Apoio judiciário;
pedido de escusa; pedido de substituição
I – Ao preceituar que qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, o artigo 487.º do CPC está, naturalmente, a referir-se ao resultado definitivo da primeira perícia; tendo sido atendida alguma reclamação, ao abrigo do artigo 485.º do CPC, aquele prazo conta-se da notificação dos esclarecimentos do perito, pois só então as partes têm conhecimento do resultado definitivo da primeira perícia.
II – Ao contrário do que sucede com o pedido de escusa apresentado pelo patrono nomeado, o pedido de substituição deduzido pelo requerente do apoio judiciário não interrompe os prazos em curso, pois a norma do artigo 32.º da Lei n.º 32/2004 não contém qualquer disposição análoga à do artigo 34.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, sendo certo que o preceituado nos artigos 34.º e seguintes apenas se aplica à substituição depois de deferido o respectivo pedido, como preceitua o n.º 2, do citado artigo 32.º.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"A decisão recorrida baseou o indeferimento do pedido de realização de segunda avaliação em três fundamentos: a inaplicabilidade do regime da segunda perícia, previsto nos artigo 487.º do CPC, à avaliação dos bens a partilhar, a qual está especificamente regulada no artigo 1114.º do mesmo código; a extemporaneidade do pedido em causa, por ter sido deduzido fora do prazo de 10 dias previsto no artigo 487.º, n.º 1, do CPC; a não verificação dos demais requisitos exigidos pelos n.ºs 1 e 3 deste artigo 487.º.
A respeito da extemporaneidade do pedido, afirma-se o seguinte na decisão recorrida: «o resultado da perícia que foi realizada nos presentes autos, foi notificado às partes 29/09/2023 e o referido prazo de 10 dias completou-se no dia 11/10/2023. Razão pela qual, ainda que não se sufragasse o entendimento acima exposto, sempre o prazo de 10 dias a que alude o artº 487º, nº 1 do CPC, para qualquer das partes requerer a segunda perícia, mostra-se claramente ultrapassado quando a interessada EE por via do requerimento em referência (de 5-2-2024) requereu a segunda avaliação, sendo tal pedido manifestamente intempestivo».
Não podemos subscrever esta argumentação, tendo em conta a tramitação documentada nos autos.
É certo que o relatório da avaliação realizada foi junto aos autos no dia 29.09.2023 e notificado aos interessados mediante comunicações electrónicas dessa mesma data, que se presumem realizadas em 02.10.2024. Mas é igualmente certo que em 12.10.2024, ou seja, dentro do prazo de 10 dias a contar da notificação, a interessada EE veio reclamar e pedir esclarecimentos daquele relatório, ao abrigo do disposto no artigo 485.º do CPC, reclamação que foi admitida por despacho de 23.10.2023, no qual se determinou a notificação do perito para, em 30 dias, prestar os esclarecimentos solicitados.
Tais esclarecimentos foram prestados em 31.10.2023 e notificados por comunicações electrónicas de 06.11.2023 (data em que a patrona inicialmente nomeada à interessada EE, Dra. HH, já havia sido substituída pelo Dr. II, desconhecendo-se se esta substituição ocorreu na sequência do pedido de escusa apresentada por aquela patrona ou do pedido de substituição apresentado pela interessada).
Logo no dia seguinte, 07.11.2023, este último informou nos autos que requereu pedido de escusa, tendo a Ordem dos Advogados comunicado em 23.11.2023 a sua substituição pela Dra. GG, mais informando que na mesma data esta foi notificada da sua nomeação nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a), do n.º 5, do artigo 24.º, e dos artigos 30.º e 31.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.
Em 04.12.2023, a interessada EE veio aos autos informar que nessa data requereu à Ordem dos Advogados a substituição da Dra. GG.
Em 24.01.2024 a Ordem dos Advogados comunicou nos autos a substituição da Dra. GG pela Dra. JJ, mais informando que esta foi notificada na mesma data da sua nomeação.
Decorre do exposto que, diversamente do que pressupõe o despacho recorrido, o prazo para a interessada EE requerer a realização da segunda perícia – na hipótese de se considerar admissível tal diligência no caso da avaliação dos bens a partilhar em sede de inventário, assunto de que não nos ocupamos neste momento – apenas se iniciou com a notificação efectuada em 06.11.2023, e não com a notificação efectuada em 29.09.2023, como pressupõe a decisão recorrida.
Na verdade, tendo aquela interessada apresentado, na sequência desta notificação de 29.09.2023, dentro do prazo de 10 dias subsequente à mesma, uma reclamação ao abrigo do disposto no artigo 485.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, e tendo esta reclamação sido atendida pelo tribunal a quo, nos termos do disposto no n.º 3, da mesma disposição legal, não faria sentido impor àquela interessada o ónus de requerer a segunda perícia dentro do mesmo prazo de 10 dias, antes de conhecer os esclarecimentos prestados pelo perito, que naturalmente poderiam prejudicar o pedido de segunda perícia ou alterar os seus fundamentos. Ao preceituar que qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, o artigo 487.º do CPC está, naturalmente, a referir-se ao resultado definitivo da primeira perícia, pelo que, tendo sido atendida alguma reclamação, este só existe com a prestações dos esclarecimentos que o tribunal tiver ordenado ao perito.
Neste sentido se pronunciou o ac. deste TRP, de 07.12.2023 (proc. n.º 1066/20.2T8PVZ-A.P1, rel. Manuela Machado), em cujo sumário se concluiu o seguinte: «O prazo de 10 dias previsto no art. 487.º, nº 1 do CPC, para requerer a segunda perícia, quando tenha sido apresentado pedido de esclarecimentos, deve contar-se da notificação da resposta do senhor perito aos esclarecimentos suscitados, uma vez que só perante as respostas dadas pelo perito é que a perícia fica concluída e as partes ficam na posse da totalidade dos elementos que lhes permitem fundamentar a sua discordância e o motivo para requerer a segunda perícia».
Mas decorre igualmente do exposto que o prazo assim iniciado se interrompeu logo no dia seguinte, 07.11.2023, por força do artigo 34.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que preceituam assim: «1 – O patrono nomeado pode pedir escusa, mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respectivos motivos. 2 – O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º».
Com efeito, nesse dia 07.11.2023, a patrona que havia sido nomeada à interessada EE informou que havia pedido escusa, juntando aos autos documento comprovativo desse pedido.
O prazo assim interrompido reiniciou-se com a notificação da patrona nomeada em substituição da anterior, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 5, al. a), da mesma Lei n.º 34/2004, aplicável por força do já citado artigo 34.º, n.º 2. Tendo sido realizada em 23.11.2023, esta notificação da patrona nomeada presume-se feita no dia 27.11.2023, por força do disposto no artigo 39.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
O prazo assim reiniciado no dia 27.11.2023 não voltou a ser interrompido, pelo que se esgotou no dia 07.12.2023.
É certo que, no dia 04.12.2023, a interessada EE veio aos autos informar que nessa data requereu à Ordem dos Advogados a substituição da patrona que lhe havia sido nomeada. Mas, ao contrário do que sucede com o pedido de escusa apresentado pelo patrono nomeado, o pedido de substituição deduzido pelo requerente do apoio judiciário não interrompe os prazos em curso, pois a norma do artigo 32.º da Lei n.º 32/2004 não contém qualquer disposição análoga à do artigo 34.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, sendo certo que o preceituado nos artigos 34.º e seguintes apenas se aplica à substituição depois de deferido o respectivo pedido, como preceitua o n.º 2, do citado artigo 32.º.
Neste sentido se pronunciou o ac. do TRC, de 03.11.2020 (proc. n.º 1097/19.5T8PBL-A.C1, rel. António Carvalho Martins), em cujo sumário se pode ler o seguinte: «5.- Só com a nomeação de novo patrono cessa o patrocínio oficioso antes conferido a anterior, inexistindo qualquer interrupção de prazo processual em curso pela apresentação do requerimento de substituição (ao contrário do que se prevê no art. 24.º, n.º 4 e n.º 5 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, para a nomeação inicial de patrono, e no art. 34.º, n.º 2 do mesmo diploma, para a escusa, face à diferente ponderação de interesses ínsitos nestas e naquela outra hipótese). 6. Está arredada a possibilidade de qualquer interpretação extensiva por forma a aplicar a interrupção de prazo processual em curso, pela apresentação do requerimento de substituição, à hipótese de substituição do patrono oficioso; e estar igualmente arredada a possibilidade de integração de eventual lacuna da lei (por falta de qualquer referência a essa concreta interrupção) com base em norma a criar, análoga à dos arts. 24.º, n.º 4 e n.º 5 e 34.º, n.º 2. da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho».
Como se refere na fundamentação deste acórdão, compreende-se a interrupção do prazo por força do pedido de escusa, «já que é o próprio patrono oficioso a quem foi cometida a defesa da pretensão do requerente de apoio judiciário, que entende que não se mostram reunidas as condições objectivas para o efeito (isto é, para o seu exercício, ou para a respectiva eficácia); e, se o prazo processual em curso não ficasse suspenso, correr-se-ia o risco de, não obstante a escusa vir a ser deferida, ser prejudicada, se não mesmo inviabilizada, aquela defesa.
Dir-se-á, porém, que um pedido de substituição de patrono oficioso não replica esta ponderação de interesses, como não replica aquela outra ínsita no pedido de nomeação (inicial) de patrono.
Com efeito, o que está em causa no pedido de substituição de patrono é um qualquer motivo do requerente de apoio judiciário (lendo-se singelamente no art. 32.º, n.º 1 «fundamenando o seu pedido»), incluindo os de natureza puramente subjectiva, isto é, sem qualquer repercussão no exercício ou eficácia do patrocínio oficioso (ao contrário do pressuposto na escusa), que já lhe foi deferido e se encontra em vigor (ao contrário do pressuposto no pedido de nomeação inicial de patrono).
Compreende-se, por isso, que o n.º 2 do art. 32.º citado determine que só após o deferimento do pedido de substituição se aplicarão, «com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes», ou seja, os aplicáveis à escusa».
No mesmo sentido, a título de exemplo, vide o ac. do TRC, de 11.10.2022 (proc. n.º 2372/20.1T8CBR-B.C1, rel. Cristina Neves) e o ac. do TRG, de 26.05.2022 (proc. n.º 659/21.5T8VRL-A.G1, rel. Alexandra Rolim Mendes).
Mas se é assim, quando a interessada agora recorrente requereu a realização da segunda avaliação, 05.02.2024, há muito que se havia esgotado o prazo de 10 dias previsto no artigo 487.º, n.º 1, do CPC. Assim, mesmo que se considere esta norma aplicável ao caso sub judice, como é preconizado pela recorrente, o pedido em causa sempre deverá considerar-se extemporâneo e, por isso, deverá ser indeferido."
[MTS]