11/06/2020

Jurisprudência 2020 (7)


Divisão de coisa comum;
propriedade horizontal; constituição


1. O sumário de RE 16/1/2020 (783/18.1T8TMR.E1) é o seguinte:

I – No âmbito da ação de divisão de coisa comum, a divisão pode ser efetuada mediante a constituição da propriedade horizontal;

II - A constituição da propriedade horizontal por decisão em ação de divisão de coisa comum exige a apresentação de requerimento, nesse sentido, por qualquer dos consortes, o que impede o tribunal de proceder oficiosamente a tal constituição;

III - Se a constituição da propriedade horizontal não foi requerida perante a 1.ª instância, que sobre tal questão se não pronunciou, e não se tratando de questão de conhecimento oficioso, não pode ser arguida no recurso de apelação, que visa reapreciar a decisão impugnada e não criar decisões sobre matéria nova. (sumário da relatora).

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

Pretende o autor, com a presente ação, pôr termo à indivisão do prédio misto a que alude o ponto 1 de 2.1. – sito em Vale Donas, inscrito na matriz urbana sob o artigo 3763 e na matriz rústica sob o artigo 138.º-H da União de Freguesias de São João Batista e Santa Maria dos Olivais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o n.º 1708/19160502 –, o qual considera indivisível, requerendo se proceda à respetiva adjudicação ou venda.

A decisão recorrida declarou a indivisibilidade em substância do prédio e fixou as quotas dos respetivos comproprietários, autor e ré, em ½ cada um, tendo determinado o prosseguimento dos autos com a oportuna realização de conferência de interessados.

Discordando de tal decisão, sustenta a ré apelante que nada obsta à divisão em substância do prédio comum, alegando que o mesmo é constituído por dois pisos para habitação e logradouro, sendo suscetível de ser dividido em duas frações autónomas através do recurso ao regime da propriedade horizontal, pedindo se revogue a decisão recorrida e se julgue improcedente a ação.

Vejamos se lhe assiste razão.

O artigo 1412.º, n.º 1, do Código Civil, confere ao comproprietário o direito a pôr termo à indivisão de coisa comum, dispondo que “nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando houver convencionado que a coisa se conserve indivisa”.

Não vem posta em causa na apelação a situação de compropriedade do bem imóvel em causa, do qual são titulares autor e ré, pelo que, não se encontrando assente a existência de qualquer cláusula de indivisão, assiste ao autor, atenta a sua qualidade de comproprietário do bem e a vontade, que manifestou na petição inicial, de não permanecer na indivisão, o direito a pôr termo à indivisão da coisa comum.

Na petição inicial, o autor sustentou a indivisibilidade do prédio comum e requereu se procedesse à respetiva adjudicação ou venda; a ré, por seu turno, na contestação apresentada, deduziu oposição à indivisibilidade do prédio, não sustentando, porém, a respetiva divisibilidade, nem requerendo a constituição da propriedade horizontal, antes de pronunciando no sentido da improcedência da ação.

Consiste a divisibilidade, nas palavras de Luís Filipe Pires de Sousa (Acções especiais de divisão de coisa comum e de prestação de contas, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 31), na possibilidade de fracionamento da coisa sem que as partes daí provenientes percam a essência da coisa dividida, diminuam o seu valor ou vejam alterada a sua função económico-social.

É certo que, no âmbito da ação de divisão de coisa comum, a divisão pode ser efetuada mediante a constituição da propriedade horizontal, conforme decorre do disposto no artigo 1417.º, n.º 1, do Código Civil, ao incluir nas formas de constituição da propriedade horizontal a decisão judicial proferida em ação de divisão de coisa comum.

Porém, a constituição da propriedade horizontal por decisão em ação de divisão de coisa comum exige a apresentação de requerimento, nesse sentido, por qualquer dos consortes, conforme dispõe o n.º 2 do citado artigo 1417.º, o que impede o tribunal de proceder oficiosamente a tal constituição [cf. entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13-04-2010 (relator: Sousa Leite), proferido na revista n.º 1147/06.5TBVVD.G1.S1 - 6.ª Secção (cujo sumário se encontra publicado em www.stj.pt), e de 15-11-2012 (relator: Abrantes Geraldes), proferido na revista n.º 261/09.0TBCHV.P1.S1 - 2.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt)].

No caso presente, não foi requerida por qualquer das partes a constituição da propriedade horizontal, conforme decorre da análise da petição inicial e da contestação apresentadas, pelo que tal questão não foi apreciada pela 1.ª instância. Só em sede de apelação invocou a ré a divisibilidade do prédio através da constituição da propriedade horizontal, a qual, porém, não requerera anteriormente, nem requereu nas alegações de recurso, as quais termina peticionando a improcedência da ação de divisão de coisa comum.

Acresce que a constituição da propriedade horizontal por decisão judicial sempre dependerá, além de requerimento de qualquer das partes, da verificação dos requisitos exigidos pelo artigo 1415.º daquele código, conforme expressamente dispõe o n.º 2 do citado artigo 1417.º, questão que igualmente não foi submetida à apreciação da 1.ª instância, que dela não tomou conhecimento.

Se a constituição da propriedade horizontal não foi requerida perante a 1.ª instância, que sobre tal questão se não pronunciou, e não se tratando de questão de conhecimento oficioso, não pode ser arguida no recurso de apelação, que visa reapreciar a decisão impugnada e não criar decisões sobre matéria nova.

Como tal, atenta a novidade da indicada questão, a qual não é de conhecimento oficioso, não será a mesma apreciada.

Sempre se dirá, porém, que, não tendo sido requerida por qualquer dos consortes, a constituição da propriedade horizontal por decisão judicial se encontra vedada ao tribunal, nos termos supra expostos."

MTS