Documentos electrónicos;
emails; valor probatório
1. O sumário de RG 18/1/2024 (4148/16.1T8VCT-D.G1) é o seguinte:
I- A nova realidade da prova eletrónica ou documentos eletrónicos não colide e subsume-se à noção de documento emergente do art. 362º do CC, com a particularidade de que esta prova eletrónica tanto pode ser objeto de prova, como meio de prova, como ambos simultaneamente: pode ser objeto de prova se cuidarmos de provar um facto eletrónico, v.g., o envio de um correio eletrónico; pode ser um meio de prova quando, por exemplo, o remetente de um correio eletrónico reconhece ou assume algum ato ou facto, pelo que neste caso, prova-se eletronicamente um facto: no caso sub judicio, provou-se que a requerida proibiu a partir de maio de 2022 contactos e visitas do pai com a filha, conforme o teor dos emails juntos e elencados nos factos provados.
II- No exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio o tribunal deverá decidir sempre de harmonia com o interesse do menor.
III- Se numa situação de incumprimento do regime de visitas, a menor, de 14 anos de idade, se recusa ao convívio com o pai, esses contactos não lhe devem ser impostos pelo tribunal, forçando-a a um convívio não desejado;
IV- No entanto, tendo-se demonstrado que a mãe, como progenitor guardião, obstaculizou os contactos da menor com o pai, por diversos fins de semana e desde maio de 2022, incumprindo o regime de visitas, sem que para tal conduta conste qualquer justificação é de considerar culposa e ilícita aquela sua atuação, desde logo porque ocorreu sem causa justificativa, merecendo, por isso, um juízo de censura que justifica a sua condenação em multa (artigo 41º, nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e 27º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais).
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"O tribunal fundamentou da seguinte forma: “ O teor dos emails dos pontos 10 a 17 resultam dos documentos juntos pelo pai requerente com o requerimento inicial, e não foram impugnados pela mãe”.
A recorrida pretende a eliminação de tais pontos de facto dados como provados e alega que “os pontos 10 a 17º dos factos provados reproduzem transcrições de documentos juntos, os quais são meios de prova e não são factos alegados, pelo que ao retirar tais factos dos documentos, o tribunal viola o princípio do contraditório e do processo justo e equitativo”.
Vejamos.
Ora, resulta do requerimento inicial que o requerente (progenitor) alega, quanto ao incumprimento das visitas da filha DD no seu art. 8º o seguinte:
“Recentemente, proibiu os contactos com a sua filha DD, conforme email que se junta, onde se verifica a recusa da progenitora de entrega e visita da menor para que esta passasse o tempo de fim-de-semana com o progenitor alegando factos torpes e falsos como justificação á recusa.”
Ou seja, o requerente alega que a requerida proibiu os contactos com a sua filha DD, conforme o teor dos emails que juntou, donde se verifica a recusa da entrega da menor para passar o fim de semana com o progenitor.
O tribunal a quo optou por nos pontos 10 a 17º dar como provado o teor dos emails, ou seja, o conteúdo dos mesmos, respetivamente, em relação ao seu autor e data de envio, e todos estes elementos, na verdade, não foram impugnados e, por outro lado, constam da alegação aduzida naquele art. 8º do requerimento inicial, pelo que não existe qualquer violação do princípio do contraditório quando os mesmos estão elencados nos factos provados, porquanto resultam da alegação aduzida pelo requerente e cuja autoria não foi colocada em causa, e é assumida por ambas as partes no conteúdo respetivo.
Repare-se que estamos perante prova eletrónica ou documentos eletrónicos, mas esta nova realidade não colide e subsume-se à noção de documento emergente do art. 362º do CC.
“A particularidade da prova eletrónica é que a mesma tanto pode ser objeto de prova, como meio de prova, como ambos simultaneamente. Pode ser objeto de prova se cuidarmos de provar um facto eletrónico, v.g., o envio de um correio eletrónico. Pode ser um meio de prova quando, por exemplo, o remetente de um correio eletrónico reconhece o pagamento de uma fatura. Neste caso, prova-se eletronicamente um facto. Finalmente, pode ser objeto e meio de prova concomitantemente quando, por exemplo, se cuida de apurar a celebração de um contrato a partir de correios eletrónicos tocados a partir de dois computadores. Nesta última eventualidade, ocorre a prova eletrónica de um facto eletrónico. (…)
Quer o documento analógico quer o documento eletrónico….inserem-se no género documento (…)
A força probatória de qualquer deles ancora-se nas garantias que os mesmos oferecem quanto à inalterabilidade do conteúdo e à identificação do autor” [In “ O Valor Probatório do Documento Eletrónico no Processo Civil”, de Luís Filipe Pires de Sousa, p. 32 a 34.]
No caso vertente, estamos perante cópias analógicas (por extratos, no sentido de que impressão é uma mera cópia) de um documento eletrónico, porém têm a mesma força probatória do respetivo original cfr. art. 5ºA do RJDEAD, na redação dada pelo DL 66-A/2022, de 30-09).
Tendo presentes estas considerações, e volvendo ao caso sub judicio, diremos que é inquestionável que à Recorrente assiste toda a razão quando alega que os documentos não são factos, mas meros meios de prova de factos.
Sem embargo, já não lhe assiste razão ao sustentar, implicitamente, que não seria lícito à juiz a quo reproduzir o conteúdo dos documentos eletrónicos, quando na alegação aduzida na petição inicial são os mesmos aludidos para que se conclua pela prova de um outro facto: de que a requerida proibiu os contactos da filha DD com o pai e, explicitamente, conforme ressuma do conteúdo de tais emails enviados pela recorrida ao recorrente, pelo que além do conteúdo dos mesmos ser de se manter, ainda restará a este tribunal ad quem, conforme infra se analisará, determinar a ampliação da matéria de facto e que foi omitida pelo tribunal a quo, falha essa ainda possível de ser colmatada.
Dito de outro modo: o que foi dado como provado foi o conteúdo – e apenas em parte - que está ínsito nos documentos, que não os próprios documentos.
Agora, entendemos, outrossim, que o tribunal a quo não se pronunciou sobre o facto alegado no artigo 8º e que tais emails comprovam, por declaração explícita da própria requerida/recorrente e que outra interpretação não se perfila, dentro das regras da experiência comum e comportamentos normais: “ a requerida proibiu os contactos do pai com a filha DD, conforme os emails juntos onde se verifica a recusa da progenitora de entrega e visita da menor para que esta passasse o tempo de fim-de-semana com o progenitor”.
Ora, este Tribunal da Relação deve ampliar e corrigir oficiosamente a matéria de facto fixada e decidida na 1ª instância, nomeadamente:
a) Quando existir matéria de facto plenamente provada por documento (art.371º do CC), por confissão (art.567º/1 do CPC), por acordo das partes (arts. 574º/2 e 587º/1 do CPC), não considerada na decisão da 1ª instância, e que seja relevante para a apreciação do objeto do recurso, de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito, nos termos do art.663º/2 do CPC, em referência ao art.607º/4-2ª parte do CPC.
b) Quando a decisão da matéria provada incorrer em obscuridade ou deficiência e o processo dispuser de elementos suficientes no processo que permitam ao Tribunal superior suprir as irregularidades e apreciar a matéria alegada e não sujeita a prova, nos termos do art. 662º/3-c) do CPC.
Assim sendo e em face do exposto, aditar-se-á à matéria de facto provada, uma vez que ressuma do teor dos documentos, nomeadamente os da autoria da requerida nos termos dos quais a mesma reafirma e assume, de forma explicita e inequívoca - seja em 07-05, seja em 12-05 - que “ a partir de hoje a DD não vai estar contigo nas visitas que estão marcadas”, o seguinte facto provado, com a enumeração 22º:
“a requerida proibiu os contactos do pai com a filha DD, conforme os emails constantes dos pontos 10º a 17º, recusando a progenitora a entrega e visita da menor para que esta passasse o tempo de fim-de-semana com o progenitor”."
[MTS]