28/01/2020

Jurisprudência 2019 (162)


Recurso de revista;
impugnação da matéria de facto

I. O sumário de STJ 11/7/2019 (121/06.6TBOBR.P1.S1) é o seguinte:

1. Não cabe no âmbito do recurso de revista a reapreciação de documentos sem força probatória plena (artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2).

2. Cabe ao apelante que pretende impugnar a decisão de facto o ónus de delimitar o respectivo objecto, indicando com precisão os pontos concretos que questiona, e de fundamentar o recurso, apontando os meios probatórios que impunham decisão diversa e que decisão deveria ter sido tomada.

3. Estes ónus têm de ser entendidos à luz da respectiva função e não ser entendidos de forma desproporcionalmente exigente.

4. Necessário é que o recorrido disponha dos elementos necessários para se pronunciar sobre a impugnação e que o tribunal tenha os dados necessários para apreciar o recurso, no que toca à prova gravada e aos pontos de facto indicados.

5. No caso, o recorrente indicou o princípio e o fim dos depoimentos que questiona, por referência ao suporte onde estão gravados, os pontos de facto (da então base instrutória) para cuja prova foram indicados e sintetizou o respectivo conteúdo, o que se considera suficiente.

6. Não incorre em incumprimento de um acórdão da Relação que determinou que o julgamento fosse repetido, mas sem que essa repetição abrangesse “a parte da decisão não viciada, podendo no entanto o tribunal a quo apreciar outros pontos da matéria de facto provada com a finalidade exclusiva de evitar contradições”, o juiz de 1ª instância que despacha no sentido de que lhe está vedada a possibilidade de reapreciação da prova produzida, por não ter sido quem realizou o julgamento, uma vez que não afirmou ter detectado contradições que não tem a possibilidade de resolver.
 

II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte: 

"3. Pelo Tribunal da Relação de Coimbra de fls. 1495, foram julgados os recursos de apelação e de agravo interpostos pelos réus. Foi decidido conceder provimento parcial ao recurso de BB e, portanto, decidido:
 
– Negar provimento ao agravo interposto da decisão de apensação dos processos;
 
– Alterar um quesito (o 17º), mantendo embora a resposta de “provado” e aditar questões à base instrutória, anulando a sentença e ordenando “a repetição do julgamento que não abranja a parte da decisão não viciada, podendo no entanto o tribunal a quo apreciar outros pontos da matéria de facto provada com a finalidade exclusiva de evitar contradições”; [...]

A fls. 1780 foi proferida nova sentença, mantendo o decidido na anterior. Os réus recorreram, agora para o Tribunal da Relação do Porto., que, pelo acórdão de fls. 1202, negou provimento aos recursos. [...] 

4. Os réus recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça. [...] 

Também recorreram CC e mulher, que concluíram as alegações desta forma: [...]

20. - Salvo o devido respeito, o TRP não entendeu a questão sob julgamento e, por essa razão, acabou por não julgar essa parte do recurso.

Simplesmente, não é essa a questão, a questão que se lhe colocou a julgamento não era essa - que, assim retratada, como no acórdão recorrido, emerge quase "La Paliciana".

21. - Escreveu-se o seguinte na sentença da primeira instância, a fls. 16ª (atenta a paginação da própria decisão) pode ler-se o seguinte:

"Desde já se consigna que, não obstante o douto Tribunal da Relação de Coimbra ter decidido que se podia alterar a factualidade já dada como provada, com o intuito de evitar contradições, o certo é que o julgamento inicial não foi por nós realizado, pelo que se nos afigura que nos está vedado a possibilidade de reapreciação da prova produzida e que conduziu à resposta à matéria de facto já proferida nos autos."

23.- Ora, a serem assim as coisas, não se trata da Mma. Juiz a quo poder ou não poder, caso necessite ou venha a ser necessário..., como vai escrito no acº. proferido pelo TRP.

24. - Trata-se sim da Mma. Juiz a quo, do tribunal de primeira instância, ter entendido que não podia julgar essa matéria, não obstante o TRC ter entendido que sim e a ter mandatado nesse sentido, isto é, na prática, se ter recusado a julgar essa matéria. Sendo que, o que está em causa não é esse segundo momento de não ter sido necessário a modificação dessa matéria de facto.

25. - Continuando a ressalvar o muito respeito devido, como os recorrentes escreveram no seu recurso agora conhecido pelo TRP, o que está em causa é a negação e a recusa pela Mma. Juiz da primeira instância do uso desse mandato e do julgamento da nova matéria ter ficado absolutamente condicionado por esse entendimento.

26. - Por sua vez, por esse pré-juízo origina a que não tenha podido haver um verdadeiro julgamento sobre tais factos, tendo ocorrido uma "desobediência" absoluta do mandato para o acto de julgar aquela matéria (assente no diferente entendimento, como se escreveu na sentença).

27. - Este entendimento configura violação de caso julgado material e um verdadeiro não julgamento, que conduziu a uma verdadeira não decisão (a da primeira instância, validada nessa parte pelo acórdão agora sob recurso), ficando o "acto de julgar" absolutamente condicionado e inquinado "ab initio", e constituindo nulidade insuprível por violação dos Arts.l 52°n°.l, 411°, 602°n°.l e 620° do CPC [...]

A autora contra-alegou, sustentando a decisão recorrida. [...]

Nas contra-alegações correspondentes ao recurso interposto por CC e mulher, DD, concluiu assim: [...]

E) Só no caso de a Sra. Juiz que presidiu ao segundo julgamento encontrar contradições entre a matéria de facto que resultava provada após a realização deste e a matéria de facto já provada anteriormente, a mesma podia (e devia) proceder às alterações necessárias, mas não havendo qualquer contradição, como efetivamente não houve, então não havia necessidade de se alterar a matéria de facto já provada que, assim, se manteve.

F) Ao contrário do pretendido pelos recorrentes, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra não conferiu propriamente um segundo grau de jurisdição à Sra. Juiz que presidiu ao segundo julgamento.

G) Por outro lado, os recorrentes omitiram o dever que sobre si impendia de alegar e de demonstrar quais as contradições entre a matéria de facto provada após o aditamento à base instrutória e aquela que já o havia sido, evidenciando de que forma, e com base em quê, a anterior matéria de facto deveria ser alterada.

H) Não se verifica por isso qualquer omissão de pronúncia (isto, em resposta ao teor da conclusão 20 das alegações a que se responde) nem outro qualquer vício do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.» [...]

7. Estão assim em causa neste recurso:

No recurso interposto pelos réus CC e mulher, DD: [...]

c)– incumprimento, pelo tribunal de 1ª instância, de determinações do Tribunal da Relação de Coimbra quanto `à apreciação de matéria de facto; [...] 

9. Recurso interposto pelos réus CC e mulher, DD: [...] 

c) – Incumprimento, pelo tribunal de 1ª instância, de determinações do Tribunal da Relação de Coimbra quanto `à apreciação de matéria de facto;
 
O que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto decidiu a este respeito não merece qualquer censura.
 
Com efeito, com a anulação da primeira sentença, em virtude da determinação da ampliação da matéria de facto, o Tribunal da Relação de Coimbra deliberou que fosse repetido o julgamento, mas sem que essa repetição abrangesse “a parte da decisão não viciada, podendo no entanto o Tribunal a quo apreciar outros pontos da matéria de facto provada com a finalidade exclusiva de evitar contradições”.


O juiz que elaborou a segunda sentença não afirmou que detectou contradições depois de repetido o julgamento e que, apesar disso, não podia reapreciar a “prova produzida e que conduziu à resposta à matéria de facto já produzida nos autos” (fl. 1795). 

Improcede, por isso, a alegação de incumprimento do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra."

[MTS]