10/09/2020

Jurisprudência 2020 (49)


Apoio judiciário;
advogado; pedido de escusa


1. O sumário de RL 5/3/2020 (8452/19.9T8LSB-A.L1-6) é o seguinte:

I - Os prazos judiciais são necessários para disciplinar a marcha do processo e garantir o direito à obtenção das decisões judiciais em prazo razoável.

II - Não violam o art. 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa os nº 2 e 3 do art. 34º da Lei 34/2004 de 29/07 na interpretação segundo a qual o pedido de escusa do patrono só interrompe o prazo que estiver em curso para a apresentação da contestação se for comunicado no processo.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Entende a apelante que a 1ª instância lhe negou o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrado na Constituição da República Portuguesa.

O art. 34º da Lei 34/2004 de 29/07 - na redacção introduzida pela Lei 47/2007 de 28/08 - estabelece:

«1 - O patrono nomeado pode pedir escusa, mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respectivos motivos.
2 - O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º
3 - O patrono nomeado deve comunicar no processo o facto de ter apresentado um pedido de escusa, para os efeitos previstos no número anterior.
4 - A Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores aprecia e delibera sobre o pedido de escusa no prazo de 15 dias.
5 - Sendo concedida a escusa, procede-se imediatamente à nomeação e designação de novo patrono, excepto no caso de o fundamento do pedido de escusa ser a inexistência de fundamento legal da pretensão, caso em que pode ser recusada nova nomeação para o mesmo fim.
6 - O disposto nos n.ºs 1 a 4 aplica-se aos casos de escusa por circunstâncias supervenientes.».

E o art. 24º prevê: 

«(…) 4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.».

O Estatuto da Ordem dos Advogados prevê, designadamente:

No art. 100º:

«1 - Nas relações com o cliente, são ainda deveres do advogado:
a) (…)
b) Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade;
c) (…)
d) (…)
e) Não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas.
2 - Ainda que exista motivo justificado para a cessação do patrocínio, o advogado não deve fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado.».

No art. 108º

«1 - O advogado deve, em qualquer circunstância, atuar com diligência e lealdade na condução do processo. (…)».

No art. 121º

«1 - Os tribunais e quaisquer autoridades devem dar conhecimento à Ordem dos Advogados de todos os factos suscetíveis de constituir infração disciplinar praticados por advogados.
2 - (…)».
 
Segundo a apelante, a não comunicação do pedido de escusa no processo traduz-se na omissão de formalidade que nenhuma consequência deverá ter face ao estatuído no art. 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

Nesse artigo, consagra a Lei Fundamental, na parte que ora interessa:

«1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. (…)
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violação desses direitos.».

O direito à defesa consagrado na Lei Fundamental não é incompatível com a fixação de prazos judiciais. Pelo contrário. Os prazos são necessários para disciplinar a marcha do processo e garantir o direito à obtenção das decisões judiciais em prazo razoável.

Por isso, só há interrupção ou suspensão dos prazos nos casos previstos na lei.

Impõe-se, pois, ter em consideração que o art. 6º do Código Civil estabelece:

«A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.».

Decorre dos art. 139º nº 1 e 3 e 569º do Código de Processo Civil que o prazo para contestar é peremptório, ou seja, o seu decurso extingue o direito de praticar esse acto, sem prejuízo do justo impedimento, da prática do acto com multa nos três dias úteis subsequentes, das causas legais de interrupção ou suspensão, e bem assim da prorrogabilidade do prazo.

Portanto, a junção aos autos do comprovativo do pedido de nomeação de patrono não foi uma «formalidade» mas sim a prática de um acto que por lei interrompeu o prazo que estava em curso para a apresentação da contestação.

De igual modo, a comunicação nos autos da apresentação do pedido de escusa da advogada nomeada para exercer o patrocínio na Ordem dos Advogados não é uma «formalidade», mas sim um acto que por lei interrompe o prazo em curso.

Assim, o não cumprimento dos deveres legais e deontológicos pela senhora advogada nomeada à apelante, demonstrado não estando justo impedimento, não pode ter outra consequência que não seja a decidida pela 1ª instância.

Concluindo, a decisão recorrida não viola o disposto no art. 20º da Constituição da República Portuguesa."

[MTS]