20/05/2024

Jurisprudência 2023 (173)


Procedimentos cautelares;
revista; inadmissibilidade


1. O sumário de STJ 24/10/2023 (1443/21.1T8AMT-B.P1-A.S1) é o seguinte:

Sejam quais forem os argumentos aduzidos pelo recorrente no recurso de revista, sejam eles de preterição dos direitos de defesa, de ilegalidade alegadamente cometidas, ou de inconstitucionalidades, é vedada a admissibilidade daquele das decisões proferidas nos procedimentos cautelares nos termos do art. 370º nº 2 do CPC, segundo o qual “das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”, nos termos do art. 629º nº 2 do CPC.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Foi proferido despacho pelo Senhor Desembargador relator, que não admitiu a revista, com o seguinte teor:

“Julgado improcedente o recurso que interpôs do despacho interlocutório proferido no âmbito de procedimento cautelar que considerara ser de indeferir ‘a requerida extinção da instância por inutilidade superveniente da lide’ e bem assim, ‘por não se tratar de informação a coberto de segredo bancário’, determinara a sua notificação para juntar aos autos listagem actualizada dos associados em pleno gozo de direitos à data da propositura dos presentes autos, apresentou-se a apelante a requerer fosse o acórdão proferido declarado nulo, ‘por violação da lei ou erro na interpretação e de aplicação da lei’ e, sem prescindir, seja o mesmo reformado, ‘igualmente por violação, erro na interpretação e erro na aplicação da lei’.

Proferido, em 2/05/2023, acórdão a considerar não se verificar invocada nulidade do acórdão proferido em 28/02/2023 que julgara improcedente a apelação nem se verificarem motivos que justifiquem a sua reforma, apresenta-se a apelante a interpor recurso de revista (sem especificar qual o acórdão censurado).

Manifesta a inadmissibilidade da revista (qualquer que seja o objecto dela – o acórdão de 28/02/2023 ou o acórdão de 2/05/2023).

Desde logo, quanto ao acórdão de 2/05/2023 que conheceu da arguida nulidade e da pretendia reforma, pois tais decisões não [são] susceptíveis de recurso – as nulidades e a reforma devem ser suscitadas no âmbito do recurso, caso este seja admissível (art. 615º, nº 4 e 617º, nº 3 do CPC), e, não o sendo, devem ser interpostas perante o tribunal que proferiu a decisão, que decidirá em última instância.

Relativamente ao acórdão proferido em 28/02/2023, a intempestividade do recurso é manifesta, pois que o prazo para a sua interposição (caso fosse legalmente admissível) se mostrava decorrido muito antes da entrada do requerimento em que é interposta a revista.

Depois, não menos importante, porque, quanto a tal acórdão, tem de ponderar-se que a decisão apelada consubstancia despacho interlocutório proferido no âmbito de procedimento cautelar.

Vedada, pois, no caso, a admissibilidade do recurso, à luz do art. 370º, nº 2 do CPC – das decisões proferidas nos procedimentos cautelares não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, sendo certo que a situação dos autos não quadra em hipótese na qual seja sempre admissível recurso (não é questionada no interposto recurso a violação das regras da competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia nem a ofensa de caso julgado - art. 629º, nº 2, a) do CPC -, não é impugnada decisão respeitante ao valor da causa - art. 629º, nº 2, b) do CPC) -, não se invoca que a decisão censurada seja proferida contra jurisprudência uniformizada - art. 629º, nº 2, c) do CPC -, nem que o acórdão esteja em oposição contradição com outra, desta ou doutra Relação ).

Inadmissibilidade da revista que também resulta do art. 671º, nº 1 e 2 do CPC – o acórdão proferido na Relação versa sobre decisão interlocutória e no caso o recurso não é sempre admissível (art. 672º, nº 2, a) do CPC) nem se invoca que o mesmo esteja em contradição com outro, transitado em julgado, proferido pelo STJ, no domínio da mesma questão de direito (art. 672º, nº 3, b) do CPC).

De chamativa fluorescência, pois, a inadmissibilidade do recurso.

Pelo exposto, não admito o recurso de revista interposto pela apelante.”

Reclamação (art. 643º do CPC)

Deste despacho vem a recorrente apresentar reclamação, nos termos do art. 643º do CPC, perante este Supremo Tribunal de Justiça, culminando as correspondentes alegações nos termos seguintes:

Estando em causa uma decisão que viola a lei, erra na interpretação e erra na aplicação da lei, por um lado, e, por outro, sustenta um entendimento com premissas que afrontam normas e princípios de direito internacional geral ou comum e as disposições genéricas, de caráter substantivo, emanadas dos órgãos de soberania, nacionais ou estrangeiros, ou constantes de convenções ou tratados internacionais, desaguando na violação do direito constitucional à reserva de intimidade da vida privada e familiar, o recurso é admissível e, como tal, deveria ter sido recebido.

É o que se requer.

Nestes termos e nos mais que por certo Vª Exª doutamente suprirá, deve dar-se provimento à presente reclamação, revogando-se o despacho reclamado, admitindo-se, a final, o recurso, como é de JUSTIÇA."

A recorrida pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade da revista, com a manutenção do despacho reclamado que a não admitiu.

Pelo ora relator foi proferida a seguinte decisão sumária:

"Estatui o art. 370º nº 2 do CPC que, do Acórdão da Relação proferido em procedimento cautelar não é admitido recurso de revista para o STJ, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, ou seja, os previstos no artigo 629º nº 2 do CPC.

Desta forma, no caso de decisões proferidas no âmbito de procedimentos cautelares, só é admissível revista nos casos previstos no art. 629º nº 2 do CPC (Cfr. Acórdãos do STJ de 09-12-2021, Revista n.º 2371/19.6TGDM-A.P1.S1, de 30-06-2021, Revista n.º 22121/20.3T8LSB.L1.S1, e de 14-09-2021, Revista n.º 338/20.0T8ESP.P1.S1,).

Assim, no caso dos autos, face ao disposto naquele normativo, não sendo admissível a revista normal ou excecional, também não será aplicável o disposto no art. 672.º do mesmo Código.”

Novamente inconformada vem a reclamante apresentar reclamação para a conferência, requerendo que sobre aquela decisão singular recaia Acórdão, ao abrigo do art. 652º nº 3 do CPC, oferecendo as correspondentes alegações, assim concluindo:

Com a devida vénia, é manifesta a admissibilidade do Recurso de Revista oportunamente apresentado.

Estando em causa uma decisão que viola a lei, erra na interpretação e erra na aplicação da lei, por um lado, e, por outro, sustenta um entendimento com premissas que afrontam normas e princípios de direito internacional geral ou comum e as disposições genéricas, de caráter substantivo, emanadas dos órgãos de soberania, nacionais ou estrangeiros, ou constantes de convenções ou tratados internacionais, desaguando na violação do direito constitucional à reserva de intimidade da vida privada e familiar, o recurso é admissível e, como tal, deveria ter sido recebido

Perante tão ostensivo afronto, de facto e de direito, não pode a reclamante aceitar a interpretação constante da decisão singular ora reclamada, sendo a mesma inconstitucional, dando-se por reproduzido tudo quanto alegado supra.

O possível entendimento por este Tribunal da não admissão do recurso, alicerçado na interpretação da verificação de uma situação de “dupla conforme” quando, manifestamente, não é o caso, estando os demais pressupostos de admissibilidade do recurso preenchidos, redundará na violação dos princípios constitucionais acima referidos - reserva de intimidade da vida privada e familiar – redundando ainda na violação do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva, por violação do direito de defesa e de recurso da requerente, plasmados nos nºs 1 e 4 do artº 20º da CRP Viola se ainda o princípio da igualdade e de defesa (artº 13º da CRP) e ainda o disposto no artigo 202º da CRP, porquanto é colocada em causa a primordial função jurisdicional dos Tribunais, que devem assegurar, enquanto órgão de soberania, o direito aos cidadãos e às instituição de defender os seus interesses consagrados na lei e na Constituição.

É o que se requer.

Nestes termos e nos mais que por certo Vªs Exªs doutamente suprirão, deve aresente Reclamação ser aceite e, após ouvida a parte contrária, ser submetida à Conferência para que sobre a matéria da decisão proferida recaia um acórdão que, a final, admita a Revista oportunamente apresentada pela ora reclamante, como é de JUSTIÇA.

Viola se ainda o princípio da igualdade e de defesa (artº 13º da CRP) e ainda o disposto

no artigo 202º da CRP, porquanto é colocada em causa a primordial função jurisdicional dos Tribunais, que devem assegurar, enquanto órgão de soberania, o direito aos cidadãos e às instituições de defender os seus interesses consagrados na lei e na Constituição.

É o que se requer.

Nestes termos e nos mais que por certo Vªs Exªs doutamente suprirão, deve a presente Reclamação ser aceite e, após ouvida a parte contrária, ser submetida à Conferência para que sobre a matéria da decisão proferida recaia um acórdão que, a final, admita a Revista oportunamente apresentada pela ora reclamante, como é de JUSTIÇA.”

Os recorridos vieram pronunciar-se no sentido de a reclamação para a conferência se indeferida e a reclamante Caixa Agrícola ser condenada a titulo de má-fé numa multa e indemnização a favor da recorrida em, pelo menos, € 10.000,00.”

Cumprindo reavaliar colectivamente os termos do despacho proferido pelo ora relator, ante os argumentos aduzidos pela reclamante nas suas alegações, bem assim como nas respectivas conclusões, afigura-se-nos que, estando apenas em causa na presente reclamação a admissibilidade da revista interposta pela reclamante, serão de manter os termos em que a reclamação deduzida ao abrigo do art. 643º foi indeferida.

Com efeito, nenhum dos argumentos agora aduzidos pela reclamante, sejam eles de preterição dos direitos de defesa, de ilegalidades várias apontadas, assim como de inconstitucionalidades, tem qualquer valia para que de alguma forma possa ser alterada aquele decisão que, baseada nas normas adjectivas que ali ficaram consignadas, impedem o acesso a um segundo grau de recurso para este Supremo tribunal de Justiça, pelo que se mantém a mesma.

Será oportuno, porém, dada a equivocidade do último parágrafo da nossa decisão singular, retirando-o do contexto decisório, porque ali terá ficado eventualmente por lapso de escrita de índole informática (lapso a que a reclamante nem fez alusão), que era nosso propósito culminar aquela decisão, na sequência do penúltimo parágrafo, que referiu que “no caso de decisões proferidas no âmbito de procedimentos cautelares, só é admissível revista nos casos previstos no art. 629º nº 2 do CPC (Cfr. Acórdãos do STJ de 09-12-2021, Revista n.º 2371/19.6TGDM-A.P1.S1, de 30-06-2021, Revista n.º 22121/20.3T8LSB.L1.S1, e de 14-09-2021, Revista n.º 338/20.0T8ESP.P1.S1,)”, com um último parágrafo nos termos que ora se inscrevem em substituição daquele último parágrafo:

Assim, no caso dos autos, nem tendo a reclamante inscrito a pretensa revista nos termos daquele dispositivo, que sempre implicaria a sua admissibilidade, haverá que concluir pela inadmissibilidade da revista, assim se indeferindo a reclamação deduzida."

[MTS]