05/09/2024

Jurisprudência 2023 (229)

 
Impugnação da matéria de facto;
alargamento do prazo de recurso*

 
I. O sumário de RG 19/12/2023 (5540/19.5T8VNF.G1) é o seguinte:

1- Sempre que a condenação como litigante de má fé esteja contida numa das decisões previstas no n.º 1 do art. 644º do CPC, o prazo para interposição de recurso é de trinta dias, a que acresce o prazo de dez dias quando o recurso tiver por objeto a impugnação do julgamento da matéria de facto com fundamento em prova gravada.
 
2- Para que o recorrente beneficie do prazo adicional de dez dias basta que demonstre nas alegações de recurso ser sua vontade impugnar o julgamento da matéria de facto com fundamento em prova gravada (v.g. nas alegações de recurso procede à transcrição de excertos de prova pessoal produzida em audiência final gravada e extrai desses excertos determinadas ilações fácticas que pretende serem contrárias à facticidade julgada provada e não provada na sentença, sem que proceda a qualquer especificação sobre os concretos pontos desta em relação aos quais se verifica essa pretensa contrariedade), independentemente de cumprir (ou não) com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º do CPC.
 
3- A valoração em sede de julgamento de matéria de facto de prova proibida, nomeadamente, de depoimento prestado por testemunha que é advogado e que depôs quanto a factos de que tomou conhecimento no exercício dessa atividade, sem prévia dispensa do sigilo profissional a que legalmente se encontra adstrita, não determina a nulidade da sentença, mas trata-se de vício que se projeta no julgamento da matéria de facto e que terá de ser superado pela Relação fazendo uso dos seus poderes de substituição ou de cassação do julgamento da matéria de facto, nos termos dos arts. 662º, n.ºs 1 e 2 e 665º, n.º 1 do CPC.
 
4- Na litigância de má fé condena-se o litigante pelo seu comportamento processual malicioso e desleal, em virtude daquele, com dolo ou negligência grosseira, ter abusado do direito de ação (a propositura da ação ou a dedução da defesa encontram-se ab initio viciadas) ou ter feito uma utilização maliciosa e desleal dos meios processuais colocados ao seu dispor (a propositura da ação ou a dedução da defesa eram fundadas, havendo realmente um conflito de interesses a ser solucionado, mas os pleiteantes, no decurso do processo, fazem um uso reprovável dos mecanismos processuais, nomeadamente, com vista a dificultar a descoberta da verdade material ou para protelar o processo), desviando-os das finalidades e interesses para os quais foram concebidos e concedidos pelo legislador, que é a justa resolução de um litígio em tempo útil.
 
5- A concessão de indemnização ao lesado por litigância de má fé está dependente daquele formular pedido indemnizatório contra o litigante de má fé.
 
6- Nos casos em que o lesado tenha pedido a condenação do litigante de má fé a pagar-lhe indemnização por via dos prejuízos que sofreu em consequência desse seu comportamento processual desleal e malicioso, sem que tenha alegado os concretos prejuízos que sofreu em consequência dessa conduta do litigante de má fé, cumpre ao tribunal, nos termos do n.º 3 do art. 543º do CPC, notificá-lo para que alegue esses concretos prejuízos e carreie os respetivos elementos de prova, para após contraditório e produção da prova que venha a ser indicadas pelas partes, se profira decisão fixando o quantum indemnizatório ao lesado.


II. Na fundamentação do (multifacetado) acórdão afirma-se o seguinte:

"A- Da (in)tempestividade da interposição do recurso.
 
A sentença sob sindicância foi proferida em 03/06/2023 e foi notificada aos mandatários das partes via Citius, em 05/06/2023, tendo a apelante interposto recurso dessa sentença por requerimento entrado em juízo em 04/09/2023 – cfr. processo eletrónico.
 
Os apelados DD e EE suscitam a questão prévia da intempestividade do recurso interposto pela apelante alegando que tendo esta restringido o objeto do recurso à sua condenação como litigante de má fé, “tratando-se pois de recurso sobre matéria de direito, o prazo de 30 dias” para aquela interpor o presente recurso “terminou em 10 de julho de 2023, já contados os três dias da presunção da notificação eletrónica via Citius mais três dias de multa”, pelo que o presente recurso é extemporâneo, impondo-se a sua imediata rejeição.
 
Vejamos se assiste razão aos recorrentes.
 
Lidas as alegações de recurso é incontroverso que a apelante restringiu o objeto do presente recurso à condenação daquela como litigante de má fé, o que, todavia, não significa que a mesma tenha restringido o objeto desse recurso a uma mera questão de direito.
 
Nos termos do disposto no n.º 3, do art. 542º do CPC, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé, estando-se aqui perante uma clara exceção ao princípio regra fixado no art. 541º do mesmo Código segundo o qual, salvo as exceções previstas nos seus n.ºs 2 e 3, o recurso ordinário está dependente da verificação de dois pressupostos legais cumulativos, a saber: a) o valor da causa, que tem de ser superior à alçada do tribunal de que se recorre; e o b) da sucumbência, por via do qual a decisão impugnada tem de ser desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.
 
Essa exceção ao princípio regra radica na dignidade da pessoa humana proclamado pelo art. 1º da Constituição da República Portuguesa como princípio angular do ordenamento jurídico nacional, tendo presente que a condenação como litigante de má fé, para além das implicações económicas para a parte que dela seja objeto, tem uma significado fortemente estigmatizante na medida em que tem subjacente que o condenado como litigante de má fé, com dolo ou negligência grosseira, violou o dever de boa fé processual que lhe é imposto pelo art. 8º do CPC, ao fazer uma utilização abusiva e maliciosa do processo e/ou dos meios processuais que são colocados pelo ordenamento jurídico processual ao seu dispor para exercer os seus direitos e  legítimos interesses e, nessa medida, a condenação injusta da parte como litigante de má fé fere necessariamente a sua dignidade enquanto pessoa humana, compreendendo-se, por isso, que pelas consequências gravosas imanentes a semelhante condenação seja sempre admissível recurso da decisão condenatória como litigante de má fé.
 
Note-se, porém, que conforme decorre do n.º 1 do referido art. 542º, o recurso da decisão condenatória como litigante de má fé apenas é admissível em um grau, o que significa, por um lado, que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, a parte condenada como litigante de má fé pode sempre interpor recurso dessa decisão que a condenou como litigante de má fé para o tribunal da Relação, e caso seja o tribunal da Relação a condenar, pela primeira vez, uma ou ambas as partes como litigantes de má fé, essa decisão condenatória admite sempre recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, mas, por outro lado, sendo interposto recurso para a Relação da decisão da 1ª Instância de condenação como litigante de má fé, o acórdão da Relação que venha a recair sobre esse recurso, ainda que o valor da ação supere a alçada da Relação não pode ser objeto de recurso de revista para o STJ [Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 617, onde expendem que: “Da decisão condenatória nesta sede é sempre admissível recurso em um grau, independentemente do valor da causa. Mas constitui jurisprudência corrente no Supremo que a recorribilidade apenas está assegurada num grau, independentemente do valor (STJ 16-1-14, 1279/08, STJ 27-7-10, 5387/05, STJ 19-02-08, 07A2669 e Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 5º ed., p. 65). Ou seja, a decisão proferida em 1ª instância admite sempre recurso de apelação relativamente à condenação em litigância de má fé, assim como ocorre se a condenação for decidida pela Relação. Ainda que o valor da ação supere alçada da Relação, a parte que tenha sido penalizada não pode interpor recurso de revista que abarque essa questão, regime que compatibiliza a tutela do visado (carecida, nesta parte, de um duplo grau de jurisdição), com a natureza marginal da questão”; Ac. STJ., de 23/11/2023, Proc. 2930/18.4T8BRG.G1.S2-1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos a que se venha a fazer referência sem menção em contrário.]
 
Acresce precisar que, sendo a decisão de condenação como litigante de má fé uma condenação estritamente processual em que apenas se pune a ilicitude da violação de deveres processuais decorrente do litigante ter abusado do processo ou dos mecanismos processuais que a lei coloca ao seu dispor com determinada finalidade, desviando-os dessas finalidades para a prossecução de interesses diversos daqueles que lhes estão imanentes, violando com essa sua conduta processual deveres de lealdade, colaboração e probidade para com a parte contrária e o tribunal, quando a condenação como litigante de má fé estiver contida numa decisão proferida em 1ª Instância, que tenha posto termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente (cfr. al. a), o n.º 1, do art. 644º do CPC), nomeadamente, como acontece no caso sobre que versam os autos, numa sentença, ou em despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos (cfr. al. b), do n.º 1, do mesmo art. 644º), porque destas decisões cabe recurso de apelação e a condenação como litigante de má fé está nelas integrada, o prazo de interposição de recurso da decisão condenatória como litigante de má fé não é o de quinze dias previsto para as decisões interlocutórias nos arts. 644º, n.º 2, al. e) e  638º, n.º 1, parte final, do CPC, mas sim o de 30 dias, previsto na primeira parte do n.º 1 do referido art. 638º. É que, nesses casos, a decisão condenatória como litigante de má fé não configura nem se integra numa decisão interlocutória, mas antes numa das decisões previstas no n.º 1 do art. 644º, das quais cabe recurso de apelação [Acs. STJ., de 21/11/2019, Proc. 1986/06.TVLSB-C.L1.S2; RE., de 17/06/2021, Proc. 21792/15.7T8LSB-A.E1.]

 No caso dos autos, a condenação da apelante como litigante de má fé integra-se na sentença proferida no âmbito dos presentes autos, pelo que o prazo para a interposição de recurso da decisão que a condena como litigante de má fé é de trinta dias, o que é, de resto, aceite pelos apelados.
 
A esse prazo de 30 dias acresce, nos termos do n.º 7, do art. 638º do CPC, o prazo de dez dias sempre que “o recurso tiver por objeto a reapreciação de prova gravada”.
 
Note-se que o único requisito para a aplicação deste prazo adicional de dez dias é que o recurso tenha por objeto a impugnação da decisão da matéria de facto tendo por base depoimentos gravados, independentemente de o recorrente ter cumprido (ou não) com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC.
 
Com efeito, o alargamento do prazo de recurso nessa específica situação tem subjacente que, tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto em que essa impugnação assenta em prova gravada, o recorrente enfrenta dificuldades acrescidas em cumprir com o ónus de apresentação de alegação, uma vez que para que cumpra com esse ónus tem de ter acesso, desde logo, ao conteúdo da gravação, o que naturalmente implica um maior dispêndio de tempo.
 
Ou seja, o aproveitamento da extensão do prazo de recurso de dez dias não depende do mérito da impugnação da decisão da matéria de facto com base em prova que tenha sido gravada, mas basta-se  com o facto de o recorrente demonstrar nas alegações de recurso a vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada, procedendo nas alegações de recurso a essa impugnação com base na prova pessoal que tenha sido produzida e que se encontre gravada, independentemente de cumprir (ou não) com os ónus formais previsto nos art. 640º para que seja consentido ao tribunal da Relação entrar na apreciação dessa impugnação do julgamento da matéria de facto que opera.
 
Dito por outras palavras, para que o recorrente beneficie do prazo adicional de dez dias para a interposição do recurso é suficiente que “a peça que define o objeto do recurso, contenha alguma impugnação da decisão proferida acerca da matéria de facto a partir da reponderação de meios de prova que, tendo sido prestados oralmente, tenham ficado registados, independentemente do juízo que ulteriormente seja feito acerca do cumprimento do ónus de indicação das passagens da gravação ou de qualquer outro requisito previsto no art. 640º. A apreciação do modo como foram preenchidos os ónus de alegação contidos neste preceito poderão naturalmente condicionar o conhecimento de tal impugnação, mas não colocam em crise a tempestividade do recurso de apelação que, naquelas condições, tenha sido apresentado dentro do prazo alargado [Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, ob. cit., pág. 793. No mesmo sentido Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, págs. 138 a 141; Acs. STJ., de 28/04/2016, Proc. 10006/12.2TBPRD.P1.S1; de 22/10/2015, proc. 2394/11.3TBVCT.G1.S1;R.P., de 11/02/2021, Proc. 1924/18.4T8AMT.P1]
 
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, conforme antedito, a sentença recorrida que condenou a apelante como litigante de má fé foi proferida em 03/06/2023 e foi notificada ao mandatário daquela via Citius, em 05/06/2023 (vide processo eletrónico), pelo que, nos termos do disposto nos arts. 247º, n.º 1 e 248º do CPC, presume-se que a apelante foi notificada da sentença recorrida em 09/06/2023 (08/06 foi feriado).
 
Compulsadas as alegações de recurso apresentadas pela recorrente verifica-se que esta, na motivação, começou por transcrever um excerto das declarações de parte que prestou em audiência final e concluiu que: “Das transcrições imediatamente supra decorre uma conclusão perentória: a recorrente pretendia o reconhecimento da sua propriedade de um fio de ouro do seu pai e, consequentemente, a sua entrega” e estava “convicta de ter licitado e comprado aquele objeto: um fio do seu pai”. Aduz que o “cerne da questão” a decidir no âmbito dos presentes autos “prende-se com as características objetivas e físicas desse fio e, bem assim do que seria realmente do pai da recorrente” (cfr. pontos III, IV, VII e IX da motivação do recurso).
 
Após a apelante transcreveu um outro excerto das declarações de parte que prestou e concluiu que: “incompreensivelmente, o tribunal a quo faz tábua rasa de toda a versão dos factos trazida pela Recorrente, desconsiderando inclusivamente as declarações imediatamente prestadas, sem ordenar qualquer diligência de prova justificativa desse sentido decisório, nomeadamente através do princípio do art. 6º do CPC” (cfr. pontos X e XI da motivação do recurso).
 
No ponto XII da mesma motivação do recurso que apresentou, a apelante insurge-se contra o facto da 1ª Instância ter dado como provado que aquela faz um “uso abusivo do apoio judiciário” – cfr. ponto 34º da facticidade julgada provada na sentença sob sindicância -, sustentando que a 1ª Instância “contradiz-se”, na medida em que deu “parcialmente provimento aos pedidos feitos pela autora”, pelo que, na sua perspetiva, aquele facto julgado provado se revela “incompreensível e contraditório” com a dita decisão em que julgou parcialmente procedente a presente ação.
 
Sendo as conclusões de recurso que, por via do disposto no n.º 4 do art. 635º do CPC, delimitam o âmbito de cognição do tribunal ad quem [---] nelas a apelante escreveu o seguinte:
 
“3.º- Das transcrições feitas no anterior capítulo de alegações decorre uma conclusão perentória e pacífica: a Recorrente pretendia o reconhecimento da sua propriedade de um fio de ouro do seu pai e, consequentemente, a sua entrega.
6.º - Das transcrições presentes no capítulo anterior, resulta também pacificamente que a Recorrente estaria convicta de ter licitado aquele objeto: um fio do seu pai.
7.º - Quanto ao fio de ouro, é pacífico para o tribunal a quo que este é propriedade da Recorrente.
8.º - O cerne da questão prende-se com as características objetivas e físicas desse fio, bem assim de que seria realmente do pai da Recorrente.
9.º- O tribunal a quo faz “tábua rasa” de toda a versão dos factos trazida pela Recorrente, desconsiderando inclusivamente as declarações prestadas por aquela, sem ordenar qualquer diligência de prova justificativa desse sentido decisório, nomeadamente através dos princípios dos artigos 6.º e/ou 411.º, ambos do Código de Processo Civil.
10.º- De forma que não se compreende, o tribunal a quo contradiz-se dando parcial provimento aos pedidos feitos pela autora e, de forma incompreensível e contraditória, condena-a em litigante de má-fé, afirmando que todo este processo foi um “uso abusivo do apoio judiciário, por parte da ora Autora, a qual litiga contra os Réus de modo e frequência crónicos”, cfr. página 15 da sentença.
11.º - Tanto que no último parágrafo da página 25 da sentença em crise, diz o tribunal de primeira instância corrobora e concretiza precisamente essa contradição. 
12.º - Atente-se que não ficou provada a inexistência do fio de ouro que a Recorrente reclamava (aquele que era do seu pai), mas sim não ficou provada a sua existência.
13.º - Repare-se que conforme resulta dos autos e está retratado na página 21 da sentença a quo, a Recorrente tinha a convicção de que, no processo de inventário, estaria a licitar o fio de ouro do seu pai e não o da sua mãe, retratado também na fotografia referida naquela página da sentença.
14.º - O que levou o tribunal a quo a concluir que desde sempre só houvera um único fio de ouro.

De onde resulta, salvo melhor opinião, que a apelante pretende impugnar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância no sentido de que se julgue provado que instaurou a presente ação reivindicando aquele que fora o fio em ouro de seu pai, sua propriedade, em virtude de o ter licitado no âmbito do processo de inventário que correu termos por óbito de seu pai, onde esse fio lhe foi adjudicado, por sentença homologatória de partilha transitada em julgado, convicta de que esse fio não era aquele que os apelados quiseram entregar-lhe e que esta se recusou a receber, alicerçando essa impugnação do julgamento da matéria de facto em prova gravada, mais concretamente, nos excertos das declarações de parte que prestou em audiência final e que transcreveu, assim se compreendendo, aliás, a transcrição desses excertos que outra valia não teriam que não fosse a de servirem de fundamento à impugnação do julgamento da matéria de facto que opera.
 
De resto, ao impugnar com os enunciados fundamentos – os excertos das declarações de parte que transcreveu – a pretensa facticidade julgada provada pela 1ª Instância no ponto 34º da sentença sob sindicância (em que se julgou como provado que: “34. É notório o uso abusivo do apoio judiciário, por parte da ora Autora, a qual litiga contra os Réus de modo e frequência crónicos”), é indiscutível que, independentemente de cumprir (ou não) com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC (o que não releva nesta sede), a apelante pretende realmente impugnar o julgamento da matéria de facto com fundamento em prova gravada, a saber: os excertos das declarações de parte que prestou e que transcreve.
 
Por conseguinte, salvo melhor opinião, ao prazo de trinta dias que o n.º 1 do art. 638º do CPC lhe reconhece para que recorra da sentença sob sindicância, onde, além do mais, se condenou aquela como litigante de má fé, acresce, nos termos do n.º 7 desse mesmo preceito, o prazo adicional de dez dias.
 
Daí que, presumindo-se a apelante notificada da sentença sob sindicância em 09/06/2023, o prazo de 30 dias, acrescido do prazo adicional de 10 dias, para a mesma interpor recurso daquela terminou em 05/09/2023.
 
Ora, tendo a apelante interposto recurso da sentença sob sindicância em 04/09/2023 – vide processo eletrónico -, contrariamente ao entendimento sufragada pelos apelados, o recurso interposto pela apelante revela-se tempestivo."


*III. [Comentário] O que consta do n.º 2 do sumário não reproduz fielmente o que consta do acórdão. O que neste se afirma é que o disposto no art. 640.º CPC exige apenas a impugnação da matéria de facto, qualquer que venha a ser o julgamento do tribunal ad quem sobre o mérito dessa impugnação ([...]
"o aproveitamento da extensão do prazo de recurso de dez dias não depende do mérito da impugnação da decisão da matéria de facto com base em prova que tenha sido gravada [...]"). Isto é, evidentemente, correcto, atenta a distinção entre a admissibilidade e o mérito do recurso.

MTS