01/06/2022

Jurisprudência 2021 (209)


Cessão de créditos em massa;
condição suspensiva; alegação; prova


I. O sumário de RL 21/10/2021 (872/18.2T8LSB-B.L1-8) é o seguinte:

1 - Na cessão de créditos em massa, não é preciso deduzir incidente de habilitação de cessionário. Basta o cessionário juntar aos próprios autos cópia do contrato de cessão e, não sendo posta em causa a habilitação pelo cedente ou pela parte contrária, considera-se habilitado o cessionário, sem necessidade de despacho judicial.

2 - Não havendo dedução de incidente de habilitação de cessionário, não há lugar ao pagamento de taxa de justiça.

3 - Por força do art. 136º nº 1 do C.P.C., “a forma dos diversos atos processuais é regulada pela lei que vigore no momento em que são praticados”, pelo que é possível ao cessionário juntar cópia do contrato de cessão ao abrigo do art. 3º nº 2 do DL 42/2019 mesmo no caso de cessão de créditos em massa celebrada antes da entrada em vigor daquele diploma legal.

4 - Prevendo o art. 3º nº 2 do DL 42/2019 apenas a junção ao processo de cópia do contrato de cessão, importa considerar que não incumbia ao cessionário, no requerimento de junção daquele documento, alegar a verificação da condição suspensiva e oferecer prova dessa verificação.

5 - A prova da verificação da condição só seria exigível caso o cedente ou a parte contrária, notificadas da junção da cópia do contrato de cessão e no exercício do contraditório, suscitassem a questão da não verificação da condição.

II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Conforme resulta do art. 1º do DL 42/2019, de 28 de março, tal diploma “estabelece um regime simplificado para a cessão de créditos em massa”.

Nos termos do art. 2º do citado diploma, “considera-se cessão de créditos em massa aquela em que o cessionário seja uma instituição de crédito, sociedade financeira ou uma sociedade de titularização de créditos sempre que o preço de alienação global dos créditos a ceder seja, no mínimo, de (euro) 50 000,00, e a carteira seja composta por, pelo menos, 50 créditos distintos.”

O art. 3º do DL 42/2019, sob a epígrafe “habilitação legal do cessionário”, dispõe o seguinte:

“1 - O cessionário considera-se habilitado em todos os processos em que estejam em causa créditos objeto de cessão.
2 - Para efeitos do número anterior, compete ao cessionário juntar ao processo cópia do contrato de cessão, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 356º do Código de Processo Civil. ….”

No preâmbulo do DL 42/2019, pode ler-se:

“Cria-se, assim, um regime simplificado para a cessão de carteiras de créditos, dispensando a habilitação processual dos adquirentes em cada um dos processos em que o crédito adquirido esteja a ser exigido”.

Assim, na cessão de créditos em massa, não é preciso deduzir incidente de habilitação de cessionário.

Basta o cessionário juntar aos próprios autos cópia do contrato de cessão e, não sendo posta em causa a habilitação pelo cedente ou pela parte contrária, considera-se habilitado o cessionário, sem necessidade de despacho judicial. O juiz, quando muito, determina que seja tida em conta a modificação subjetiva operada por força da lei.

Não havendo dedução de incidente de habilitação de cessionário, não há lugar ao pagamento de taxa de justiça (no mesmo sentido, www.dgsi.pt Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 9 de setembro de 2021, processo 5584/12.8TBSXL-D.L1-2; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido a 18 de março de 2021, no processo 74/13.4TBGMT-G.G1).

A escritura de cessão de créditos junta pela Ar… foi celebrada a 18 de março de 2020 e o DL 42/2019, por força do seu art. 6º, entrou em vigor no dia 1 de julho de 2019.

Assim, não há dúvida que é aplicável o regime simplificado previsto no DL 42/2019 à cessão de créditos em massa em questão nestes autos.

Acresce dizer que, por força do art. 136º nº 1 do C.P.C., “a forma dos diversos atos processuais é regulada pela lei que vigore no momento em que são praticados”, pelo que é possível ao cessionário juntar cópia do contrato de cessão ao abrigo do art. 3º nº 2 do DL 42/2019 mesmo no caso de cessão de créditos em massa celebrada antes da entrada em vigor daquele diploma legal.

Nos termos do art. 270º do C.C., “as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva”.

A condição é “a cláusula por virtude da qual a eficácia de um negócio (o conjunto dos efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência de um acontecimento futuro e incerto, por maneira que ou só verificado tal acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou então só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir” (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, pág. 356).

“… a razão de ser da estipulação condicional radica na incerteza do declarante de alcançar os fins a que se propõe com o negócio, porquanto, embora seja provável que venham a ser alcançados, não está afastada a dúvida sobre a sua futura verificação, uma vez que, na sua perspectiva, a finalidade a que se dirige o negócio depende de circunstâncias futuras que ele não domina e se lhe afiguram de verificação incerta” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 10 de dezembro de 2009, processo 312-C/2000.C1-A.S1).

Consta da escritura celebrada que a “cessão de créditos fica sujeita à seguinte condição suspensiva: a produção de efeitos desta escritura fica dependente da verificação do pagamento do preço global dos créditos, melhor identificados no documento complementar UM à presente escritura, mediante transferência a efetuar a partir e para as contas acima indicadas, que deverá ser recebido em fundos com disponibilidade imediata até às dezasseis horas do dia vinte de Março de dois mil e vinte”.

Tendo as partes subordinado a cessão de créditos a condição suspensiva, o cessionário só passa a ser o credor quando se verifica a condição.

Prevendo o art. 3º nº 2 do DL 42/2019 apenas a junção ao processo de cópia do contrato de cessão, importa considerar que não incumbia ao cessionário, no requerimento de junção daquele documento, alegar a verificação da condição suspensiva e oferecer prova dessa verificação.

A prova da verificação da condição só seria exigível caso o cedente ou a parte contrária, notificadas da junção da cópia do contrato de cessão e no exercício do contraditório, suscitassem a questão da não verificação da condição.

Na oposição deduzida a 10 de setembro de 2021, os executados nada disseram quanto à condição suspensiva.

A oposição deduzida pelos executados não tem a virtualidade de transformar a habilitação legal em habilitação processual.

Expressões empregues pelo tribunal recorrido como “os documentos junto aos autos pela Requerente provam a cessão operada”, “procedência do incidente suscitado” e “julgar habilitada a Requerente” são reveladoras de alguma confusão por parte do tribunal recorrido entre a habilitação prevista no DL 42/2019 e a habilitação processual.

No entanto, corrigir tal confusão está fora do objeto do presente recurso."

[MTS]