25/02/2020

Jurisprudência 2019 (182)


Obrigação exequenda;
liquidação


I. O sumário de RE 26/9/2019 (837/14.3T8LLE-F.E1) é o seguinte:

1. A dívida é líquida quando esteja avaliada em dinheiro ou quando o título contenha todos os elementos necessários para essa ponderação.

2. Se o título for uma sentença, a respectiva interpretação tem de fazer-se de acordo com o que tiver sido articulado na acção e na fase executiva .

3. A liquidação pode fazer uso de informações posteriores relativamente à taxa de juro hipotecária fixada mensalmente por uma determinada instituição bancária.

II. Na fundamentação da sentença afirma-se o seguinte:

"Toda a execução deverá estar baseada numa obrigação que se revista de certeza, liquidez e exigibilidade [...].

A questão controvertida passa por averiguar se a liquidação da obrigação em discussão depende (ou não) de uma operação de simples cálculo aritmético.

Confrontam-se aqui duas posições antagónicas: a da recorrente que entende que a definição da liquidez teria de processar-se integralmente no requerimento executivo e a do Tribunal «a quo» que sustenta a viabilidade da liquidação ser operacionalizada posteriormente por depender de simples cálculo aritmético.

Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido (artigo 716º, nº 1, do Código de Processo Civil, a que corresponde o artigo 805º do Código de Processo Civil então vigente).

Quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis (artigo 716º, nº 2, do Código de Processo Civil, a que corresponde o artigo 805º do Código de Processo Civil então vigente).

Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter como fundamento a incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução.

Todavia, como resulta da interacção entre a sentença emanada do Tribunal Canadiano – e revista pelo Tribunal da Relação de Évora – com o requerimento executivo, a obrigação aqui em discussão é certa, exigível e líquida, tanto à luz do artigo 802º da legislação do pretérito como por via da aplicação da disciplina actualmente precipitada no artigo 713º do Código de Processo Civil.

*

No âmbito da acção executiva, como resulta do disposto no artigo 716º (idêntica solução constava da letra do artigo 805º do anterior Código de Processo Civil), o exequente poderá apresentar o pedido de liquidação no requerimento executivo nos casos aí previstos, devendo nessa peça processual especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir pela formulação de um pedido líquido[...].

A obrigação diz-se líquida quando se encontra determinada em relação à sua quantidade, isto é, quando se sabe exactamente quanto se deve (quantum debeatur)[...], ou quando essa quantidade é facilmente determinável através de uma operação de simples cálculo aritmético com base em elementos constantes do próprio título. Consequentemente, a obrigação será ilíquida quando, apesar de a sua existência ser certa, o seu montante ainda não se encontrar fixado[...]. [...]

Aquilo que importa assim decifrar é se a quantificação a operar assenta em factos que estão abrangidos pela segurança do título executivo ou que podem ser oficiosamente conhecidos pelo Tribunal e agente de execução[...], não dependendo, por conseguinte, da averiguação de outras premissas[...] [...].

No domínio da liquidação da obrigação exequenda, por força da validade intrínseca do próprio título, é de acautelar que o caso julgado incide «sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão»[21], sendo que «não é de excluir que se possa recorrer à parte motivatória da sentença para reconstruir e fixar o verdadeiro conteúdo da decisão»[...].

Na senda de Lebre de Freitas preconizamos que a liquidação dependerá do simples cálculo aritmético quando a mesma possa realizar-se exclusivamente com base no que consta do título executivo e, por isso, sem recurso a quaisquer elementos a ele estranhos[...].

Da conjugação destes contributos temos para nós que a dívida é líquida quando esteja avaliada em dinheiro ou quando o título contenha todos os elementos necessários para essa ponderação. Se o título for uma sentença, a respectiva interpretação tem de fazer-se de acordo com o que tiver sido articulado na acção e, buscando argumentos na lição de Duarte Nazareth, em alguns casos a liquidação pode ter lugar acerca do que se compreende virtualmente na sentença[...].

Sobre um caso paralelo já foi editada jurisprudência[...] e estamos perante um caso de putativa iliquidez[26], em que basta fazer contas[...], porquanto a liquidação depende de simples cálculo aritmético por se estar perante uma dívida patrimonial devidamente delimitada e todos os factos de suporte necessários à concretização da operação de definição estão compreendidos na sentença.

Não se apresenta a hipótese judicanda no contexto de uma condenação genérica ou de uma universalidade e nem a prévia operação de cálculo pressupõe qualquer litígio substancial sobre a matéria da prestação devida ou de um acto prévio conformador da escolha, determinação ou concentração da mesma.

Na verdade, o valor da dívida está definido por sentença tanto na dimensão quantitativa como qualitativamente e o acto decisório declarativo é taxativo quanto aos juros aplicáveis[28]. E ficou assim tão só por esclarecer qual o montante evolutivo desses juros.

No próprio requerimento inicial executivo os exequentes especificaram e procederam ao cálculo dos montantes abrangidos na prestação devida e concluem a pretensão executiva com um pedido líquido, no qual inclui os juros já vencidos, sendo que relativamente aos juros que se continuarem a vencer a matéria é regulada nos termos estatuídos no nº 2 do artigo 716º do Código de Processo Civil.

Mesmo que existisse erro ou deficiência da liquidação da obrigação de capital ou dos juros, tal não importava a extinção da acção executiva[...], não impedia a propositura da acção executiva nem justifica a suspensão da causa nos termos peticionados pela recorrente.

A terminar e como já resulta da argumentação precedente, os elementos indispensáveis e necessários para fixar o objecto da prestação são escrutináveis a partir da leitura da sentença declarativa e a concretização do objecto da prestação depende de simples cálculo aritmético e daí decorre que não existe fundamento para revogar o despacho recorrido. Por conseguinte, julga-se improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

A matéria atinente ao cálculo da liquidação e da existência anatocismo é objecto de recurso distribuído autonomamente."

 [MTS]