22/07/2024

Jurisprudência 2023 (218)

 
Certidões registrais; cadernetas prediais;
valor probatório
 
 
1. O sumário de STJ 19/12/2023 (1929/20.5T8VRL.G1.S2) é o seguinte:

I – Resulta dos artigos 674º, nº 3, e 682º, nº 2, do Código de Processo Civil, bem como do disposto no artigo 46º da Lei da Organização Judiciária, que o Supremo Tribunal de Justiça, constituindo um tribunal de revista, apenas conhece de matéria de direito e não de matéria de facto, o que significa que perante a prova sujeita à livre apreciação do julgador – sem ocorrer qualquer caso de prova vinculativa, dotada de força probatória plena e estabelecida no âmbito do direito probatório material – a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça torna-se particularmente restrita e mesmo excepcional.

II - Desde que não se coloque no âmbito da revista a violação pelo acórdão recorrido de normas respeitantes à prova tarifada, com força legalmente vinculativa, encontrando-nos, ao invés, perante prova apreciada livremente pelas instâncias, nos termos gerais do artigo 366º e 369º do Código Civil e 466º, nº 3, do Código de Processo Civil, o juízo de facto autónomo extraído pelo acórdão recorrido está fora do superior controlo por parte do Supremo Tribunal de Justiça, na sequência do que se dispõe nos artigos 662º, nº 4, e 674º, nº 3, do Código de Processo Civil.

III - O teor de certidões registrais e cadernetas prediais, constituindo meros elementos identificadores dos prédios, não fazem prova plena acerca da área real dos prédios em causa e das suas delimitações físicas, comportando a produção de prova em sentido contrário.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"1 – Valor probatórios dos documentos juntos ao processo. Eventual violação do direito probatório material. [...]

e) certidão de teor e matricial do prédio que indicaria a sua área como de 26.420 m2, não podendo assim dar-se como provado que o prédio tinha apenas 2.642 m2 (com a alteração do facto provado sob o nº 1).

Constitui entendimento aceite uniformemente, há muitos anos, pela jurisprudência que o teor de certidões registrais e cadernetas prediais, constituindo meros elementos identificadores dos prédios e não fazendo prova plena acerca da área real dos prédios em causa, bem como das suas delimitações/confrontações físicas, tal como bem sublinhou o acórdão recorrido, comportam a produção de prova em sentido contrário.

(vide, sobre esta matéria, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 2001 (relator Tomé de Carvalho) com a referência 01A3385, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 2002 (relator Sousa Inês) com a referência 02B940, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Novembro de 2004 (relator Lucas Coelho), processo com a referência 04B2972, sumariado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Janeiro de 2005 (relator Oliveira Barros) com a referência 04B4132, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 2006 (relator Duarte Soares), com a referência 05B4095, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2008 (relator Sebastião Póvoas), com a referência 08A055, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 2009 (relatora Prazeres Beleza), proferido no processo nº 839/04.8TBGRD.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 2010 (relator Moreira Alves), proferido no processo nº 336/04.1TBVVC.C1.S1, cujo sumário se encontra publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 2013 (relator Serra Batista), proferido no processo nº 74/07.3TCGMR.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2017 (relator Alexandre Reis), proferido no processo nº 120/14.4T8EPS.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira), proferido no processo nº 809/10.7TBLMG.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 2018 (relator José Rainho), proferido no processo nº 668/15.3T8FAR.E1.S2, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Setembro de 2019 (relator Acácio das Neves), proferido no processo nº 272/17.1T8BGC.G1.S2, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 2022 (relator Vieira e Cunha), proferido no processo nº 1654/19.0T8VCD.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 2023 (relator Fernando Batista), proferido no processo nº 1091/20.3T8VCT.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt).

Pelo que, também neste particular, não pode considerar-se qualquer violação do direito probatório material de que cumpra conhecer.

Acrescente-se ainda que na própria contestação apresentada pelos RR – e estando já nos autos a certidão da Conservatória do Registo Predial indicada – os mesmos não fizeram a menor alusão à área do prédio rústico na titularidade do preferente, invocando mormente a circunstância, essencial e decisiva para a sorte do pleito, de não ter área inferior à Unidade de Cultura, e não indicando – como seria expectável que fizessem – a mencionada desconformidade entre área do terreno constante do artigo 5º da petição inicial e o teor do documento junto pelo A. a fls. 12 e 13.

Tal facto dado como provado – a área do prédio confinante tal como foi concretamente alegada pelo A. –, não sendo em oposição e contrapartida alegada pelos RR. qualquer outra área do terreno, diversa e superior, acaba por se inserir no âmbito da liberdade de julgamento das instâncias, em relação à qual o Supremo Tribunal de Justiça, sem a indispensável existência de documento dotado de força probatório plena que tenha sido porventura descurado, não pode legalmente intervir."

[MTS]