I. O dever de segredo consagrado no artigo 92.º do EOA só abrange aqueles factos cuja revelação viole a relação de confiança estabelecida entre o cliente e o advogado a quem os confiou, sendo de reconhecer um interesse objectivo e fundado na sua reserva por parte daquele.
II. Deste modo, o dever de segredo consagrado na alínea c) do n.º 1 do artigo 92.º não abrangerá todos os factos “referentes a assuntos profissionais comunicados por colega ao qual esteja associado ou preste colaboração”, mas apenas os sigilosos, com o sentido apontado.
III. Identicamente, nem tudo o que se discute no âmbito de negociações visando uma composição extrajudicial do litígio se encontra coberto pelo dever de sigilo imposto no preceito em referência, incidindo a proibição de revelação apenas sobre “aqueles [factos] que tenham vindo ao seu [do advogado] conhecimento em situação tal que, pela relação de confiança criada com o respectivo cliente, seja indesculpável deontologicamente a sua revelação.”
IV. O artigo 113.º do EOA confere uma protecção reforçada às comunicações que os advogados entre si hajam mantido, mas não estabelece uma proibição genérica de revelação ou de junção a processos de correspondência trocada entre advogados em representação dos seus mandantes, só integrando a previsão do preceito aquela em relação à qual o seu remetente tenha, de forma clara, expressado a sua intenção de a cobrir com o manto da confidencialidade (cfr. o n.º 1), sendo ainda necessário que contenha informação sigilosa, com o sentido que se deixou definido.
V. Exigindo a lei que o advogado exprima claramente a intenção de sujeitar as comunicações ao regime especialmente protegido de confidencialidade consagrado no preceito em análise, não preenche esse pressuposto a simples referência no “template” do mail ao conteúdo confidencial da comunicação”.
"Nos termos do 92.º do EOA o advogado não pode revelar, deles devendo guardar segredo, todos os factos cujo conhecimento lhe advém “do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”, designadamente, e para o que aqui releva, “factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração”, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 92.º, abrangendo ainda os documentos que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo (cfr. o n.º 3 do preceito).
Nos termos do n.º 4 do preceito o advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional quando tal se revele absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mas carece para tal da prévia autorização do presidente do conselho regional respectivo, com recurso para o Bastonário, sendo que nos termos do n.º 5 os actos praticados pelo advogado com violação do segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
Nos termos do artigo 113.º do diploma em referência, esclarecedoramente epigrafado de “correspondência entre advogados e ente estes e solicitadores”, as comunicações confidenciais – nos termos do n.º 1 aquelas em relação às quais o advogado tenha exprimido, de forma clara, a intenção de lhe conferir essa natureza – não podem, em qualquer caso, constituir meio de prova, não lhe sendo aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 92.º [---]. Por outras palavras, as comunicações que recaiam na previsão do artigo 113.º ficam sujeitas a um regime de proibição absoluta de levantamento do sigilo, sendo portanto um meio de prova absolutamente proibido.
Retornando ao caso dos autos, importa começar por esclarecer que o agora referido artigo 113.º que, como dele resulta, confere uma protecção reforçada às comunicações que os advogados entre si hajam mantido, não estabelece uma proibição genérica de revelação ou de junção a processos de correspondência trocada entre advogados em representação dos seus mandantes, só integrando a previsão do preceito aquela em relação à qual o seu remetente tenha, de forma clara, expressado a sua intenção de a cobrir com o manto da confidencialidade (cfr. o n.º 1), sendo ainda necessário que contenha informação sigilosa.
Conforme entendimento persistentemente defendido pelos Conselhos Regionais, aqui se seguindo de perto o parecer n.º 12/PP/2022-C, que se pronunciou sobre uma troca de emails com conteúdo similar àqueles que aqui nos ocupam, e com o qual concordamos, se “quanto aos factos sigilosos de que um Advogado tenha conhecimento direta ou indiretamente, no exercício das suas funções, ou por causa delas, rege a regra da absoluta confidencialidade”, “a expressão «factos sigilosos» não é inocente, pois que haverá sempre que efectuar uma interpretação restritiva da norma do artigo 92.º, n.º 1, do EOA. É pacífico, nomeadamente na jurisprudência da Ordem dos Advogados, que só quando estiver em causa um facto que obrigue a reserva é que o advogado estará sujeito ao dever de segredo, já que nem tudo que é dado a conhecer àquele terá esse carácter de confidência. Só os factos que, pelo seu teor, a fonte, as próprias circunstâncias do conhecimento, se consideram imbuídos numa matriz de confiança, é que integram o conceito de «factos sigilosos»”.
Deste modo, e conforme se refere no mesmo parecer, “apenas está sujeita a sigilo profissional a correspondência trocada entre mandatários quando se verifique que do seu conteúdo, tendo em conta a relação de confiança existente entre as partes quanto à reserva dos factos transmitidos exista um interesse objectivo em que esses factos se mantivessem reservados” (é nosso o destaque em itálico).
Depois, exige a lei que o advogado exprima claramente a intenção de sujeitar as comunicações ao regime especialmente protegido de confidencialidade consagrado no preceito em análise, não sendo bastante para tal, como se fez notar no mencionado parecer “(…) A simples referência no “template” do mail ao conteúdo confidencial da comunicação”.
Revertendo ao caso dos autos, afigura-se que nas comunicações aqui em causa, cujo conteúdo se deixou, no essencial, reflectido nos factos provados, nada é revelado que a agora apelante tivesse objectivamente interesse em manter em segredo, e tanto assim que a sua versão dos factos, tal como resulta das aludidas comunicações, coincide com aquela que se encontra plasmado na contestação que apresentou (cfr. o artigo 17.º, no qual remete para os artigos 10.º a 79.º da contestação apresentada pela “…”). Acresce que das comunicações foi dado conhecimento pela própria recorrente, não só a pessoas que a apelada identificou como fazendo parte do CA da primeira, como a outras, cuja relação com a apelante se desconhece qual seja, contrariando a intenção de confidencialidade que agora pretende ter manifestado.
Por último, a mera aposição genérica, em letras miúdas, de uma menção de confidencialidade, fora do corpo da mensagem transmitida pelo advogado à contraparte e abaixo da assinatura do declarante, fazendo uso de um endereço electrónico que nem sequer é o oficial, atribuído pela Ordem, não satisfaz a exigência legal de que a intenção de atribuir carácter confidencial à correspondência trocada seja declarada de forma expressa e clara, conforme a formula o artigo 113.º, no seu n.º 1[8], impondo-se concluir que não estamos perante correspondência que beneficie da protecção reforçada consagrada neste preceito.
Remanesce, contudo, a questão de saber se ocorreu violação do dever de segredo, consagrado genericamente, conforme se referiu já, no artigo 92.º, aqui com a possibilidade de ser obtida a dispensa nos termos do n.º 4. A resposta é, também aqui, negativa, conforme se tinha já antecipado, atendendo a que a natureza sigilosa da informação revelada na correspondência é, como vimos, também requisito da aplicação do artigo 113.º. Reforcemos, no entanto, os fundamentos aduzidos em abono do entendimento expresso.
Resulta do conteúdo das comunicações trocadas que as partes, representadas pelas Ilustres advogadas (…) e (…), aludiram efectivamente a um eventual acordo extra judicial, sendo que o seu teor chegou ao conhecimento da Ilustre Mandatária dos AA neste processo, Dr.ª (…), através daquela colega. E se o dever de segredo consagrado na alínea c) do n.º 1 do artigo 92.º não abrangerá todos os factos “referentes a assuntos profissionais comunicados por colega ao qual esteja associado ou preste colaboração”, porque nem todos eles serão sigilosos, com o sentido antes mencionado, especial atenção merecerão naturalmente aqueles que tenham vindo ao conhecimento do colega durante negociações para acordo, ainda que malogradas (cfr. alíneas e) e f) [---]
Começa por esclarecer-se que, conforme esclarece o STJ no acórdão de 5 de Maio de 2022 (proferido no processo n.º 126/20.4T8OAZ-A.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt) “(…) nem tudo o que se passa num processo negocial auto-compositivo se encontra coberto pelo sigilo imposto no artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados”. Desde logo, e como ali também se refere[10], nada impede a invocação em juízo da existência anterior de negociações malogradas, abrangendo o dever de sigilo os factos que o advogado tivesse conhecimento no âmbito dessas negociações. E se, como também se adverte, a “referência a “factos” nas alíneas e) e f) do artigo 2.º do Estatuto da Ordem dos Advogados é feita com um sentido amplo, não abrangendo exclusivamente os que correspondem a declarações de ciência, estando também cobertos pelo dever de sigilo as denominadas declarações de vontade emitidas naquele ambiente conciliatório”, certo é que, em nosso entender, a proibição de revelação incidirá apenas sobre “aqueles que tenham vindo ao seu [do advogado] conhecimento em situação tal que, pela relação de confiança criada com o respectivo cliente, seja indesculpável deontologicamente a sua revelação” (da decisão singular proferida 24/9/2018, no processo n.º 868/17.1T8PRT-B.P1, ainda acessível em www.dgsi.pt).
Neste mesmo sentido, decidiu este TRE, em acórdão de 8 de Junho de 2021 (processo n.º 1400/19.8T9EVR-A.E1, acessível em ww.dgsi.pt) que a expressão “negociações” empregue nas alíneas e) e f), do artigo 92.º do EOA (…), deve ser interpretada no sentido de haver uma “orientação para um compromisso”, em que cada uma das partes tem a possibilidade de expor à outra as suas preocupações e a sua ordem de prioridades e, correlativamente, apresenta-se disposta a abdicar de determinadas condições para viabilizar um acordo ou obter concessões.
Assim, estará sujeita a sigilo profissional do advogado, a correspondência trocada entre mandatários, entre o mandatário e o respetivo cliente ou a parte contrária ou o respetivo representante, quando se reportem aos termos de negociações havidas ou em que hajam sido revelados factos ao Advogado ou este deles tomou conhecimento, que pela sua natureza seja de presumir que quem os confiou ou deu a conhecer ao Advogado, tinha um interesse «objetivamente fundado», em que se mantivessem reservados e não fossem revelados”.
Devendo a referência a factos constante do artigo 92.º ser interpretada nos termos que se deixaram explanados, incidindo apenas – e ainda que mencionados no contexto de negociações que se malograram – sobre aqueles cuja revelação viole a relação de confiança estabelecida entre o cliente e o advogado a quem os confiou, sendo de reconhecer um interesse objectivo e fundado na sua reserva – critério operativo a adoptar –, não se vê que do conteúdo das comunicações trocadas entre as Ilustres Mandatárias e que foram juntas aos autos constem quaisquer factos sigilosos, porquanto nelas a agora apelante se limita a declarar e reafirmar, pela mão da sua advogada, que não aceita qualquer responsabilidade pelos danos sofridos pelo autora (…), refutando a versão dos factos que por este foi fornecida. E ainda que a dada altura tenha manifestado abertura para negociações, a fim de evitar um litígio custoso para ambas as partes, pedindo ao autor para apresentar uma proposta (cfr. email referido no ponto 9), em parte alguma se mostrou disponível para aceitar a mesma ou contrariou a versão antes apresentada a qual, de resto, trouxe aos autos na sua contestação.
Em conclusão, não estando em causa informação sigilosa, a junção como meio de prova da correspondência electrónica trocada não constitui infracção ao disposto no n.º 5 do artigo 92.º, impondo-se confirmar, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente, a decisão recorrida."
[MTS]