24/03/2020

Jurisprudência 2019 (202)


Presunções judiciais;
poderes do STJ*

 
1. O sumário de STJ 17/10/2019 (1703/16.3T8PNF.P1.S1) é o seguinte:

I. Segundo a jurisprudência corrente, o STJ só pode sindicar o uso de presunções judiciais pela Relação, se este uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados.

II. Nessa conformidade, pode ser sindicável em sede de revista o uso de presunções judiciais quando a lei o não admita, por violação, por exemplo, do artigo 351.º do CC, ou, quando admitindo-o, tal uso ocorra fora do condicionalismo legal traçado no artigo 349.º do mesmo Código, que exige a prova de um facto de base ou instrumental e a ilação a partir dele de um facto essencial presumido.

III. Relativamente ao erro sobre a substância do juízo presuntivo formado com apelo às regras da experiência, o mesmo só será sindicável pelo tribunal de revista em casos de manifesta ilogicidade.

IV. Para tanto, importa que da decisão de facto ou, porventura, da respetiva motivação constem os factos instrumentais a partir dos quais o tribunal tenha extraído ilações em sede dos factos essenciais, nos termos dos artigos 349.º do CC e 607.º, n.º 4, do CPC, ou até algum argumento probatório decisivo, que permitam, nessa base objetiva, aferir a ocorrência de manifesta ilogicidade.

V. Face ao preceituado nos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do CPC, está vedado ao tribunal de revista indagar, por via da livre reapreciação da prova produzida, erro intrínseco na formação da convicção do julgador.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
 
"Como é sabido, no domínio das presunções judiciais, tem vindo a admitir-se, após alguma controvérsia, que o STJ “só pode sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofende qualquer norma legal, se padece de evidente ilogicidade ou se parte de factos não provados” [Neste sentido, vide, entre outros, o acórdão do STJ, de 25/11/2014, proferido no processo n.º 6629/04.0TBBRG.G1.S1].

Nessa medida, pode ser sindicável em sede de revista o uso de presunções judiciais quando a lei o não admita, por violação, por exemplo, do artigo 351.º do CC, ou, quando admitindo-o, tal uso ocorra fora do condicionalismo legal traçado no artigo 349.º do mesmo Código, que exige a prova de um facto de base ou instrumental e a ilação a partir dele de um facto essencial presumido.

E relativamente ao erro sobre a substância do juízo presuntivo formado com apelo às regras da experiência, o mesmo só será sindicável pelo tribunal de revista em casos de manifesta ilogicidade.

Para tanto, importa que da decisão de facto ou porventura da respetiva motivação constem os factos instrumentais a partir dos quais o tribunal tenha extraído ilações em sede dos factos essenciais, nos termos dos artigos 349.º do CC e 607.º, n.º 4, do CPC, ou até algum argumento probatório decisivo, que permitam, nessa base objetiva, aferir a ocorrência da sobredita ilogicidade. Mas, face ao preceituado nos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do CPC, está vedado ao tribunal de revista indagar, por via da livre reapreciação da prova produzida, o erro intrínseco na formação da convição do julgador."

*3. [Comentário] O STJ continua a recorrer ao "bordão" de que não pode conhecer de presunções judiciais, excepto se a presunção "ofende qualquer norma legal, se padece de evidente ilogicidade ou se parte de factos não provados”. 

Cabe perguntar, no entanto: mas, para que o STJ saiba se uma presunção judicial utilizada pelas instâncias ofende uma norma legal, padece de ilogicidade ou parte de um facto não provado, não é necessário que o STJ infira, ele próprio, a presunção judicial "correcta"? Ou não é que é apenas através da comparação da presunção judicial "correcta" inferida pelo STJ com aquela que foi inferida pelas instâncias que se pode saber se esta apresenta algum dos referidos vícios?

MTS