28/04/2020

Jurisprudência 2019 (227)


Processo executivo;
embargos de executado; prestação de caução

 
1. O sumário de RC 5/11/2019 (3141/18.4T8PBL-B.C1) é o seguinte:

I – Como se sabe, o fim da ação executiva é o de conseguir para o credor a mesma prestação, o mesmo benefício que lhe traria o cumprimento voluntário da obrigação por parte do devedor e, como este não pode ser compelido por aquele a realizar os actos necessários à satisfação do vínculo obrigacional, torna-se necessário, quando o devedor não cumpre, que a obrigação se torne efetiva, pelo valor que representa no seu património.

II - O art.º 623º, n.º 3, do Código Civil atribui ao tribunal a função de apreciar a idoneidade da caução, sempre que não haja acordo entre os interessados, não prevendo, todavia, qualquer critério pelo qual haja de ser aferido esse juízo de idoneidade.

III - A caução constitui uma garantia especial das obrigações, visa satisfazer o interesse do credor. Embora a lei não estabelece qualquer critério para avaliação da idoneidade da caução mas, atendendo à sua finalidade, há que fazer coincidir a idoneidade com a segurança da sua suficiência para satisfazer a obrigação que ela cauciona.

IV - À prestação de caução, enquanto garantia especial das obrigações, são associadas finalidades como a de prevenir o incumprimento de obrigações que possam vir a ser assumidas por quem exerce determinadas funções, como requisito de exercício de um determinado direito, ou para afastar o direito de outra parte.

V – E, por sua vez, à prestação de caução como condição para a suspensão da execução, como efeito dos embargos de executado à mesma deduzida, a jurisprudência tem-lhe atribuído finalidades específicas que vão além da garantia de pagamento da quantia exequenda, e que visam colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da ação executiva, obviando a que, por virtude de tal demora, o embargante-executado possa empreender manobras que delapidem o património durante o tempo da suspensão.

VI - Atento o regime instituído pela Lei n.º 41/2013, de 26.6, verifica-se que, perante a garantia da penhora, o executado que se oponha à execução poderá substituir a penhora por caução idónea, afastando a cumulação de penhora suficiente e caução (cf. os art.ºs 751º, n.º 7 e 856º, n.º 5, ambos do nCPC).

VII - Existindo garantia real anterior, nem sempre será necessário prestar uma nova e distinta caução e, muito menos, que o deva ser pela totalidade do crédito exequendo, porquanto não se justificará tal duplicação e sobrecarga para o executado (a garantia será idónea para o efeito de suspender a execução quando o valor do bem sobre que recai a garantia é suficiente para cobrir o crédito exequendo e os demais acréscimos e danos que resultem dessa suspensão).

VIII - A nova caução já será necessária, no entanto, em caso de insuficiência do valor do bem dado em garantia, se este nada cobre para além do crédito exequendo.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

Tem-se discutido se, existindo garantia anterior – constituída antes do processo ou através da própria penhora já efectuada nos autos – ela poderá ser suficiente para suspender a execução, defendendo-se, na jurisprudência, de um lado, que a suspensão da execução, em consequência da dedução de oposição à execução, impõe sempre a prestação de caução e que a prestação de caução através de hipoteca já constituída anteriormente no processo para garantia de pagamento da quantia exequenda e que incide sobre o bem penhorado no mesmo processo não se prefigura como idónea, na medida em que a requerente não oferece qualquer garantia que a requerida já não tenha – ou seja, verdadeiramente nada oferece como caução, pois, constituindo a caução uma garantia especial das obrigações, da sua prestação teria de resultar um reforço da segurança do credor em relação à garantia geral que é dada pelo património do devedor ou por alguma garantia especial de que ele já beneficie (cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos da Relação do Porto de 02.4.2009, proc.º n.º 2239/07.9TBOVR-B.P1 e 28.4.2011-proc.º n.º 8176/09.5YYPRT-B.P1 e da Relação de Lisboa de 04.02.2010, proc.º n.º 33943/06.8YYLSB-8, publicados no “site” da dgsi.) e, de outro lado (em sentido contrário), que “a hipoteca, mesmo que anteriormente constituída, não é abstractamente inidónea para servir como caução - ela é idónea para o efeito de suspender a execução quando o valor do bem sobre que recai a garantia é suficiente para cobrir o crédito exequendo e os demais acréscimos e danos que resultem dessa suspensão” (cfr. os acórdãos da Relação do Porto de 31.10.2013, proc.º n.º 5025/12.0YYPRT-B.P1 e da RC de 05.5.2015-processo 505/13.3TBMMV-B.C1, publicados no “site” da dgsi).

Atento o regime instituído pela Lei n.º 41/2013, de 26.6, verifica-se que, perante a garantia da penhora, o executado que se oponha à execução poderá substituir a penhora por caução idónea, afastando a cumulação de penhora suficiente e caução (cf. os art.ºs 751º, n.º 7 e 856º, n.º 5).

Acolhendo, assim, segundo se perspectiva, a mesma solução se impõe quanto às garantias constituídas antes do processo; havendo garantia constituída, a caução só se justifica pela diferença presumível, eventualmente existente, entre o seu valor (do bem dado em garantia) e o do crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que, em estimativa, se preveja que venham a vencer em resultado da paragem do processo executivo (cfr. entre outros, J. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 327 e J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 6ª edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 224 e seguintes, especialmente a nota (76)).

Assim, existindo garantia real anterior, nem sempre será necessário prestar uma nova e distinta caução e, muito menos, que o deva ser pela totalidade do crédito exequendo, porquanto não se justificará tal duplicação e sobrecarga para o executado (a garantia será idónea para o efeito de suspender a execução quando o valor do bem sobre que recai a garantia é suficiente para cobrir o crédito exequendo e os demais acréscimos e danos que resultem dessa suspensão). A nova caução já será necessária, no entanto, em caso de insuficiência do valor do bem dado em garantia, se este nada cobre para além do crédito exequendo. (cfr. os citados acórdãos da Relação do Porto de 31.10.2013, proc.º n.º 5025/12.0YYPRT-B.P1, relatado por Pinto de Almeida, da Relação de Coimbra de 05.5.2015, proc.º n.º 505/13.3TBMMV-B.C1, relatado por Manuel Capelo, da mesma Relação, de 17.01.2017, proc.º n.º 5211/15.1T8PBL-B.C1, relatado por Fonte Ramos e da Rel. de Évora de 6/11/ 2014 – proc.º n.º 53/14.4TBFAL-B.E1, relatado por Mata Ribeiro.

A particular função da caução prevista na al. a) do n.º 1 do artº 733º do CPC é de garantir o cumprimento da obrigação exequenda acautelando ou prevenindo os riscos que possam resultar da suspensão do processo executivo apresentando-se como requisitos essenciais, a sua prestação por meio adequado e que seja suficiente para assegurar a satisfação da obrigação exequenda, devendo por isso garantir o capital, bem como os juros vencidos e vincendos (v. Ac. do STJ de 04/03/2004 no processo 04B211 disponível in www.dgsi.pt).

Assim, não podemos deixar de advogar no sentido de estar com aqueles que não vêem objeção legal a que uma hipoteca já prestada a favor do exequente como garantia da obrigação exequenda possa ser oferecida e considerada idónea em ordem a servir como caução tendo em vista a suspensão da execução.

Pois, como se salienta no Ac. do Relação de Guimarães de 29/05/2008. Proc.º n.º 639/08, relatado por Manso Rainho “a garantia oferecida pela executada – a hipoteca que prestou a favor do exequente como garantia da obrigação ora exequenda – é legalmente idónea em ordem a servir como caução (v. artº 623º do CC). A única especialidade que se verifica no caso vertente é que, contrariamente ao que normalmente acontece, o devedor não vem oferecer a título de caução uma garantia até então inexistente (ou seja, não vem oferecer uma garantia a constituir ex novo), mas sim afetar a garantia especial preexistente (a hipoteca) aos fins (ou seja, como objeto) da caução. E isto parece-nos inteiramente legal, pois que o que está sempre em causa é que se mostre que o crédito exequendo é objeto de uma garantia idónea, e isto tanto se atinge mediante uma garantia de constituição ex novo como mediante a afetação de uma garantia preexistente.”

Também Lebre de Freitas parece perfilhar de tal posição quando afirma (in A Ação Executiva, 6ª edição, 2014, 225) que “havendo garantia constituída, a caução só se justifica pela diferença presumível, eventualmente existente, entre o seu valor e o do crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que, em estimativa, se preveja que venham a vencer em resultado da paragem do processo executivo”

O mesmo entendimento parece defender Rui Pinto quando refere “havendo penhora ou garantia real, a caução cobrirá apenas o eventual diferencial estimado entre o valor garantido pela penhora e o estimado, após a mora processual, se necessário reforçando ou substituindo a penhora nos termos do artº 818º n.º 2 in fine, não se duplicando as garantias na parte já coberta. Mas também por isso mesmo se não houver diferencial, pode ser dispensada a prestação de caução por já haver penhora ou garantia real suficientes mesmo para a mora processual” (in Manual da Execução e Despejo, 2013, 434-435).

Por sua vez Lopes do Rego também parece dispensar a constituição de uma nova garantia aceitando como caução a pré existente ao afirmar que “é evidente que, se, se tratar de execução de débito provido de garantia real que assegure integralmente aquele interesse do credor, não haverá (demonstrada tal circunstância no procedimento de prestação de caução) lugar à constituição de nova garantia, julgando-se, …“prestada” a caução através da mera subsistência da garantia real pré-existente (cfr. Comentário ao CPC, 1999, 543).

Na mesma linha de entendimento Remédio Marques salienta que só se impõe a prestação de caução se à data do pedido de suspensão ainda não tiver sido efetuada a penhora ou a dívida exequenda não se encontrar provida de garantia real cujo valor seja igual ou superior ao crédito exequendo (cfr.. Curso de Processo Executivo Comum, 2000, 163-164).

Da mesma opinião parece comungar F. Amâncio Ferreira quando refere “sendo função estrita da caução a mera garantia da dívida exequenda, e não também a de cobrir os prejuízos resultantes da demora no prosseguimento da ação executiva, não se torna necessária a prestação de caução se o crédito tiver garantia real (v.g., hipoteca) constituída anteriormente à ação executiva, ou se ulteriormente se efetuar penhora, desde que uma e outra garantam o crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que se vençam em consequência da paragem do processo”(cfr. Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., 196).” 
 
[MTS]