31/01/2020

Jurisprudência 2019 (165)


Penhora;
herança indivisa; registo


1. O sumário de RE 11/7/2019 (318/08.4TBPSR-A.E1) é o seguinte:

A penhora do direito do executado a herança indivisa não está sujeita a registo, ainda que na herança se integrem bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, por não se concretizar em bens certos e determinados.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"1. No despacho recorrido concluiu-se pela rejeição dos embargos com os fundamentos seguintes:

«Dispõe o artigo 342.º do CPC que: “1- Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro. 2 - Não é admitida a dedução de embargos de terceiro relativamente à apreensão de bens realizada no processo de insolvência.”.

Por sua vez, dispõe o artigo 344.º do CPC que “1 - Os embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o ato ofensivo do direito do embargante. 2 - O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas.”.

Por fim, nos termos do artigo 345.º do Código de Processo Civil, sendo apresentado em tempo e não havendo razões para o imediato indeferimento da petição, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante.

Posto isto, considerando o que foi alegado pela embargante quanto à tempestividade dos embargos, entendemos, por um lado, que a dedução dos presentes embargos foi apresentada em tempo, porquanto aquela refere apenas ter tomado conhecimento da penhora no dia 31.7.2017 e verifica-se que os embargos foram deduzidos em 29.9.2017, estando, assim, cumprido o prazo legal.

Todavia, ao contrário do que alega a embargante, não estão verificados os pressupostos da dedução dos embargos, desde logo porque não existe qualquer ato lesivo do seu direito porquanto não existe qualquer auto de penhora nem está registada qualquer penhora sobre os imóveis em causa (cfr. fls. 45 a 48).

Assim, sendo certo que, nos autos principais, a embargante foi notificada (cfr. fls. 226 e 228) pelo agente de execução de que teria sido penhorado o direito ao seu quinhão hereditário da qual faziam parte os imóveis descritos na CRP de P… sob o n.º 7631 e 1916, a verdade é que tal apreensão ou penhora nunca foi feita, não só porque não existe qualquer auto de penhora nos autos principais quanto a esse direito hereditário ou a esses bens, como não foi inscrita qualquer penhora no registo predial respectivo.

E, assim, invocando a embargante que se verificou a ofensa do seu direito de propriedade em virtude da penhora dos seus imóveis realizada nos autos principais, mas verificando-se que, na verdade, tal penhora não existiu nem foi concretizada (de facto, não se percebe sequer a notificação que lhe foi feita pelo agente de execução), sempre a reacção da embargante é desnecessária e inútil.

*
Por todo o exposto, verificando-se que não existiu qualquer ofensa do direito de propriedade da embargante, rejeito os presentes embargos de terceiro, que são manifestamente improcedentes.»

2. A recorrente discorda deste entendimento, sustentando, em síntese, que os embargos foram considerados como tendo sido apresentados tempestivamente e que a recorrente foi confrontada com a notificação da penhora que atinge o seu direito, pelo que não podia ter-se por extinta a instância só porque a exequente não levou por diante os efeitos da penhora.

Ou seja, no entendimento da recorrente, contrariamente ao decidido, a penhora de direitos indivisos tem-se por efectuada com a “notificação do facto ao administrador dos bens, se os houver, e aos contitulares …”, não sendo registável.

E, afigura-se-nos que lhe assiste razão.

Senão vejamos:

3. Como resulta da notificação dirigida pelo AE à embargante, a mesma reporta-se à penhora do quinhão hereditário da executada EE, na herança ali identificada, da qual fazem parte as quotas correspondentes a ½ dos imóveis que ali também se identificam, sobre os quais a embargante é titular inscrita do direito a ½ de cada um deles (cf. certidões do registo predial juntas aos autos).

No artigo 781º do Código de Processo Civil [correspondente ao anterior artigo 862º] estabelece-se as especialidades do procedimento da penhora que tenha por objecto o quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo, prescrevendo-se a este respeito no n.º 1 que: “Se a penhora tiver por objecto quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo, a diligência consiste unicamente na notificação do facto ao administrador dos bens, se o houver, e aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução, desde a data da primeira notificação efectuada.”

Como se diz no preceito, a penhora efectiva-se – “unicamente” – por notificação do agente de execução aos contitulares (ao comproprietário, ao cônjuge, ao co-herdeiro) e ao administrador dos bens, caso exista, “com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução”.

Porém, como refere Rui Pinto que «… a penhora de parte, quota ou quinhão hereditário em bem indiviso, móvel ou imóvel, sujeito a registo faz-se segundo o sistema do artigo 755º, aplicável por força do artigo 783º.» (A Ação Executiva, 2018, AAFDL, pág. 613/614)

Mas, como nos dá conta o mesmo autor, em comentário à posição de Remédio Marques (CPex, p. 242), [para quem, “se o objecto do direito numa compropriedade ou num património autónomo for um imóvel, não se segue o regime da penhora de imóveis (…). Esta penhora não é, por conseguinte registável], «… uma coisa é a penhora de parte em património autónomo ou universalidade – bens comuns, herança – onde caibam bens imóveis, outra coisa é a penhora de bens imóveis em compropriedade. Na verdade, é só no primeiro caso que não há lugar a registo, porquanto o que é penhorado é a parte no direito à universalidade, e não as quotas-partes nos direito que a compõe, não se conhecendo se virão a calhar ao executado imóveis ou móveis sujeito a registo – assim, neste sentido e só para esta hipótese, Alberto dos Reis, PEx II, cit, 224-225 e RP 16-1-1974, BMJ 233-243; já no segundo caso, deve ser levado a cabo o registo».

4. Ora, no caso em apreço não subsistem dúvidas de que a penhora incidiu, não sob uma quota-parte dos imóveis detidos em compropriedade, mas sobre o quinhão hereditário da executada, do qual fazem parte a quota dos dito imóveis, pelo que, pelas razões acima apontadas se entende que a penhora se efectua por notificação, nos termos previstos no artigo 781º do Código de Processo Civil, não estando sujeita a registo.

Neste sentido, veja-se entre outros, o recente acórdão da Relação de Lisboa, de 11/04/2019 (proc. n.º 171/17.7T8MFR.L1-6), disponível, como os demais citados sem outra referência, em www.dgsi.pt, onde se conclui que: «I - A penhora do direito do executado a herança indivisa efectua-se mediante notificação do facto ao cabeça-de-casal e aos demais herdeiros, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução, desde a data da primeira notificação.

II- Esta penhora não está sujeita a registo, ainda que na herança se integrem bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, por não se concretizar em bens certos e determinados, integrando a excepção consagrada na al. c), do nº2, do artigo 5º do Código de Registo Predial.»

Em sentido idêntico, veja-se ainda os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/05/12 (Salazar Casanova), proferido no proc. n.º 1718/03.1TBILH.C1.S1, e de 30/03/06 (Pereira da Silva), proferido no Proc. nº 05B3646; e da Relação do Porto, de 13/05/2003 (Cândido Pelágio Castro Lemos), proc. 0322275, e de 27/04/2004, (Emídio Costa), proc. n.º 0421355).

5. Deste modo, não se pode concluir, como se fez na decisão recorrida, pela inexistência de penhora e pela desnecessidade de recurso da embargante à defesa da sua posse, mediante a dedução dos embargos.

Claro que o exequente poderá ter perdido o interesse na manutenção da penhora, como parece resultar da resposta do AE, mas, como diz a recorrente, não desistiu da penhora, e, por conseguinte, mantendo-se a penhora, não ocorre o invocado fundamento para rejeição dos embargos por manifesta improcedência, como se decidiu.

6. Em consequência, procede a apelação, com a consequente revogação do despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que admita os embargos, prosseguindo os autos os seus termos, se outra causa não sobrevier que a tal impeça."

[MTS]