Indeferimento liminar; extemporaneidade;
recurso; admissibilidade*
I. O sumário de RL 18/1/2022 (997/19.7T8OER-B.L1-7) (decisão singular) é o seguinte:
1.–Tendo proferido despacho liminar de admissão dos embargos de executado, não pode o juiz, mais tarde, depois de finda a fase dos articulados, indeferi-los liminarmente, por considerar verificada a sua extemporaneidade, invocada pela embargada em sede de contestação.
2.–É meramente tabelar o despacho que se limita a admitir liminarmente os embargos, não formando caso julgado formal no processo, pois não decide definitivamente as questões relativas à verificação dos pressupostos processuais e das exceções dilatórias correspetivas, assegurando apenas o seguimento do processo.
3.–Nenhum impedimento existe, por isso, a que o juiz se pronuncie sobre a questão da sua extemporaneidade dos embargos, invocada pela embargada em sede de constatação aos embargos; o que ele não pode é indeferir liminarmente os embargos depois de os ter admitido liminarmente.
4.–Considerando, num tal contexto, extemporâneos os embargos de executado, deve o juiz, em sede de despacho saneador, julgar verificada a exceção dilatória inominada consistente na sua extemporaneidade e, consequentemente, absolver o embargado da instância.
5.–A extemporaneidade da dedução de embargos de executado não constitui exceção material ou de direito substantivo, mas antes exceção processual, já que o prazo legalmente estabelecido para a sua dedução não é um prazo dentro do qual deva ser exercido um direito substantivo, que caduque pelo seu não exercício findo ele, tratando-se antes de um prazo dentro do qual deve ser produzido determinado efeito processual, qual seja a oposição a uma execução.
6.–Proferido, nesse enquadramento, ainda que indevidamente, despacho de indeferimento liminar dos embargos, depois de anterior admissão liminar dos mesmos, é lícito à embargante dele recorrer, independentemente do valor da causa, nos termos do art. 629.º, n.º 3, al. c), do C.P.C.
7.–O indeferimento, num tal quadro, do requerimento de interposição de recurso do indevido despacho de indeferimento liminar dos embargos, em razão do valor da causa, além de constituir um procedimento processualmente desleal, viola o princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, consagrado no art. 20.º, n.º 1 da CRP, na vertente de “direito ao recurso”.
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"3.2-DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO:
A presente reclamação deve-se, única e simplesmente, ao manifesto equívoco em que labora o senhor juiz a quo, que, após uma tramitação em que as partes praticaram atos que a lei não admite, sem qualquer pronúncia da sua parte, acabou por proferir, reitera-se, a surpreendente decisão datada de 28 de julho de 2021, com a Ref.ª 130514419, de indeferimento liminar dos embargos.
É evidente que o senhor juiz a quo não podia ter indeferido liminarmente os embargos de executado nos termos e no momento processual em que o fez, depois de os autos terem sofrido a tramitação que se deixou descrita no antecedente relatório.
O senhor juiz a quo proferiu despacho liminar no dia 10 de fevereiro de 2020, quando decidiu expressamente: «Admito, liminarmente, a petição de embargos de executado – art. 732º, nº 1, a contrario, do Código de Processo Civil (CPC).»
Logo nesse momento era sua obrigação aferir da tempestividade dos embargos.
E, caso considerasse extemporânea a sua apresentação, como muito mais tarde veio a fazer, logo ali deveria ter indeferimento liminarmente a petição de embargos.
O art. 732.º, n.º 1, al. a), do C.P.C. é bem claro:
«Os embargos, que devem ser autuados por apenso, são liminarmente indeferidos quando (...) tiverem sido deduzidos fora do prazo».
É evidente que aquele despacho de 10 de fevereiro de 2020, que admitiu liminarmente os embargos, sem que, como se constata, o senhor juiz a quo tivesse atentado na sua extemporaneidade, é um despacho meramente tabelar, não formando caso julgado formal no processo.
O despacho liminar de recebimento da oposição à execução não decide definitivamente as questões relativas à verificação dos pressupostos processuais e das exceções dilatórias correspetivas, assegurando apenas o seguimento do respetivo processo.
Assim, alegando a embargada, em sede de contestação aos embargos, a sua extemporaneidade, não estava, obviamente, o senhor juiz a quo impedido de se pronunciar, desde logo aquando da prolação de despacho saneador, acerca de tal questão.
O que o senhor juiz a quo não podia, nunca, era ter indeferido liminarmente os embargos de executado nos termos em que, equivocadamente o fez, e através de simples despacho avulso.
No caso de considerar, na sequência do alegado pela embargada na contestação, extemporâneos os embargos de executado, o que o senhor juiz a quo devia ter feito era, em sede de despacho saneador, julgar verificada a exceção dilatória inominada consistente na extemporaneidade dos embargos e, consequentemente, absolver a embargada da instância.
A extemporaneidade da dedução de embargos de executado não constitui exceção material ou de direito substantivo, mas antes exceção processual, já que o prazo legalmente estabelecido para a sua dedução não é um prazo dentro do qual deva ser exercido um direito substantivo, que caduque pelo seu não exercício findo ele, tratando-se antes de um prazo dentro do qual deve ser produzido determinado efeito processual, qual seja a oposição a uma execução.
O que é certo, porém, é que a embargante foi notificada de um despacho que lhe indefere liminarmente os embargos.
A embargante não pode ser prejudicada na sequência de um erro do tribunal.
Se, no momento da prolação de despacho liminar relativo à admissibilidade dos embargos, em vez de os admitir liminarmente, o senhor juiz a quo os tivesse indeferido liminarmente por os considerar extemporâneos, a embargante poderia recorrer da respetiva decisão, nos termos do art. 629.º, n.º 3, al. c), do C.P.C.
O que não pode agora a embargante, surpreendentemente confrontada com o um equivocado despacho que expressamente determina o indeferimento liminar dos embargos, ver coartado o direito de recorrer, nos termos daquele art. 629.º, n.º 3, al. c), do C.P.C..
Um tal procedimento, além de processualmente desleal, seria violador do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, consagrado no art. 20.º, n.º 1 da CRP, na vertente de “direito ao recurso”.
III. [Comentário] O caso analisado no acórdão é curioso, mas totalmente patológico. O que havia que decidir era se a uma decisão de "indeferimento liminar" proferida quando a tramitação dos embargos de executado já ia adiantada se pode aplicar o disposto no art. 629.º, n.º 3, al. c), CPC.
O caso analisado no acórdão suscita a dificuldade inerente àquelas situações que contrastam de tal forma com o modelo legal que este nem sequer contém uma resposta para a correcção da anomalia. É o que acontece com o proferimento do que se pode chamar de "decisões-surpreendentes".
No caso concreto, a RL preferiu dar relevância ao nomen iuris da decisão (indeferimento liminar), em detrimento da sua convolação para a decisão que, em função do momento da tramitação dos embargos, seria a correcta. Nada há a objectar.
MTS
No caso concreto, a RL preferiu dar relevância ao nomen iuris da decisão (indeferimento liminar), em detrimento da sua convolação para a decisão que, em função do momento da tramitação dos embargos, seria a correcta. Nada há a objectar.
MTS