06/05/2020

Jurisprudência 2019 (232)



Procedimento de injunção;
honorários


1. O sumário de RL 11/12/2019 (7628/19.3YIPRT.L1-8) é o seguinte: 


I– Afastado está o recurso ao processo de injunção para obter um título executivo com vista à obtenção do cumprimento coercivo da obrigação pecuniária, no caso em que se peticiona o pagamento de honorários, cujo valor não foi acordado entre as partes, por tal não se compadecer com a celeridade e agilização do processo, como também resulta uma diminuição de garantias de defesa dos apelados (réus).

II– Tendo sido utilizado o processo de injunção verifica-se erro na forma de processo, erro este de conhecimento oficioso.

III– Este erro afasta/impede o aproveitamento de qualquer acto praticado, visto que a acção foi intentada através de formulário simplificado inadmissível em qualquer outra forma de processo, uma vez que a tramitação (injunção) não defende, nem acautela as garantias de defesa dos requeridos/apelados (réus), devendo os apelantes socorrer-se da acção declarativa comum.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Com esta demanda pretendem os apelantes/requerentes ser ressarcidos dos serviços jurídicos prestados aos apelados/requeridos, no âmbito da assessoria técnica relativa à aquisição de um imóvel urbano, cujo valor computam em € 12.500,00 e que não foi pago.

Para obtenção do valor peticionado socorreram-se do processo de injunção – DL 269/98 de 1/9 – preencheram o respectivo requerimento, nele mencionando os serviços prestados, a solicitação do pagamento dos honorários, alegando, in fine, “que os documentos indicados no articulado e que se destinam a fazer prova dos factos alegados … serão apresentados em audiência de discussão e julgamento, se for o caso”.

Na oposição deduzida os apelados não discutem a prestação de assessoria técnica, não se eximem ao pagamento dos honorários, referindo que o valor em dívida ainda se encontra por quantificar, impugnando o valor reclamado por o considerarem elevado e desfasado da realidade, tendo em conta os serviços prestados.

O regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do Tribunal da Relação ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidos pelo DL 32/03 de 17/2 (transposição para a ordem interna da Directiva nº 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29/6) visou agilizar e tornar mais célere a tramitação destas acções retirando-as da tramitação, mais complexa e sujeita a prazos mais longos do Código de Processo Civil, tendo o legislador denominado o procedimento de injunção, cuja regulação consta do DL 269/98 de 1/9.

Assim, a injunção é uma providência que confere força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00 ou das obrigações emergentes de transacções comerciais, abrangidos pelo DL 32/03, actualmente DL 62/2013 de 10/5, sem qualquer limite de valor.

A agilização e celeridade é patente na tramitação uma vez que na p.i o autor exporá sucintamente a sua pretensão e respectivos fundamentos, o réu é citado para contestar no prazo de 15 dias e a audiência de discussão e julgamento realiza-se no prazo de 30 dias, podendo haver lugar à suspensão de audiência para realização de diligência indispensável à boa decisão da causa – arts. 1, 3 e 4 cit. DL.

In casu, pretendem os apelantes o pagamento do dos honorários, no valor de € 12.500,00, não questionando os apelados o mandato em si, mas sim a inexistência de acordo quanto ao seu valor.

Não tendo nenhuma das partes referido tratar-se de transacção comercial (obrigação emergente de transacção comercial), já que a obrigação decorre do contrato de mandato, afastada está a aplicação dos DL 32/09/62/2013.

Ora, daqui se extrai, que o valor reclamado relativamente ao quantum dos honorários (obrigação pecuniária)) não está assente, não foi acordado entre as partes, nomeadamente a assunção da dívida no contrato de mandato celebrado, sendo certo que não foram juntos no requerimento inicial a nota de honorários, nem a factura correspondente (prestação de serviços), tendo os apelantes se reservado para os juntar (bem como os demais documentos) em sede de audiência de julgamento.

Estando em causa, não só o acordo quanto ao valor dos honorários, quiçá a necessidade de laudo da Ordem dos Advogados, ainda que o Tribunal pudesse suspender o julgamento para o solicitar, se assim o entendesse, e o facto de, só em audiência, os apelados serem confrontados com os documentos protestados juntar e sobre eles se pronunciar, a tramitação (injunção) não se compadece não só com a celeridade e agilização do processo, como também pode resultar uma diminuição de garantias de defesa dos apelados (réus).

Acresce, tal como mencionado, em 1ª instância, que a doutrina e a jurisprudência têm considerado que os honorários dos advogados não se reconduzem a uma prestação meramente pecuniária, defendendo que devem ser peticionados em acção declarativa comum.

Tendo em atenção o explanado supra, está bem de ver que a acção não se subsume aos requisitos exigidos no art. 1º e sgs. do DL 269/98, pelo que afastado está o recurso ao processo de injunção para obter um título executivo com vista à obtenção do cumprimento coercivo da obrigação pecuniária.

Acresce, que este erro afasta/impede o aproveitamento de qualquer acto praticado, visto que a acção foi intentada através de formulário simplificado inadmissível em qualquer outra forma de processo, uma vez que a tramitação (injunção) não defende, nem acautela as garantias de defesa dos requeridos/apelados (réus), devendo os apelantes socorrer-se da acção declarativa comum.

A questão da existência de erro na forma de processo é de conhecimento oficioso, tendo o tribunal convidado as partes a pronunciarem-se sobre a mesma, observando o princípio do contraditório de forma a evitar decisão surpresa – arts. 3/3 e 196 CPC.

Destarte, nada a apontar à decisão recorrida que, julgando verificado o erro na forma de processo, anulou o processo e absolveu os apelados da instância."

*3. [Comentário] Por razões que não são evidentes, a RL não sentiu a necessidade de se confrontar com a jurisprudência que aceita a aplicação do procedimento de injunção para a cobrança de honorários advocatícios (cf., por exemplo, RC 27/5/2015 (83525/14.3YIPRT.C1), que afirmou que "a jurisprudência é largamente maioritária no sentido de poder recorrer-se ao procedimento de injunção para obter o pagamento de honorários resultantes de mandato forense").

Outra coisa é saber se o requerente cumpriu os ónus de alegação impostos pelo regime do procedimento de injunção. Mas isto nada tem a ver com o erro na forma do processo.

MTS