.

O Tribunal a quo após dar cumprimento ao princípio do contraditório (artº 3º/3 do CPC) veio a indeferir a pretensão da ora recorrente, pelas razões que decorrem do despacho que supra se transcreveu.

A recorrente sustenta que o Tribunal a quo ao proferir tal despacho violou o disposto no artº 948º al. d) do CPCivil.

Vejamos se lhe assiste razão.

Tal como bem refere o Mº Pº nas suas contra-alegações de recurso, tal preceito legal foi revogado pelo artº 24º b) da Lei nº 49/2018 de 14/08.

E de acordo com o artº 26º da mesma Lei, com a epígrafe “Aplicação no tempo”, tal revogação tem aplicação imediata aos processos de interdição e de inabilitação pendentes aquando da sua entrada em vigor (nº 1) e o juiz utilizará os seus poderes de gestão processual e de adequação formal para proceder às adaptações necessárias nos processos pendentes (nº 2).

De acordo com o disposto no nº 1 do artº 25º de tal Lei, a mesma entrou em vigor 180 dias após a sua publicação, ou seja, entrou em vigor em 14/02/2019, mostrando-se, assim, de facto, neste momento, tal norma (artº 948º al. d) do CPCivil) revogada, o que não ocorria à data da prolacção do despacho recorrido que foi proferido em 09/01/2019.

Assim, tendo determinado tal Lei que a revogação do artº 948º al. d) do CPCivil tem aplicação imediata e conferindo ao Juiz o poder-dever de gestão processual, nada impõe agora que se proceda à audição do maior acompanhado.

Deste modo, tratando-se de uma questão de aplicação da lei no tempo, neste momento, não é obrigatória a audição do inabilitado (maior acompanhado) sobre as contas prestadas pela curadora (representante do mesmo), embora o fosse à data da prolacção do despacho recorrido.

Importa, no entanto, aferir se sendo obrigatória a audição do inabilitado à data do requerimento para audição do mesmo e à data do próprio despacho recorrido, se o requerimento apresentado pela curadora/representante do acompanhado observa as formalidades legais e se é indispensável a audição deste.

O Tribunal recorrido entendeu indeferir o requerido não só porque não foi indicada a concreta matéria de facto a que o inabilitado deve prestar declarações, mas também porque estando em causa neste processo apenas questões de natureza patrimonial, as quais estão por definição excluídas do âmbito da capacidade do inabilitado e ainda porque o requerimento não obedece ao formalismo legal.

As declarações de parte mostram-se reguladas no artº 466º do CPCivil que remete para o artº 452º nº 2 do mesmo código, ou seja, quando sejam requeridas declarações de parte, deve indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que hão de recair tais declarações.

De facto, “sendo certo que as declarações de parte não podem incidir indiscriminadamente sobre toda a matéria de facto alegada, mas apenas sobre a matéria factual de que o declarante tenha conhecimento directo ou em que tenha intervindo pessoalmente (artº 466º nº 1 do CPC), incumbe ao respectivo requerente indicar no respectivo requerimento de prova, de forma discriminada, os factos por si alegados sobre que deverão incidir as suas declarações de parte, em conformidade com o disposto no artº 452º nº 2 ex vi do artº 466º nº 2, ambos do CPC” – cfr. ac. do TRP de 13/06/2018, pº nº 143/14.3T8PFR-B.P1, consultável em www.dgsi.pt

Ora, a representante do acompanhado limita-se no requerimento por si apresentado, de uma forma genérica, a dizer que a inquirição deste irá esclarecer as questões suscitadas nos autos e no julgamento, não observando, por isso, a exigência imposta pelo aludido preceito legal de discriminação da factualidade a que o acompanhado deve depor.

Por outro lado, atendendo a que nestes autos foram impugnadas certas despesas indicadas na conta-corrente apresentada pela representante do acompanhado entre Janeiro de 2011 e Dezembro de 2013, importando apurar nestes autos se determinadas obras e trabalhos tiveram lugar, não nos parece que as declarações do maior acompanhado que, nesta altura tem 90 anos de idade e se encontra integrado num lar sejam absolutamente indispensáveis para o fim visado no tema de prova.

Assim, sem necessidade de outros considerandos, é de concluir que, perante a ausência no requerimento da indicação da factualidade a que o maior acompanhado deveria depor, não se mostram observados os requisitos exigidos por lei para o decretamento do requerido.

De resto, cabe aqui salientar que tendo estado presente o inabilitado em audiência de julgamento realizada no dia 05/12/2018, a recorrente não se opôs a que o depoimento de parte do mesmo fosse prescindido mas, volvidos que foram 15 dias entendeu que a audição deste era indispensável para esclarecer “questões suscitadas nos autos e no julgamento”, o que não se entende.

Assim, pelos fundamentos expostos, improcedem as conclusões da apelante, confirmando-se a decisão recorrida."

[MTS]