29/07/2020

Jurisprudência 2020 (41)


Intervenção principal;
direito de regresso; intervenção acessória


1. O sumário de RG 27/2/2020 (1904/19.2T8VCT-A.G1) é o seguinte:

I- Têm legitimidade para intervir a título principal todos aqueles que, apesar de não estarem desde o início no processo, são também titulares da relação material controvertida, pelo que podem litisconsorciar-se com o autor ou com o réu, nos termos dos arts. 32.º, 33.º e 34.º do CPC (art. 311º do CPC).

II- O incidente intervenção acessória (provocada) tem por finalidade permitir que possa intervir no processo como auxiliar, a chamamento do réu, um terceiro - com base na invocação contra ele de um possível direito de regresso, que permitirá ao réu-chamante ressarcir-se do prejuízo que lhe cause a perda da demanda -, que embora careça de legitimidade para intervir como parte principal, tenha um interesse reflexo ou indireto na decisão da causa (art. 321º do CPC).

III - No seguro de responsabilidade civil facultativo os n.ºs 2 e 3 do art. 140º do Dec. Lei n.º 72/2008, de 16/04, concedem ao lesado o direito de demandar diretamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado, nas duas situações excecionais aí mencionadas:

a) - quando tal se encontre expressamente previsto no contrato de seguro;

b) - quando o segurado tenha informado o lesado da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações directas entre o lesado e o segurador.

IV- Não se verificando qualquer das referidas situações excecionais, a intervenção da seguradora, provocada pelo demandado/segurado, só pode ocorrer acessoriamente, enquanto titular de mera relação jurídica conexa com a relação material controvertida que fundamenta a ação e que lhe confere o direito de regresso.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

[...] o apelante alegou, na contestação, ter celebrado dois contratos de seguro, nos termos dos quais transferiu para a seguradora a responsabilidade civil em que possa incorrer em consequência de atos, omissões e erros imputados aos promotores por si designados, sendo que, por efeito dos aludidos contratos de seguro e no caso de procedência da acção, terá um direito de regresso contra a seguradora atinente aos valores que tenha de pagar às Autoras na presente ação, sob a pressuposição de que tais valores estarão abrangidos no âmbito da cobertura dos mencionados seguros.

Todavia, não resulta dos autos – tal não foi alegado, nem se mostra documentalmente provado –, que nos referidos contratos de seguro (facultativos) tenha sido expressamente prevista a atribuição ao lesado do direito de exigir diretamente à chamada seguradora a prestação contratual, de acordo com o n.º 2 do art.º 140.º da L.C.S., ou seja, que a constitua como garante directa da sua responsabilidade perante as Autoras, e nem a situação figurada no n.º 3 – a informação às Autoras sobre a existência do seguros e o consequente início das negociações diretas entre as alegadas lesadas (Autoras) e a seguradora.

A relação jurídica (causa de pedir), tal como se mostra delineada pelas autoras, desenvolveu-se entre elas e a ora apelante (alegada lesante), bem como com os demais réus, pelo que a seguradora não é titular de uma relação jurídica própria ou paralela à do réu, nem pode assumir o estatuto de parte principal na lide; a intervenção da seguradora só pode ocorrer acessoriamente, na veste de titular de uma relação jurídica conexa com aquela, a qual lhe confere o direito de regresso, não configurando uma situação de litisconsórcio voluntário passivo (...).

Acresce que, refutando os argumentos que servem de fundamento à apelação interposto, impõe-se especificar que:

1º - Nos contratos de seguro de caráter facultativo, a seguradora só possui legitimidade para ser demandada como parte principal no processo nas concretas situações, excepcionais, consagradas nos nºs 2 e 3 do art. 140º da LCS, ou seja, quando o contrato de seguro prever o direito de o lesado demandar directamente o segurador ou quando o segurado tenha informado o lesado da existência de um contrato de seguro e se tenham iniciado as negociações directas entre ele, lesado, e o segurador; nas restantes situações em que este seja demandado, ocorrerá ilegitimidade passiva do segurador, pois que não é parte na relação material controvertida [mas apenas sujeito passivo de uma relação jurídica (contrato de seguro) conexa com aquela)] (...).

2º - Inexiste interesse litisconsorcial necessário ou voluntário entre o réu/lesante e a sua seguradora, não podendo esta ser demandada como parte principal, nem podendo ser admitido o incidente de intervenção principal provocada, dando origem a uma situação de litisconsórcio sucessivo, apenas se justificando a intervenção acessória dessa seguradora, como auxiliar do réu/lesante, com vista a uma futura acção de regresso contra a mesma, e por forma a ser indemnizado pelos prejuízos que venha a sofrer com a perda da demanda.

A existência de contrato de seguro (facultativo) celebrado pela ré com a seguradora não tem a virtualidade de transmutar esta em titular da relação material controvertida, apenas lhe conferindo um interesse processual acessório/secundário no litígio em apreço (...).

Fica, assim, afastado o entendimento de que o terceiro lesado teria sempre a possibilidade de demandar o lesante e a sua seguradora em litisconsórcio voluntário nos termos do art. 32.º do CPC.

3º - Perante o terceiro lesado, a seguradora, em face do contrato de seguro, não se apresenta como condevedora nem como principal devedora, muito menos a título de obrigação solidária (...).

A solidariedade, nos termos do art. 513º, CC, só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.

A recorrente não alegou, nem documentalmente provou, a estipulação nos contratos de seguro da faculdade de o terceiro lesado poder demandar diretamente a seguradora e/ou a obrigação de esta pagar a indemnização diretamente àquele.

4º - Não tem aqui aplicação a norma do art. 497º do CC, uma vez que tal regra, ao referir como várias as pessoas responsáveis pelos danos, manifestamente se refere às causadoras, por acção ou omissão, do evento lesivo ou às detentoras e beneficiárias da fonte do dano e como tal por ele chamadas a responder, e não às que, como as seguradoras, só indirectamente respondem, em termos reflexos e em função do contrato (...).

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Impõe-se, pois, concluir que decidiu com acerto o Tribunal “a quo” ao julgar não verificados os pressupostos da intervenção principal provocada da seguradora, convolando o incidente suscitado para a intervenção acessória."

[MTS]