27/03/2020

Jurisprudência 2019 (205)

 
Recurso;
conclusões; convite ao aperfeiçoamento
 
 
1. O sumário de 29/10/2019 (738/03.0TBSTR.E1.S3) é o seguinte:
 
I. Quando as Conclusões inscritas nas Alegações de Recurso (art. 639º, 1, CPC) apresentam irregularidades manifestas e censuráveis de acordo com o ónus processual da conclusão recursiva – nomeadamente, deficiência, obscuridade, complexidade e falta das especificações legais necessárias tendo em conta o exigido nos arts. 639º, 2, e 640º, 1 e 2, CPC –, o CPC, de acordo com o n.º 3 do art. 639º, oferece ao Relator do processo em sede de recurso o poder-dever de convidar o recorrente a sanar e/ou a corrigir as irregularidades detectadas e susceptíveis de afectarem a função delimitadora e identificadora das Conclusões.

II. Os Recorrentes, não se tendo determinado pelo que lhes é exigido no despacho de aperfeiçoamento, colocam-se na situação de não ver apreciado o objecto do seu recurso na parte afectada (logo, total ou parcialmente) pelo vício identificado, pois essa é a sanção cominada pelo art. 639º, 3, do CPC para a não apresentação tempestiva das novas Conclusões, reservando-se ulteriormente um juízo definitivo de ponderação ao tribunal.

III. A cominação gravosa do art. 639º, 3 (não conhecimento do objecto do recurso) será justificada se as circunstâncias concretas do comportamento processual quanto ao ónus recursivo revelarem um juízo de especial censura à parte inadimplente de acordo com os princípios processuais pertinentes para tal regime (a tutela da igualdade das partes, a protecção do exercício do contraditório, a cooperação e a boa fé processual assim como o princípio da auto-responsabilidade das partes). Nessas hipóteses de actuação intolerável em face da expressão desses princípios encontraremos situações extremas de afastamento do conhecimento do mérito do recurso.

IV. Esse juízo implica, por um lado, a apreciação do conteúdo das Conclusões não obstante o incumprimento ou o cumprimento defeituoso do convite ao aperfeiçoamento e, por outro, comporta saber se a conduta processual em face do convite ao aperfeiçoamento revela uma particular indiferença para com o comando legal em sede de ónus de alegação recursiva (apreciação da forma de cumprimento no exercício do meio de impugnação da decisão recorrida).

V. Se esta apreciação formal, concreta e referida aos princípios processuais aplicáveis, conduzir positivamente a uma imputação de censura à parte, funcionará o princípio da preclusão do exercício de direitos ou da satisfação de pretensões adjectivas, em particular quando inerente ao não cumprimento do ónus da prática de certos actos processuais dentro dos prazos (considerados) peremptórios ou resolutivos cominados por lei, também plasmado no art. 639º, 3, do CPC

VI. Resultando o despacho de convite ao aperfeiçoamento do cumprimento de injunção do STJ ao Relator do processo de recurso de apelação na Relação, depois de os Recorrentes terem pugnando por evitar o efeito cominatório de rejeição do recurso de apelação com o fundamento na falta de conclusões com a prolação de despacho de aperfeiçoamento das conclusões, incidia sobre as partes recorrentes uma diligência particularmente qualificada no cumprimento do despacho de convite ao aperfeiçoamento à luz da cooperação (e, complementarmente, da boa fé) processual e da auto-responsabilidade dos Recorrentes no processo. Não só no conteúdo da peça – no que toca,
maxime, ao ponto decisivo da capacidade de síntese nas Conclusões a reformular –, mas também no preenchimento formalmente rigoroso do art. 639º, 3, do CPC, desde logo do seu prazo resolutivo. Neste se demonstraria o cumprimento minimamente diligente da resposta de aperfeiçoamento das Conclusões no âmbito do procedimento impugnatório.

VII. Quando as partes recorrentes apresentam nesse circunstancialismo processual a peça de aperfeiçoamento fora do prazo peremptório imposto pelo art. 639º, 3 CPC, não se comportam processualmente com esse mínimo de diligência e essa extemporaneidade por omissão justifica, numa situação extrema de aplicação da sanção do art. 639º, 3, CPC, a preclusão do conhecimento do mérito do recurso.

VIII. É admissível revista do acórdão da Relação que se abstém de apreciar o mérito da apelação com fundamento na intempestividade do cumprimento do despacho de convite ao aperfeiçoamento para apresentação de novas conclusões, previsto e cominado no art. 639º, 3, do CPC com a rejeição do recurso, uma vez configurar-se decisão final da Relação que põe «termo ao processo» por razões de natureza adjectiva (art. 671º, 1, CPC).
 
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

3.1.2. O convite a que se refere o art. 639º, 3, do CPC é feito uma só vez. Está na livre disponibilidade da parte recorrente responder com plenitude ao despacho do juiz Relator, atendendo às irregularidades expressas para sanação nesse despacho. Assim, sujeita-se a parte recorrente, que não o acatar ou o cumprir defeituosamente ou fora de tempo, à consequência do incumprimento [...] – não conhecimento do recurso na parte afectada (logo, total ou parcialmente) pelo vício identificado [...]. 

No entanto, deve considerar-se que essa é uma cominação processual a extrair in extremis se a apreciação recursiva for de todo comprometida com o incumprimento, mesmo que, não tendo usado da faculdade de apresentar novas conclusões, ocorra prejuízo para o intuito de a parte recorrente inverter a decisão recorrida [...]. Em particular, a falta de menção das normas violadas e/ou do sentido em que deveriam ser interpretadas as normas que serviram de fundamento à decisão não é em absoluto insuprível: a sua presença não terá um efeito de revelação do direito ao juiz, desde que o restante conteúdo (mesmo que imperfeito e lacunoso) das conclusões ainda permita a cognição do tribunal ad quem dentro de um certo objecto; a sua omissão ou incompletude ou obscuridade, em desconformidade com os ónus centrais da peça recursiva, prejudicará o resultado pretendido e sibi imputet [...]. Por outro lado, a falta de resposta ao convite ao aperfeiçoamento ou a resposta não sanante dos vícios identificados deve dar origem à rejeição de todo o objecto do recurso, nos termos do art. 639º, 3, CPC, se o julgador estiver em condições de fazer equivaler as conclusões manifestamente irregulares (que motivaram o convite ao aperfeiçoamento) a total omissão de conclusões – o que associaria tal efeito letal à sanção decorrente da aplicação do art. 641º, 2, b), do CPC. [Nestes sentidos, v., muito recentemente e com o mesmo Relator do presente recurso, o Ac. do STJ de 11/7/2019, processo n.º 334/16.2T8CMN-G-G1.S1]

Não sendo de extrair automaticamente o efeito gravoso da rejeição /não conhecimento do objecto do recurso pelo relator ou colectivo do tribunal ad quem na circunstância de resposta insuficiente ou inexistente [Neste sentido, ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 640º, págs. 153, 160 [...]], tal efeito não está excluído, sob pena de desvirtuamento da própria ratio legis do art. 639º, 3 [...]. De facto, uma vez recebida, ou não, a resposta do recorrente, ou recebida fora de prazo, “o relator deve ponderar de novo, dentro do seu prudente critério e com recurso aos princípios gerais do processo civil, qual a solução que mais se ajusta à concreta situação” – como enfatiza ABRANTES GERALDES [Recursos… cit., sub art. 639º, pág. 160]. E a cominação gravosa do art. 639º, 3, será justificada se as circunstâncias concretas do comportamento processual quanto ao ónus recursivo revelarem como inevitável decretar um juízo de especial censura à parte inadimplente à luz dos princípios processuais mais pertinentes para tal regime (a tutela da igualdade das partes, a protecção do exercício do contraditório, a cooperação e a boa fé processual assim como o princípio da auto-responsabilidade das partes). Nessa hipótese de actuação intolerável em face da expressão desses princípios, individual ou coligadamente analisados em concreto, poderemos estar nas referidas situações extremas de afastamento do conhecimento do mérito do recurso.

Não se tratará apenas de saber se e como deve ser conhecido o recurso em face das insuficiências, deficiências, obscuridades e omissões das Conclusões, para o fim de o julgador apreender de forma clara, inteligível e concludente o tema recursivo, mesmo que, ainda que em prejuízo do resultado pretendido pela parte, o faça por dedução ou simples percepção das questões de facto ou de direito que o recorrente suscita e que cabe ao tribunal superior solucionar – apreciação do conteúdo das Conclusões não obstante o incumprimento ou o cumprimento defeituoso do convite ao aperfeiçoamento. Trata-se, antes disso e previsivelmente a montante de chegarmos ao conteúdo da peça (até porque pode não haver peça), de saber se a conduta processual em face do convite ao aperfeiçoamento revela uma particular indiferença para com o comando legal em sede de ónus de alegação recursiva – apreciação da forma de cumprimento no exercício do meio de impugnação da decisão recorrida. Se esta apreciação, concreta e referida aos princípios aplicáveis, conduzir positivamente a uma imputação de censura à parte, então estaremos em condições de fazer funcionar o princípio da preclusão do exercício de direitos ou da satisfação de pretensões adjectivas, em particular quando inerente ao não cumprimento do ónus da prática de certos actos processuais dentro dos prazos (considerados) peremptórios ou resolutivos cominados por lei [V. FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume I, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, págs. 97 e ss. em esp. 100, onde se refere expressamente como situação de preclusão o não acatamento do despacho de aperfeiçoamento das conclusões nos termos do art. 639º, cuja omissão conduz à rejeição/indeferimento do recurso.], também plasmado, por isso, no art. 639º, 3, do CPC.

Para este efeito, note-se, o facto de o art. 639º, 3, do CPC impor um prazo peremptório ou resolutivo – 5 dias – faz com que se aplique o art. 139º, 3, do CPC: «O decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o acto». O que significa que, extinto o direito, não deve ser considerada a peça apresentada e a conduta da parte recorrente equipara-se pura e simplesmente ao incumprimento do despacho judicial, como se tivesse omitido a resposta ao convite, colocando-se igualmente na situação de não ver apreciado o objecto do seu recurso em função do juízo definitivo do julgado."
 
[MTS]