08/05/2025

Jurisprudência 2024 (162)

Impugnação da matéria de facto;
ónus do recorrente; meios de prova*


1. O sumário de STJ 17/9/2024 (4667/20.5T8VIS.C1.S1) é o seguinte:

I – Tendo a revista por fundamento o (não) uso do poder de reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação, não ocorre a sobreposição decisória que caracteriza a dupla conformidade de julgados limitativa do recurso para o STJ.

II - A exigência legal imposta ao recorrente de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação”, indicando “com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, traduz-se na necessidade de se assinalar as passagens relevantes do depoimento, pelo que não se satisfaz com o consignar o início e o termo de cada depoimento considerado relevante para a alteração da matéria de facto visada.

IV – Não cumpre o ónus de especificação previsto na alínea b) do n.º1 do artigo 640.º do CPC, o recorrente que se limita a consignar a hora do início e do termo de cada depoimento, indicando uma súmula de excertos do teor de tais depoimentos.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

2. O direito [...]

2.2 Da violação do dever de reapreciação da matéria de facto

O tribunal recorrido rejeitou na apelação o conhecimento do recurso relativo à impugnação da matéria de facto tendo por fundamento o incumprimento pela Apelante do ónus de alegação previsto na alínea b) do n.º1 do artigo 640.º do CPC, ou seja, indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida.

Considerou o acórdão que a Recorrente “não menciona, na “fundamentação/corpo” da alegação de recurso ou nas respetivas “conclusões” (entendendo-se que seria suficiente a indicação/concretização na respetiva fundamentação), quaisquer passagens da gravação tidas como relevantes para a pretendida modificação da decisão sobre a matéria de facto, limitando-se a remeter para o tempo integral das declarações e dos depoimentos produzidos em audiência de julgamento [e a emitir o seu juízo conclusivo sobre o teor dos mesmos e/ou a indicar o que diz ser o respetivo “resumo” das “partes mais relevantes”/cf. fls. 206 verso], sendo que, e tratando-se de um procedimento facultativo, também não indica os excertos de tais depoimentos a relevar (…) ante o descrito regime jurídico, verifica-se, pois, ostensivo desrespeito das exigências claramente estabelecidas na lei sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, na medida em que o recorrente aparenta discordar do decidido, mas não indica “as passagens da gravação em que se funda o seu recurso”.

Foi ainda entendido pelo tribunal a quo, no que respeita à realização de outras diligências de prova a serem levadas a cabo, oficiosamente, pela Relação para dissipar dúvidas quanto à matéria de facto:

- “Acresce que se o Tribunal não pode ficar com dúvidas quando é possível saná-las com a realização de outras diligências de prova [devendo ordená-las oficiosamente, caso não tenham sido requeridas pelas partes, estando tal procedimento inserido nos amplos poderes-deveres conferidos pelos art.ºs 6º, 411º, 607º, n.º 1, 2ª parte, e 662º, n.º 2, alíneas a) e b)], verifica-se, contudo, por um lado, que não se explicita quais as diligências necessárias com vista a alcançar a verdade material, no âmbito do poder-dever de direção do processo, e, por outro lado, que decorre dos meios de prova produzidos nos autos e em audiência de julgamento a impossibilidade de obter outros e novos elementos suscetíveis de conduzir a uma diferente configuração da realidade, pelo que a dúvida porventura subsistente cai no campo de aplicação do preceituado no art.º 414º (que reza o seguinte: a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita).

De resto, cremos, eventuais incongruências que possamos divisar - principalmente, e aparentemente, derivadas do que, provindo da contestação, ficou vertido em II. 1. 34) a 38) [e bem assim no ponto 40)], supra -, se, ainda, ou de novo, questionada a matéria da 2ª alínea dos factos não provados (cf., principalmente, “conclusões 13ª e 26ª”, ponto I., supra), não as poderíamos ver sanadas fazendo uso de qualquer dos procedimentos adjetivos atrás mencionados, quando é certo que, por exemplo, relativamente ao período de 2008/2009 a 03.02.2020, nada se deu a conhecer, nos autos, quanto a qualquer eventual informação/esclarecimento (clara, objetiva e devidamente corporizada/materializada - em documento escrito), por parte do Réu, efetivamente levada ao conhecimento da 1ª A. e seu falecido marido [cf., sobretudo, II. 1. 25) e 43), supra]”.

Defende a Recorrente ter cumprido o referido requisito legal, pelo que atribui ao acórdão recorrido uma interpretação formal desadequada e desproporcionada, desconforme ao sentido efectivo da norma.

2.3 O estatuído no artigo 662.º, do CPC, evidencia, sem margem para grandes dúvidas, a intenção do legislador de, relativamente à matéria de facto, o Tribunal da Relação produzir um novo julgamento em função da sua própria convicção, exercendo, assim, um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição da matéria de facto [...]

A autonomia decisória do Tribunal da Relação no julgamento da matéria de facto mediante a reapreciação dos meios de prova constantes do processo mostra-se, porém, confinada à observância do princípio do dispositivo no que respeita à identificação da matéria objecto de discordância. Para tal efeito, impõe a lei ao recorrente o cumprimento de um conjunto de pressupostos (previstos nas alíneas a), b) c) do n.º1 do artigo 640.º do CPC) de que depende a (re)apreciação da matéria de facto, exigindo a concretização e a motivação das alterações relativamente a cada facto ou a um conjunto de factos, arredando, por isso, a admissibilidade de recursos genéricos com fundamento em erro na decisão de facto.

De acordo com o artigo 640.º, n.º1, alíneas a), b) c), do CPC, a pretensão de impugnar a matéria de facto obriga o recorrente a especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (a), os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos impugnados diversa da recorrida (b) e aludir a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (c).

O ónus tripartido que impende sobre o recorrente, assenta nos princípios da cooperação, lealdade e boa-fé processuais e tem por finalidade garantir a seriedade do recurso [---]

A necessidade de preservar o uso sério do sistema de recurso da matéria de facto, impedindo o uso abusivo de instrumentos processuais com efeitos dilatórios tem de ser perspectivada sob princípios de proporcionalidade e razoabilidade, por forma a não sacrificar o direito das partes denegando a reapreciação da decisão da matéria de facto em função de um rigorismo formal que desconsidere os aspectos substanciais constantes das alegações, que não casa com o espírito do sistema neste âmbito [---]

Deste modo os requisitos formais que se impõem assegurar são os relacionados com a definição clara do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova que são indicados ou em meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido. [ Abrantes Geraldes, obra citada [?], p. 165]

Temos, pois, por adequado que o critério interpretativo na verificação das exigências legais impostas ao recorrente quanto ao recurso da matéria de facto deverá ter em conta dois aspectos orientadores que nortearam as alterações legislativas produzidas nesta matéria: impedir a impugnação generalizada da matéria de facto, delimitando-a a determinados pontos concretos, em função de concretos meios de prova; não inviabilizar, por razões meramente formais, o recurso quanto à matéria de facto que a lei quis proporcionar [---]

Importa sublinhar, conforme alerta o citado acórdão de 16.01.2024 “a aplicação destes princípios gerais basilares não significa, de modo algum, que a parte que decide impugnar a matéria de facto se possa sentir desobrigada ou dispensada de cumprir, com o zelo e rigor devidos, todas e cada uma das obrigações processuais fixadas no nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, que no fundo constituem a efectiva manifestação das razões da sua discordância relativamente ao veredicto de facto proferido pela 1ª instância.”.

Assim sendo, ao invés do que parece defender a Ré, o artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC, impõe uma inequívoco dever processual ao recorrente: deve, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

E o n.º 2, alínea a) do preceito em causa, quanto à concretização dos meios de prova, exige ao recorrente que indique com exactidão as passagens da gravação em que fundamenta o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Relativamente à caracterização deste ónus e à razão que lhe está subjacente, refere o acórdão deste Supremo de 10.12.2015 (Processo n.º 724/09.7TBAMT.P1.S1) [---]“a lei, cooptando o recorrente para a colaboração com o tribunal e para a autorresponsabilização, visa agilizar a intervenção da Relação na reapreciação (que é pontual, no sentido de circunscrita a certos factos e a certas provas) da matéria de facto, dispensando-a da compulsão de ter de ir à procura da concreta informação que o recorrente julga ser interessante. Deste modo, a Relação passa à avaliação da informação tida por relevante sem ter de dissipar tempo a localizá-la em todo um acervo desinteressante no mais e, por vezes, extensíssimo. A indicação com exatidão das passagens tem o seguinte significado: indicação do segmento da gravação onde está contida a informação que o recorrente entende apoiar o seu ponto de vista. Donde, a simples indicação do momento do início e do fim da gravação de um certo depoimento não cumpre só por si a exigência legal”.

Explicita ainda o acórdão deste tribunal de 26.01.2017, proferido no Processo n.º 599/15.7T8CLD.C1.S1 [---], quanto a este dever que impende sobre o impugnante, “o que o preceito determina, é que o recorrente indique o início e o fim das passagens da gravação ou seja, as passagens do depoimento e não o início e o fim do depoimento. Se bastasse esta indicação do início e do fim do depoimento, a exigência legal careceria totalmente de fundamento, pois que a localização do início e do fim do depoimento não apresenta quaisquer dificuldades, ela consta da ata e é fornecida pelo próprio sistema de gravação. A indicação precisa do início e termo das concretas (…) passagens da gravação destina-se a simplificar a tarefa da Relação na reapreciação da prova gravada, não só chamando a atenção para aquela parte do depoimento, como tornando mais fácil e célere a respetiva localização na gravação, sabido como é que, em regra, cada testemunha depõe sobre mais do que um facto. De outra forma bastaria que o recorrente impugnasse a decisão sobre a matéria de facto cumprindo todos os ónus estabelecidos no art. 640º do CPC, com exceção do determinado na al. a) do nº 2, e requeresse a audição e reapreciação integral de todos ou de alguns os depoimentos o que significaria a repetição do julgamento, desiderato que não foi visado pelo legislador” [---]

2.4 No caso, conforme já referido, a rejeição do recurso sobre a matéria de facto pelo tribunal a quo resultou de ter sido entendido que o banco Recorrente não havia cumprido o dever ínsito na alínea b) do citado artigo 640.º do CPC, justificando para o efeito que o mesmo “não menciona, na “fundamentação/corpo” da alegação de recurso ou nas respetivas “conclusões” (entendendo-se que seria suficiente a indicação/concretização na respetiva fundamentação), quaisquer passagens da gravação tidas como relevantes para a pretendida modificação da decisão sobre a matéria de facto, limitando-se a remeter para o tempo integral das declarações e dos depoimentos produzidos em audiência de julgamento [e a emitir o seu juízo conclusivo sobre o teor dos mesmos e/ou a indicar o que diz ser o respetivo “resumo” das “partes mais relevantes”/cf. fls. 206 verso], sendo que, e tratando-se de um procedimento facultativo, também não indica os excertos de tais depoimentos a relevar.”.

Não podemos deixar de concordar, porquanto tal entendimento encontra-se em consonância com o posicionamento consolidado neste tribunal relativamente à caracterização deste dever, concluindo pelo incumprimento sempre que “ (…) o recorrente que mais não faz do que mencionar, sem qualquer outra particularização ou esclarecimento, o início e o termo das horas em que se processaram os depoimentos das pessoas em que se apoia, tudo como constante (com ligeiríssima diferença) do que consta da ata da audiência.” [---]

Vejamos.

Com relevância para a questão em apreciação importa salientar o que a Recorrente fez consignar nas alegações da apelação.

A Recorrente reportou a sua discordância quanto à decisão fáctica relativamente à matéria provada sob os n.ºs 1.10, 1.14, 1.15, 1.25 e 1.39, que no seu entender, em face da prova produzida, deveria ter sido dada como não provada.

Por sua vez e segundo a Recorrente, aos três factos que na sentença foram considerados não provados caberia dar resposta positiva.

Visando tal pretensão (quanto ao factualismo dado como não provado), na indicação dos meios de prova para cumprimento do ónus previsto na alínea b) do n.º1 do artigo 640.º do CPC, a Ré fez constar do corpo das alegações:

Ora, dos depoimentos prestados pelas testemunhas FF (gravações da sessão de 07/03/2022, com início às 15:33 h e terminus às 15:54h), II (gravações da sessão de 07/03/2022, com início às 16:03h e terminus às 16:18h) e JJ (gravações da sessão de 07/03/2022, com início às 16:19h e terminus às 16:47h), as quais mereceram a plena confiança do douto Tribunal “a quo”, resultou inequívoco que existiu uma clara divergência entre o pretendido e o contratado pelo Banco na celebração do aditamento em causa. Aliás, do depoimento de tais testemunhas resulta, ainda, claro que o mutuário originário, o falecido BB, conhecia o erro, aliás, “a divergência que constatou entre o que havia acordado com o Banco Réu quanto ao número e prestações e amortização do capital em dívida referente ao contrato de mútuo objeto dos autos”, porquanto este se havia deslocado à agência procurando mais informações por diversas vezes.

O depoimento de tais testemunhas atestaram o conhecimento da existência do erro do Banco, quer da 1.ª Autora, quer do mutuário falecido BB. De facto, a 1.ª Aurora - (gravações da sessão de 07/03/2022, com início às 15:24h e terminus às 15:32h refere, expressamente, nas suas declarações que o seu marido foi várias vezes ao Banco, “fazer” esclarecimentos, porque o valor da dívida não baixava… e apercebeu-se que havia ali um lapso.

A testemunha FF(gravações da sessão de 07/03/2022, com início às 15:33 h e terminus às 15:54h: Referiu que, para esclarecer o Cliente, contactou a área de operações do Banco que, a qual respondeu, de imediato que já havia esclarecido o Cliente em 2009, mas que, de todo o modo, iria enviar novamente a resposta que lhe havia transmitido. Foi explicado ao mutuário de que em vez de terminar em 2020, por força do erro informático, o empréstimo terminaria em 2030, e que em vez de estar a pagar a prestação de cerca de 700 € que deveria pagar, que estava a pagar só 550€ por mês. No entanto, a partir do momento em que foi detectado o erro foi sugerido ao Cliente um de duas soluções, com duas simulações dos valores a pagar para repor a situação, sendo que o mutuário respondeu que ia ver e nunca mais disse nada. Aliás o Cliente, quando assinou o aditamento, estaria a contar pagar uma prestação de cerca de 750 €. O Cliente ficou ciente e esclarecido do erro, sem dúvida nenhuma e sabia que se continuasse a pagar a prestação de cerca de 500€ que se encontrava a pagar, quando chegasse a 2020 faltaria pagar valor ao Banco. O Cliente depositava apenas mensalmente o suficiente para a prestação de cerca de 500 €.

A testemunha II - gravações da sessão de 07/03/2022, com início às 16:03h e terminus às 16:18h - refere que: O Cliente sabia do erro, sabia que o valor que pagava mensalmente era inferior ao montante que deveria pagar para respeitar o prazo de 20 anos pretendido e sabia que estavam pendentes as duas propostas do Banco no sentido de corrigir os valor a pagar de forma a poder ajustar o plano prestacional do empréstimo do prazo pretendido. O Cliente estava ciente que com o valor que pagava mensalmente o crédito não estaria todo pago em 2020 (não atingiria sequer o valor de capital em dívida). Em 2015 mas o Cliente já tinha sido esclarecido antes e estavam pendentes da aceitação do mesmo a adopção das formas de reestruturar os pagamentos mensais, de forma a que o empréstimo pudesse estar todo liquidado em 2020. O Banco não poderia alterar unilateralmente o contrato e o mutuário recusou-se a colaborar no sentido da resolução do lapso de que conhecia. E chegou a referir que, quando chegasse 2020 logo se veria Assim, tais depoimentos permitiriam ao douto Tribunal “a quo”, “com razoável grau de segurança e em conformidade com as regras da experiência comum”, considerar, também, que deveria ter sido considerado que ficou provado nos autos:

“2.3. Que esta essencialidade da declaração era conhecida pelos Autores (no caso e à data pela 1ª A e o seu falecido marido) ou, pelo menos, não poderiam os AA. e o falecido marido da 1ª A Autora ignorar tal circunstância.”

Na verdade, tal facto resulta, não só, da matéria que acabou por constar como assente mas não pode deixar de ser considerado como provado se atentarmos no conteúdo das declarações de parte da 1.ª Autora (gravações da sessão de 07/03/2022, com início às 15:24h e terminus às 15:32h).”.

Relativamente à matéria de facto provada, refere a Recorrente no corpo das alegações:

Da prova testemunhal produzida nos Autos, não se vislumbra a alusão, por qualquer testemunha, a qualquer facto que pudesse determinar resposta positiva aos factos supra indicados, pelo que, carece de fundamentação a resposta dada aos mesmos.”.

Das conclusões das alegações consta:

5) Da prova testemunhal produzida nos Autos, não se vislumbra a alusão, por qualquer testemunha, a qualquer facto que pudesse determinar resposta positiva aos factos supra indicados, pelo que, carece de fundamentação a resposta dada aos mesmos.

6) Dos depoimentos prestados pelas testemunhas FF (gravações da sessão de 07/03/2022, com início às 15:33 h e terminus às 15:54h), II (gravações da sessão de 07/03/2022, com início às 16:03h e terminus às 16:18h) e JJ (gravações da sessão de 07/03/2022, com início às 16:19h e terminus às 16:47h), as quais mereceram a plena confiança do douto Tribunal “a quo”, resultou inequívoco que existiu uma clara divergência entre o pretendido e o contratado pelo Banco na celebração do aditamento em causa.

7) Do depoimento de tais testemunhas resulta, ainda, claro que o mutuário originário, o falecido BB, conhecia o erro, aliás, “a divergência que constatou entre o que havia acordado com o Banco Réu quanto ao número e prestações e amortização do capital em dívida referente ao contrato de mútuo objeto dos autos”, porquanto este se havia deslocado à agência procurando mais informações por diversas vezes.

8) O depoimento de tais testemunhas atestaram o conhecimento da existência do erro do Banco, quer da 1.ª Autora, quer do mutuário falecido BB.

9) A testemunha FF (gravações da sessão de 07/03/2022, com início às 15:33 h e terminus às 15:54h): Referiu que: Para esclarecer o Cliente, contactou a área de operações do Banco que, a qual respondeu, de imediato que já havia esclarecido o Cliente em 2009, mas que, de todo o modo, iria enviar novamente a resposta que lhe havia transmitido; Mais referiu tal testemunha que foi explicado ao mutuário, uma vez mais, que em vez de terminar em 2020, por força do erro informático, o empréstimo terminaria em 2030, e que em vez de estar a pagar a prestação de cerca de 700 € que deveria pagar, estava a pagar só 550€ por mês; No entanto, a partir do momento em que foi detectado o erro foi sugerido ao Cliente um de duas soluções, com duas simulações dos valores a pagar para repor a situação, sendo que o mutuário respondeu que ia ver e nunca mais disse nada; Aliás o Cliente, quando assinou o aditamento, estaria a contar pagar uma prestação de cerca de 750 €. O Cliente ficou ciente e esclarecido do erro, sem dúvida nenhuma e sabia que se continuasse a pagar a prestação de cerca de 500€ que se encontrava a pagar, quando chegasse a 2020 faltaria pagar valor ao Banco; O Cliente depositava apenas mensalmente o suficiente para a prestação de cerca de 500;

10) A testemunha II - gravações da sessão de 07/03/2022, com início às 16:03h e terminus às 16:18h - referiu que: O Cliente sabia do erro, sabia que o valor que pagava mensalmente era inferior ao montante que deveria pagar para respeitar o prazo de 20 anos pretendido e sabia que estavam pendentes as duas propostas do Banco no sentido de corrigir os valor a pagar de forma a poder ajustar o plano prestacional do empréstimo ao prazo pretendido; O Cliente estava ciente que com o valor que pagava mensalmente o crédito não estaria todo pago em 2020 (não atingiria sequer o valor de capital em dívida). Isto ocorreu em 2015, mas o Cliente já tinha sido esclarecido antes e estavam pendentes da aceitação do mesmo a adopção das formas de reestruturar os pagamentos mensais, de forma a que o empréstimo pudesse estar todo liquidado em 2020. O Banco não poderia alterar unilateralmente o contrato e o mutuário recusou-se a colaborar no sentido da resolução do lapso de que conhecia. E chegou a referir que, quando chegasse 2020 logo se veria.

11) Assim, tais depoimentos não permitiriam ao douto Tribunal “a quo”, “com razoável grau de segurança e em conformidade com as regras da experiência comum”, considerar como provados os factos enunciados e constantes da sentença recorrida correspondentes aos n.ºs 1.10, 1.14, 1.15, 1.25 e 1.39.”.

Verifica-se, assim, que na apelação (das conclusões e corpo das alegações) a Recorrente limitou-se a mencionar o início e o termo de cada depoimento que reputou relevante para a alteração da matéria de facto visada. Nessa medida, como foi entendido no acórdão de 18.06.2019 a que vimos fazendo referência, tal procedimento traduz-se num “ato inútil e que nada esclarecia o tribunal de recurso quanto aos momentos das concretas passagens que o Recorrente entendia justificarem uma decisão diferente.” A indicação genérica “teria o efeito legalmente indesejado de forçar o tribunal de recurso a incidir sobre toda a extensão dos depoimentos das testemunhas em causa”.

Acresce que a Recorrente não procedeu a uma transcrição dos depoimentos das testemunhas, pois que para isso “caberia reproduzir objetivamente- sem a mínima possibilidade de fazer intervir qualquer subjetividade, resumo conclusivo ou juízo apreciativo - aquilo que as pessoas ouvidas declararam (verbalizaram)”, e a transcrição não pode ser confundida, como bem refere o tribunal a quo, com o “emitir o seu juízo conclusivo sobre o teor dos mesmos e/ou a indicar o que diz ser o respetivo “resumo” das “partes mais relevantes”/cf. fls. 206 verso], sendo que, e tratando-se de um procedimento facultativo, também não indica os excertos de tais depoimentos a relevar.”.

Assim, embora a Recorrente tenha cumprido o dever de indicar os pontos de facto que considerava mal julgados, somos de entender que desrespeitou, de forma inultrapassável, o dever que se lhe impunha de especificar “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação”, indicando “com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso”, justificando, assim, a rejeição do recurso nos termos decididos pelo tribunal recorrido."

*3. [Comentário] Não vale a pena tomar posição sobre a orientação defendida no acórdão. O importante é conhecer o sentido que, no âmbito da impugnação da matéria de facto, o STJ dá ao ónus de indicação pelo recorrente dos meios de prova que impõem uma decisão diversa daquela que consta sentença recorrida quanto a um certo facto dado (art. 640.º, n.º 1, al. b), CPC). Segundo a jurisprudência do STJ, o cumprimento desse ónus impõe que o recorrente, além do mais, indique "com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso”.

MTS