Petição inicial;
distribuição; recusa; reclamação
I- O prazo de 30 dias para a propositura da ação a que se refere o artigo 59.º. n.º 2 do CSC é um prazo de caducidade, de natureza substantiva e civil, como decorre da interligação entre os artigos 279.º, als. b) e e), 296.º e 298.º, n.º 2, do Código Civil.
II- Por ser assim, na contagem de tal prazo não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr, no caso dos autos, a assembleia geral extraordinária onde foram tomadas as deliberações impugnadas.
III- A apresentação a juízo dos atos processuais é realizada por via eletrónica, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição, nenhum ato sendo admitido à distribuição se não contiver todos os requisitos externos exigidos por lei, verificação que é efetuada através de meios eletrónicos (artigo 207.º do CPC).
IV- Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, ainda que estes não se encontrem preenchidos, tal como decorre dos n.ºs 1 e 10 do artigo 144.º do CPC e artigo 7.º n.º 2 da Portaria 280/13 de 26/08.
V- Se existindo essa desconformidade, que determinou a recusa da p.i. por parte da secretaria à luz do artigo 558.º do CPC, em momento prévio à distribuição, o juiz de turno à mesma, em face da posição entretanto assumida pela ilustre mandataria do autor nos autos, considerou que havia sido pedida a respetiva correção do formulário nos termos do artigo 7.º n.º 3 da Portaria n.º 280/2013 de 26/08 (despacho que não foi objeto de qualquer impugnação ou reparo), determinando que o expediente apresentado fosse distribuído, assim obstando à recusa da p.i., terá de se considerar a mesma intentada na data da sua apresentação inicial a juízo.
VI- Pois que apenas se poderia considerar recusada a petição inicial, dando-se baixa na distribuição, decorrido que fosse o prazo para reclamação da recusa, ou, havendo reclamação, após o trânsito em julgado da decisão que confirmasse o seu não recebimento, tal como decorre do n.º 3 do artigo 17.º da mencionada Portaria, o que não foi, de todo, o caso dos autos.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"(ii) Da data da apresentação da Petição Inicial, invocada recusa e sua distribuição:
Em segunda frente de batalha, defende a apelante que o Tribunal a quo procedeu, igualmente, a uma errónea aplicação dos artigos 193.º, 590.º n.º 1 e 560.º todos do CPC, ao considerar que a ação deu entrada no tribunal em 15/09/2022, quando, na verdade, por erro do autor, a mesma foi recusada e a sua distribuição retida dada a desconformidade do formulário Citius.
Tendo sido recusada a petição naquele dia, qualquer outro ato praticado para a sua conformidade, foi já praticado decorrido o prazo de caducidade, tanto mais que o despacho que admitiu a correção foi proferido já a 21/09/2021.
Assim, argumenta a recorrente, em face do consagrado no artigo 259.º n.º 1 e do artigo 560.º do CPC, a recusa da P.I. apresentada a 15/09/2021, permitiu que se operassem os efeitos da caducidade, e por via disso não pode prevalecer, também como argumento de improcedência da exceção invocada pela apelante, a consideração de que a ação deu entrada em juízo a 15/09/2021.
Vejamos se assim é.
Estando nós, como vimos, perante um prazo de caducidade, como vimos já, é sobre a ré que impende o ónus de alegar e demonstrar que o direito do autor caducou, dado que se trata de facto extintivo do direito do mesmo, à luz do n.º 2 do artigo 342.º do CC.
No caso dos autos, como vimos, a petição apresentada em 15/09/2021 (onde foi aposto no formulário que a submeteu: Forma de processo/classificação: outra forma de processo; Espécie: a determinar; Objeto de ação: outro ou não especificado (comércio)) foi recusada pela secretaria, que invocou para o efeito, o artigo 558.º do CPC, devolvendo a petição ao autor.
Reagindo contra esse ato de recusa, em requerimentos dirigidos à secretaria do tribunal e aos serviços informáticos, a ilustre mandatária do autor veio argumentar falhas informáticas no sistema Citius, dizendo que o sistema aceitou a petição conforme por si estava preenchida, tanto assim que gerou uma referência, não fazendo sentido a ação ter sido retida na distribuição.
Por despacho do juiz de turno à distribuição foi considerado que, como fora pedida a correção do formulário, nos termos do artigo 7.º n.º 3 da Portaria n.º 280/2013 de 26/08 (dado que a sua inicial desconformidade com o conteúdo da peça processual apresentada motivara a recusa da petição inicial pela Secretaria, à luz dos artigos 207.º e 558.º n.º 3 do CPC), nada impedia, e assim foi determinado, que a distribuição do expediente apresentado o fosse como ação comum.
O autor apresentou depois novo formulário corrigido, acompanhado com a p.i., em 23/09/2021 (onde foi aposto: Forma de processo/classificação: ação de processo comum; Espécie: anulação de deliberações sociais; Objeto de ação: impugnação de deliberações sociais (comércio)).
Está agora em causa saber se podemos considerar que a ação foi proposta no dia 15/09/2021, conforme pretende o autor, ou apenas no dia 23/09/2021, como defende a ré.
Determina o artigo 259.º n.º 1 do CPC que a instância se inicia pela proposição da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que a respetiva petição se considere apresentada nos termos dos n.ºs 1 e 6 do artigo 144.º.
A apresentação a juízo dos atos processuais é realizada por via eletrónica, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição, nenhum ato sendo admitido à distribuição se não contiver todos os requisitos externos exigidos por lei, verificação que é efetuada através de meios eletrónicos (artigo 207.º do CPC).
Constitui assim obrigação do apresentante o preenchimento da informação específica que o sistema de informação preveja, pois que, em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, ainda que estes não se encontrem preenchidos, tal como decorre dos n.ºs 1 e 10 do aludido artigo 144.º do CPC.
O n.º 10 do 144.º replica assim o artigo 7.º n.º 2 da Portaria 280/13 de 26/08, devendo, contudo, tal regime articular-se com o disposto no artigo 146.º n.º 2 do CPC, e n.º 3 daquele artigo 7.º, facultando-se à parte a retificação do lapso (quando, por exemplo, tenha feito constar o rol de testemunhas do anexo, omitindo-o no formulário ou permitindo-se ainda a correção de lapso no preenchimento dos formulários, tendo em conta o conteúdo dos ficheiros anexos, nos termos do artigo 10.º n.º 10 al. b) do CPC e 7.º n.º 3 da Portaria, apenas se exigindo que a falta cometida não radique em dolo ou culpa grave da parte - ver CPC anotado por António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Vol. I, 2ª edição, Almedina, págs. 183 e 187).
A apresentação da petição nos moldes assim consagrados constitui, pois, o único meio de obstar à caducidade do direito substantivo que com a causa se pretende fazer valer (artigo 331.º n.º 1 do CC).
Acresce que, nos termos consagrados no artigo 558.º do mesmo código, a petição inicial pode ser recusada pela secretaria em diversos casos, e, dentro deles, no que ao caso agora interessa, se não for indicada a forma do processo (al. d)), sendo que a verificação dos fundamentos de rejeição é efetuada pelo sistema, ou, quando tal não seja tecnicamente possível, pela secretaria, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º. Tendo a petição inicial que observar determinadas formalidades legais, a sua rejeição, em caso de assim não ser, é, em regra, automática, apenas exigindo justificação por escrito quando a verificação dos requisitos formais de recusa seja feita pela secretaria nos termos do n. 3.
Nos casos de recusa, regula então o artigo 560.º do CPC que Quando se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, a parte não esteja patrocinada e a petição inicial seja apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do artigo 144.º, o autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a ação proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.
Tal preceito, em face da sua atual redação, e contrariamente ao sistema anterior (que permitia sempre uma nova petição, a apresentar em 10 dias, que corrigisse aquilo que fundara a sua recusa) restringe agora tal possibilidade às ações em que, não sendo obrigatória a constituição de advogado, o autor não está patrocinado e apresenta a petição por uma das vias do n.º 7 do artigo 144.º. Esta nova redação tem recebido maiores reservas, desde logo quando está em causa o prazo de caducidade do direito que pode redundar na sua extinção (ver críticas anotadas por António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, na obra citada, pág. 648 e por Teixeira da Sousa em https://blogipcc.blogspot.com, “A (muito estranha) nova redação do art.º 560.º CPC”; tendo tomado posição, no sentido da inconstitucionalidade do regime constante do dito preceito, João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, p. 15).
Revertendo aos autos, verificamos que a recusa da petição inicialmente apresentada em 15/09/2023 não foi objeto de recusa eletrónica imediata, gerando uma referência Citius, tendo, ainda assim, sido recusada pela secretaria, que entendeu que o formulário apresentado era insuficiente, por não indicar a espécie da causa (artigo 212.º do CPC), razão pela qual devolveu aquela petição ao autor.
Em face dos protestos do autor (que, em bom rigor, não dirigiu qualquer reclamação ao juiz, como devia, tendo em atenção o consagrado no artigo 559.º do CPC), o expediente foi levado ao conhecimento do juiz de turno à distribuição no dia 21/09/2021, que considerou, pela análise do conteúdo material da peça em causa, que estava perante uma ação comum, pelo que, em face da desconformidade entre o formulário e o conteúdo, entendendo que havia sido pedida a respetiva correção nos termos do artigo 7.º n.º 3 da Portaria n.º 280/2013 de 26/08, determinou que o expediente apresentado fosse distribuído na 1ª espécie, isto é, como ação comum, tendo em conta o objeto da ação como sendo comércio (despacho que não foi objeto de qualquer impugnação ou reparo).
Após esse despacho de 21/09/2021, o autor entregou novo formulário, datado agora de 23/09/2021, com a documentação comprovativa da remessa da peça em 15/09 e toda a tramitação subsequente.
Donde, em bom rigor, o despacho do juiz de turno, ao determinar a distribuição, contrariamente ao defendido pela recorrente, não confirmou a recusa da p.i.. Veja-se que, ainda que não em reclamação dirigida ao juiz (mas sim ao chefe da secretaria do tribunal e aos serviços informáticos), a questão da recusa do recebimento da petição inicial foi apreciada pelo juiz de turno à distribuição, que, ainda que na fundamentação afirme que a secretaria tinha razão para recusar a petição, acaba por não confirmar a mesma, pois que determina a sua distribuição (veja-se que, nos termos do n.º 3 do artigo 17.º da Portaria 280/2013, apenas se considera recusada a peça que, decorrido que seja o prazo para reclamação da recusa, ou, havendo reclamação, após o trânsito em julgado da decisão que confirme o não recebimento).
Não há assim que recorrer ao enquadramento jurídico feito no despacho em crise (pois que não estamos perante um erro na forma do processo tratável à luz do invocado artigo 193.º do CPC, nem estamos perante causa que não importe a constituição de mandatário e que a parte não esteja patrocinada nem perante uma recusa de recebimento ou de distribuição da petição, nem de decisão judicial que a haja confirmado, como decorre do artigo 560.º do CPC).
Não obstante, ainda que com diferente fundamentação, não podemos deixar de considerar, em face do concreto despacho do juiz de turno, que não foi impugnado de qualquer forma, que este permitiu a distribuição da p.i. de 15/09/2021, pelo que a presente ação terá sempre de ser considerada como tendo sido interposta nessa data, entendendo o juiz de turno que o autor pedira a retificação do formulário, assim obstando à recusa da p.i.
Seria mesmo desproporcionado e totalmente irrazoável que, em face de toda a tramitação processual - em que a secretaria entendeu recusar a petição inicial, não a submetendo à distribuição na data em que foi apresentada, o que depois foi retificado pelo juiz de turno à distribuição, que a determinou - se pudesse afirmar ou confirmar o entendimento que a petição inicial não fora apresentada em tempo pelo autor."
[MTS]
[MTS]