15/05/2020

Jurisprudência 2019 (239)


Procedimento de injunção;
âmbito de aplicação; competência material*


1. O sumário de RG 5/12/2019 (17853/19.1YIPRT.G1) é o seguinte:

– Compete aos tribunais tributários apreciar litígios relativos a contratos celebrados entre uma empresa concessionária de serviço público de fornecimento de água ao domicílio e os respectivos utilizadores finais.

2. O acórdão tem o seguinte voto de vencido (Des. Carvalho Gonçalves):

Enquanto adjunto, assinei o acórdão do TRG no processo n.º 108429/17.2 YIPRT.GI, que está publicado no site xvww.dgsi.pt, onde a solução que fez vencimento numa situação muito similar é no sentido da atribuição da competência aos tribunais da jurisdição comum.
Tal como neste litígio, também no referido processo estava em causa saber "se uma empresa privada que gere um sistema de fornecimento de água e saneamento, mediante contrato de concessão celebrado com a entidade que os municípios abrangidos e o Estado, reunidos em parceria pública, constituíram para a exploração conjunta desse serviço na sua área territorial, deve recorrer aos tribunais administrativos ou antes nos tribunais judiciais ou comuns para obter o pagamento do valor das facturas desse serviço prestado a um particular".
 
Mantenho o mesmo entendimento, pelas razões de índole jurídica aduzidas nesse acórdão (relatado por Fernanda Proença), para o qual remeto por brevidade.

O litígio respeita a uma relação jurídica privada, pois não envolve a discussão da natureza, âmbito e validade da concessão (relação jurídica administrativa), mas tão só o incumprimento pelo réu dos serviços fomecidos pelo requerente de água e saneamento constantes das faturas juntas com a injunção.

Os concessionários de serviços públicos "atuam, em regra, segundo as normas de direito privado no exercício da sua capacidade de direito civil" (cfr. Fernandes Cadilha, "Dicionário de Contencioso Administrativo", Almedina, dezembro de 2006, págs. 657/658), como é o caso da recorrente.

A circunstância dos serviços de água e saneamento terem passado a ser geridos por uma entidade privada não perde a sua natureza pública, mas o concessionário assumiu a gestão privada do serviço por sua conta e risco, "é um empresário, e essa é a principal razão pela qual tem de gozar de ampla autonomia no exercício dos poderes concedidos para a gestão" (Marcelo Caetano, Manuel de Direito Administrativo, II, pág 1 100).

Pelo exposto, daria provimento ao recurso."

*3. [Comentário] a) Adere-se à posição defendida na declaração de voto.

Note-se que em parte alguma do art. 1.º DL 269/98, de 1/9, se exige que o contrato do qual emerge a obrigação pecuniária seja um contrato de direito privado. O que interessa é que seja um contrato do qual resulte uma obrigação pecuniária.

Pode ainda referir-se que o art. 10.º, n.º 1, DL 62/2013, de 10/5, permite o recurso à injunção no caso de atraso de pagamento de transacções comerciais e que o art. 5.º DL 62/2013 mostra que essas transacções podem ocorrer entre empresas e uma entidade pública. Da remissão que consta do art. 3.º, al. c), DL 62/2013, resulta que esta entidade publica pode ser, entre muitas outras, o Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias locais, os institutos públicos e as entidades administrativas independentes.

Perante isto é claro que, se uma empresa pode utilizar o procedimento de injunção contra o Estado, então nada pode impedir que uma empresa concessionária seja requerente de uma injunção. Se não há nenhum obstáculo à participação de entidades públicas no procedimento de injunção, muito menos o pode haver quanto a empresas concessionárias.

b) O sumário é da responsabilidade do Relator. Nele não se pretendia certamente referir os "tribunais tributários", mas antes os "tribunais administrativos".

MTS