1. O sumário de STJ 27/11/2024 (1614/04.5TBESP-E.P1.S1) é o seguinte:
I - Nos processos de jurisdição voluntária, justifica-se a supressão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça estabelecida no art.º 988.º n.º2 do CPC, face ao facto de as decisões se nortearem por citérios de conveniência e oportunidade, sobrepondo-se aos critérios de legalidade estrita.
II - Porém, quando a impugnação da decisão tem em vista a interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baseou tal decisão, é admissível o recurso de revista.
III - Assim, haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito da revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária de forma casuística, em função dos respetivos fundamentos de impugnação.
IV - Sempre que os factos demonstrem a falta de capacidade dos progenitores para assumir plenamente as suas responsabilidades parentais, é de concluir que não existem ou que estão seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação em conformidade com o que dispõe o art.º 1978.º do Código Civil.
Quid juris?
O presente recurso de revista vem interposto no âmbito de um processo de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo que efectivamente se integra na categoria dos processos de jurisdição voluntária, sujeitos à disciplina prevista nos artigos 986.º a 988.º do CPC.1
Dispõe o n.º 2 do art.º 988.º que “Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.
Na verdade, nos processos de jurisdição voluntária, “o predomínio da oficiosidade do juiz sobre a atividade dispositiva das partes, norteado por critérios de conveniência e oportunidade em função das especificidades de cada caso, sobrepondo-se aos critérios de legalidade estrita, justifica a supressão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça estabelecida no artigo 988.º, n.º 2, do CPC, vocacionado como está, essencialmente, para a sindicância da violação da lei substantiva ou processual, nos termos do artigo 674.º do CPC.”, como é dito no acórdão deste STJ de 30-05-2019 [Processo 5189/17.7T8GMR.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt]
No entanto, “na interpretação daquela restrição de recorribilidade, importa ter em linha de conta que, em muitos casos, a impugnação por via recursória não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adotados pelas instâncias, mas questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza tal decisão." [Processo 5189/17.7T8GMR.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt]
Assim, conclui o citado acórdão que aqui subscrevemos “haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito da revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária de forma casuística, em função dos respetivos fundamentos de impugnação, [---] e não com base na mera qualificação abstrata de “resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade”.
Ora, no presente caso, analisando as conclusões formuladas no presente recurso, verifica-se que a Recorrente aponta ao acórdão recorrido erros de interpretação e de aplicação de diversas normas legais constantes dos artigos 3º, 4º, al. a), e) e h) ,34º, 35º, nº 1 al. g), 35º, 38-Aº, 58.º, n.º1 a), d), i) todos da LPCJP, o artº1978º, nº1, do Código Civil, o art.º 36º nº 6º, 67º e 69º da CRP, bem como o art.º 3º nº 1 e o artº 9.º § 1 da Convenção sobre os Direitos das Crianças, da Organização das Nações Unidas de 20/11/89, publicada em D.R., Is., de 12/9/90.
Pode, assim, concluir-se que, neste caso, o recurso não tem como objectivo impugnar juízos de oportunidade ou de conveniência, mas sim questionar a interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se balizou a decisão recorrida.
Nesta conformidade, o recurso é admissível, nos termos do disposto no art.º 674.º n.º 1 a) e cabe na previsão do art.º 671.º n.º 1. [Assim entendido igualmente no Acórdão de 16-03-2017, proferido nesta secção, no âmbito do Processo n.º1203/12.0TMPRT-B.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt]
[MTS]