31/10/2024

Jurisprudência 2024 (38)


Processo de inventário;
emenda da partilha; dever de colação


1. O sumário de RC 6/2/2024 (51/14.8T8MBR-G.C1) é o seguinte:

Intentada partilha adicional de bens em sede de inventário, proferida decisão transitada em julgado que considerou serem estes bens propriedade de um dos herdeiros por adquiridos por usucapião após doação dos inventariados, a improcedência deste incidente não obsta à dedução e apreciação de pedido de emenda da partilha já realizada, com fundamento na existência do dever de colação deste herdeiro.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Funda o recorrente a sua discordância quanto à decisão proferida nos autos que declarou extinta a instância do incidente de partilha adicional, por inutilidade da lide, por entender que, não podendo estes bens ser objecto de partilha adicional, deve, ainda assim, ser levado o seu valor à colação, por adquiridos por usucapião pelo interessado BB, na sequência de doação dos seus avós, autores da herança.

Decidindo

Alega o recorrente que se mantém intocado o direito de os demais herdeiros exigirem a colação de bens doados a um dos herdeiros e por este adquiridos por usucapião, mais considerando que “a falta de conferência destes bens no inventário, prejudica de forma inaceitável e é fundamento de erro quanto às decisões tomadas no mesmo inventário por todos os demais herdeiros o que resulta de imediato do simples cotejo dos valores dos imóveis urbanos doados ao interessado / Recorrido BB que totalizam mais de € 71.150,00 €. E que embora estes bens não possam ser agora partilhados, “tal não significa que não deverão ser levados, nos termos legais, à colação e à conferência pela imputação do seu valor, por se estar em tempo útil e com todas as consequências legais.”, requerendo afinal que seja admitida a partilha adicional e a consequente emenda á partilha.”

O requerimento de partilha adicional de bens entrou em juízo em 2015, pelo que lhe é aplicável o Regime Jurídico do Processo de Inventário (Lei 23/2013 de 5 de Março, entretanto revogada pela Lei 117/2019, de 13 de Setembro, com entrada em vigor a 1 de Setembro de 2020) que, no essencial, dispunha no seu artº 75, nº 1, que “Quando se reconheça, depois de feita a partilha, que houve omissão de alguns bens, procede-se no mesmo processo a partilha adicional”.

Decorre deste normativo que a partilha adicional de bens, destina-se a efectivar a partilha de bens cujo conhecimento advenha após a partilha já realizada e homologada por decisão judicial transitada em julgado, devendo efectuar-se no mesmo processo com aproveitamento dos elementos constantes dos autos, mas sendo absolutamente distinta e autónoma da anterior partilha. Constitui uma nova partilha, uma nova causa e só são objecto desta partilha os bens omitidos, independentemente das causas dessa omissão.

Como referem Teixeira de Sousa et al. [SOUSA, Miguel Teixeira de, REGO, Carlos Lopes, GERALDES, António S. Abrantes e TORRES, Pedro Pinheiro, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, 2021, Almedina, pág. 149, nota 5.], “…o incidente de partilha adicional respeita aos casos em que, na partilha realizada no processo de inventário, tenham sido omitidos alguns bens, independentemente dos motivos que a isso conduziram, quer dizer: em contraste com o que sucede na emenda e na anulação da partilha (…), não se atribui qualquer relevância ao erro, dolo ou à má fé de qualquer dos interessados…”.

Quer isto dizer que, como aliás reconhece o recorrente, a partilha adicional não se destina a emendar a partilha anteriormente feita, nem interfere com esta.  

Já a emenda da partilha, apenas pode ocorrer se, após o trânsito da sentença que homologou partilha anterior, se verificar que existiu “erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes”, desde que seja pedida em acção proposta “dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença” (artºs 70, nº1 e 71, nº1 do RJPI e 1126 do C.P.C., na actual redacção introduzida pela Lei 117/2019).

Como refere LOPES CARDOSO [CARDOSO, João António Lopes, Partilhas Judiciais, Vol.II, Almedina-Coimbra, 1990, páginas 545 e seguintes.], “Em princípio a sentença homologatória da partilha, transitada em julgado, põe termo ao inventário. Pode suceder, porém, que a partilha tenha lesado os interessados; estes, para se ressarcirem dos prejuízos, que, porventura, sofreram por via disso, só têm ao seu alcance, para além do recurso extraordinário de revisão, três meios específicos:

a) A emenda da partilha por acordo de todos eles;

b) Na falta de tal acordo, a acção para a emenda da partilha proposta dentro de um ano a contar do conhecimento do erro;

c) A ação para a anulação da partilha judicial.” [...]

Do acima exposto decorre que enquanto a partilha adicional visa partilhar bens da herança do de cujus, ainda não partilhados, a emenda à partilha visa corrigir situações de erro na partilha. Não são, assim, incidentes confundíveis, nem visam as mesmas finalidades.

Nestes termos, suspensa a partilha adicional até decisão sobre a propriedade destes bens, o trânsito em julgado da sentença que decidiu serem estes bens próprios do herdeiro e, assim, excluídos da partilha, determina, não a inutilidade da lide, conforme decidido pela decisão recorrida, mas antes a improcedência do pedido de partilha adicional de bens pertencente à herança dos primeiros inventariados, formulado pelo cabeça-de-casal, AA, cfr. decorre do artº 276, nº2 do C.P.C.

O que não significa que o pedido de sujeição a colação não possa ser feito no inventário, mormente a emenda da partilha já efectuada, nos termos previstos no artº 1126 do C.P.C.

O dever de colação é precisamente um dos casos que legitima o pedido de emenda da partilha, verificados os demais pressupostos constantes deste preceito legal e não lhe sendo oponível nenhuma excepção (nomeadamente a de caducidade do direito de a vir requerer). A colação visa, não a partilha de um novo bem, mas antes a igualação da partilha, mediante a restituição à herança dos bens (ou do seu valor) que foram doados em vida pelo autor da herança a um dos herdeiros legitimários. A ela só estão obrigados, in casu, os descendentes que eram, à data da doação presumíveis herdeiros legitimários do doador (cfr. artsº 2104, nº1 e 2105 do C.C.), sendo irrelevante que venham a assumir essa qualidade no momento da abertura da sucessão. Ora, o interessado BB integrava essa categoria, atenta a data do óbito do inventariado EE.

Tem por fundamento, conforme assinala DUARTE PINHEIRO [PINHEIRO, Jorge Duarte, O Direito das Sucessões Contemporâneo, Gestlegal, 5ª edição, 2022, pág. 304.], “uma presunção legal iuris tantum de que o autor da sucessão quando faz uma doação a um dos filhos (ou a outro descendente que, na altura, seja um sucessível legitimário prioritário) não pretende avantaja-lo relativamente aos demais.”

Já o artº 2108 do C.C. diz-nos que a colação, não existindo acordo de todos os herdeiros para a restituição dos bens doados, “faz-se pela imputação do valor da doação ou da importância das despesas na quota hereditária”, sendo este valor calculado à data da abertura da sucessão (artº 2019, nº1 do C.C.).

Se, em consonância com o já decidido em Acórdão proferido no Apenso F, se entende que a sentença proferida na que correu termos sob o nº 103/18...., “apenas obsta à partilha dos prédios a que respeita, “rectius”, em incidente de partilha adicional, não obstando a que os mesmos sejam considerados para efeitos de colação, ou, seja, em temos práticos, que o respectivo valor seja considerado para que se componham os quinhões de todos os interessados do inventário em termos de não se tolher o respectivo direito a uma partilha equilibrada, e, portanto, justa.”, esta colação constitui fundamento de emenda da partilha já realizada, não havendo lugar a esta operação no âmbito deste incidente de partilha adicional de bens.

Requerida a emenda da partilha para efeitos de colação, a decisão recorrida não se pronunciou, no entanto, sobre este requerimento do cabeça-de-casal, nem sobre a oposição que a ele foi deduzida pelo interessado BB, não tendo apreciado nenhuma das questões que nele se encontram colocadas, nomeadamente a caducidade oposta pelo interessado à requerida emenda da partilha.

Nessa medida, considerando que os bens indicados para partilha adicional estão sujeitos a colação, integrando o interessado BB a categoria dos herdeiros legitimários à data da doação, improcedendo embora o incidente de partilha adicional, devem os autos prosseguir para conhecimento do pedido de emenda da partilha com fundamento no dever de colação por parte do interessado BB e, dos termos da oposição que a ele foi deduzida."

[MTS]