09/07/2020

Jurisprudência 2020 (27)


Audiência prévia; dispensa;
nulidade da decisão*


1. O sumário de RG 30/1/2020 (3834/18.6T8GMR.G1) é o seguinte:


 A audiência prévia não pode ser dispensada quando o Juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.

II – A não convocação da mesma, influindo no exame ou decisão da causa, configura uma nulidade processual, que inquina a própria decisão proferida (saneador sentença) e que pode ser arguida em sede de recurso a interpor da mesma.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Neste caso, a omissão da audiência prévia que se destinaria a proporcionar às partes a discussão de facto e de direito em virtude de o juiz tencionar conhecer imediatamente do mérito da causa, determina a nulidade da sentença que apreciou do mérito, sentença essa que constitui uma verdadeira decisão-surpresa, pois sobre a mesma não foram ouvidas as partes, não lhes foi dada oportunidade de se pronunciarem.

É certo que a Sra. Juíza, por despacho anterior, havia decidido ouvir os autores sobre as exceções invocadas na contestação, tendo-lhes concedido prazo para o efeito e admitido a sua pronúncia por escrito, o que estes fizeram, juntando articulado de resposta àquelas exceções.

Contudo, não é disso que se trata, aqui. O que está em causa, é que a Sra. Juíza, ao não convocar a audiência prévia, não deu a conhecer às partes que poderia vir a conhecer do mérito imediatamente, facultando-lhes a discussão de facto e de direito que entendessem oportuna, a esse respeito, tal como determina o artigo 591.º, n.º 1, alínea b) do CPC.

Conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e outro, na obra citada, pág. 687 “É de toda a conveniência que o juiz não decida aspetos materiais do litígio sem um debate prévio no qual os advogados das partes tenham a oportunidade de produzir alegações orais acerca do mérito da causa”. Está em jogo o respeito pelo princípio do contraditório, garantindo às partes pronúncia sobre as questões que o juiz irá decidir numa fase intermédia do processo, de modo a evitar decisões-surpresa – artigo 3.º, n.º 3 do CPC.

Ou seja, sempre que o juiz entenda que está já na posse de todos os elementos que lhe permitam conhecer do mérito da causa no despacho saneador, deve convocar audiência prévia para os efeitos do artigo 591.º, n.º 1, alínea b) do CPC. “Daqui resulta com total clareza o propósito legislativo, no sentido de que as ações declarativas não incluídas na previsão do artigo 597.º não podem terminar com decisão de mérito no despacho saneador sem que o mesmo seja proferido no contexto da realização de uma audiência prévia” – Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e outro, obra citada, pág. 691.

Este vem sendo, aliás, o entendimento da generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais - além de outros, vd. os Acs. do TRP de 27-09-2017 no processo 136/16.6T8MAI-A.P1, do TRL de 19/10/2017 no processo 155421-14.5YIPRT.L1-8, do TRP de 24/09/2015 no processo 128/14.0T8PVZ.P1, do TRL de 08/02/2018 no processo 3054/17.7T8LSB-A.L1-6, do TRL de 05/05/2015 no processo 1386/13.2TBALQ.L1-7, do TRE de 30/06/2016 no processo 309/15.9T8PTG-A.E1, todos disponíveis in www.dgsi.pt -, citados no Acórdão deste Tribunal da Relação, de 17/01/2019, processo n.º 4833/15.5T8GMR-A.G3 (José Cravo), e, ainda os Acórdãos desta Relação de Guimarães de 01/03/2018 (Eugénia Cunha), de 10/07/2018 (António Sobrinho) e de 06/12/2018 (Eva Almeida).

Assim, a preterição da audiência prévia, formalidade processual que se reputa de essencial, gera para além de nulidade processual a nulidade do saneador-sentença e implica a anulação do processado a fim da tramitação processual regressar ao momento anterior ao despacho que dispensou a realização da audiência prévia, de forma a possibilitar a efectiva audição das partes em sede de audiência prévia, devendo no despacho que a designar esclarecer, em concreto, os fins a que se destina."

*3. [Comentário] O acórdão qualifica como nulidade processual e como nulidade da sentença a dispensa indevida da audiência prévia. Correcto seria entender que só há uma nulidade da sentença (cf., por exemplo, Jurisprudência 2019 (242)).

MTS