07/04/2020

Jurisprudência 2019 (212)


Contrato de arrendamento;
fiador; título executivo*

1. O sumário de RL 7/11/2020 (1866/17.0T8ALM-A.L1-6) é o seguinte: 

O título executivo para ação executiva de pagamento de rendas de um contrato de arrendamento, constituído pelo contrato de arrendamento e pela comunicação da quantia em dívida ao arrendatário, é também título executivo contra os fiadores, sem que seja necessário comunicar-lhes previamente o montante em dívida como acontece com o arrendatário. 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Do requerimento executivo e dos factos provados resulta que a exequente intentou acção executiva para obter o pagamento das rendas não pagas pelo executado arrendatário, indemnização e juros, reclamando a quantia exequenda também dos fiadores ora embargantes, tendo juntado o contrato de arrendamento, a notificação do locatário com a comunicação do valor em dívida e o envio de uma carta dirigida aos fiadores embargantes, que estes não receberam e que foi endereçada a uma morada onde estes não residiam e que não era a morada convencionada no contrato de arrendamento.

O artigo 703º nº1 do CPC enumera os documentos que pode ser título executivo, prevendo, na sua alínea d), que poderão ainda ser título executivo os documentos a que seja atribuída tal qualidade por lei especial.

Está nessa situação o artigo 14º-A nº1 do NRAU (Lei 6/2006 de 27/2), com a alteração da Lei 13/2019 de 12/2, o qual estabelece que: “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente ás rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”.
No presente caso, a exequente intentando a acção executiva não só contra o arrendatário, mas também contra os fiadores, juntou o contrato de arrendamento e a comunicação ao arrendatário do montante em dívida, o que não fez relativamente aos fiadores, pois a comunicação que lhes dirigiu não foi por estes recepcionada por motivo que não lhes é imputável (artigo 224º nº2 a contrario). Levanta-se então a questão de saber se o contrato de arrendamento e comunicação da dívida ao arrendatário, que constituem título executivo em relação a este, constituem igualmente título executivo em relação aos fiadores.

Se é certo que existe jurisprudência que, apesar de a lei não o exigir expressamente, entende ser necessário que o exequente proceda à comunicação da dívida aos fiadores, nos mesmos termos em que tal comunicação é exigida em relação ao arrendatário (nesse sentido acs STJ 26/11/2014, P. 1442/12, RP 24/04/2014, p. 869/13, com voto de vencido e 21/05/2012, p. 7557/10 e ac RL 13/11/2014, p. 7211/13, em que a ora 1ª adjunta interveio também como adjunta, todos em www.dgsi.pt), esta jurisprudência está longe de ser unânime, como se afirma na sentença recorrida, existindo vasta jurisprudência em sentido contrário, ou seja, de que não é necessária a prévia notificação dos fiadores, entendimento que se perfilha (cfr ac. RL 17/03/2016, p. 16777/13, relatado pela ora relatora, com um voto de vencido e, no mesmo sentido, acs RL 14/03/2019, p. 4957/18, 27/10/2016, p. 4960/10, 10/11/2016, P. 4633/08, 22/10/2015, p. 4156/13 e decisão individual RL de 12/12/2008, p. 10790/2008 e acs RP 21/03/2013, p. 8676/09, 18/10/2011, p. 8436/09, 4/05/2010, p. 3913/08, 6/10/2009, p. 2789/09, 23/06/2009, p. 2378/07, 12/05/2009, p. 1358/07, todos em www.dgsi.pt).

Assim, nos termos do artigo 627º do CC, “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”, sendo esta obrigação dos fiadores uma obrigação com prazo certo, que dispensa interpelação, conforme disposto no artigo 805º nº 2 a) do mesmo código, pelo que, estabelecendo ainda o artigo 634º que “a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor”, não há qualquer relevância na comunicação prévia da dívida ao fiador, que já está obrigado pela mora do devedor principal, o arrendatário.

Já a prévia comunicação ao arrendatário, apesar de a sua obrigação ter igualmente prazo certo, justifica-se face à clarificação da liquidação do montante em dívida e, nos casos em que não haja ainda cessação do contrato, face às consequências que poderão vir a resultar do não pagamento da renda, mais gravosas para o arrendatário e às vantagens que este sempre terá se puser termo à mora.

Ora, não exigindo a lei expressamente a necessidade da comunicação prévia dos fiadores na formação do título executivo e presumindo-se, ao abrigo do artigo 9º nº3 do CC, que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, não se concebe que não tenha sido intenção do legislador a possibilidade de executar o fiador juntamente com o devedor principal, apesar de não considerar necessária a sua prévia notificação prévia, à semelhança do que sucede com este.

*3. [Comentário] O acórdão tem um voto de vencida nos seguintes termos:

"Voto Vencida pelas razões expostas no acórdão proferido no Processo em que fui 1.ª adjunta, referido supra.

Assim como o mandatário tem o direito a saber, na comunicação do senhorio, como foi liquidada a obrigação exequenda, também o fiador tem esse direito, até porque pode querer pagar a quantia em divida sem que lhe seja instaurada a execução."

Também se adere a esta posição. Não tanto, todavia, porque o fiador deva ter conhecimento prévio da execução (se assim fosse, seria difícil aceitar a forma sumária da execução para o pagamento de quantia certa que se encontra estabelecida no art. 550.º, n.º 2, al. d), CPC), mas antes por um argumento a fortiori: se a comunicação tem de ser realizada ao arrendatário (parte contratante), então, por maioria de razão, tem de ser feita ao fiador.

MTS