28/11/2025

Jurisprudência 2025 (42)


Competência internacional; Reg. 1215/2012;
contrato de compra e venda


1. O sumário de STJ 11/2/2025 (141/24.9T8AVR.P1.S1) é o seguinte:

O Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução em matéria civil e contratual, de 12-12-2012 (Regulamento de Bruxelas I bis), elege, em matéria contratual, por aplicação de uma noção autónoma de lugar do cumprimento, como elemento de conexão para a determinação do tribunal internacionalmente competente, não a obrigação objecto do concreto pedido do demandante, mas a obrigação característica do contrato, pelo que só releva, na venda de bens, o lugar de cumprimento da obrigação de entrega e, na prestação de serviços, o lugar de cumprimento da obrigação do prestador de serviços. 

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"3. Fundamentos de direito.

3.1. Determinação da fonte da competência internacional do tribunal e do critério da sua aferição.

Diz-se competência a medida de jurisdição de um tribunal. O tribunal é competente para o julgamento de certa causa quando os critérios determinativos da competência lhe atribuem a medida de jurisdição que é a suficiente e adequada para essa apreciação. A competência assim delimitada pode chamar-se competência jurisdicional. Quanto ao âmbito, a competência pode ser interna ou internacional (art.ºs 61.º e 62.º do CPC). A competência internacional é aquela que se refere a objectos processuais que comportam uma ou várias conexões com uma ou várias ordens jurídicas distintas do ordenamento do foro. A delimitação da competência é realizada através de determinados critérios legais que demarcam, no âmbito global da função jurisdicional, o tribunal competente para apreciar certa causa e é aferida segundo determinados elementos – como o objecto ou as partes – tal como se apresentam no momento da propositura da causa.

A competência jurisdicional é um pressuposto processual, i.e., uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa, através de uma decisão de procedência ou improcedência. Como qualquer outro pressuposto processual é aferida em relação ao objecto apresentado pelo autor, requerente ou exequente. Convém reter este ponto que, aliás, se tem, doutrinaria e jurisprudencialmente, por incontroverso: a competência do tribunal é aferida pelo objecto do processo – causa de pedir e pedido – definido pelo autor ou requerente, com inteira indiferença pelas excepções alegadas pelo réu ou requerido, sendo desinteressante averiguar a correcção dos termos do pedido ou do enquadramento jurídico do objecto da causa, valoração que não deve ser antecipada para o momento da apreciação do pressuposto processual da competência [---]. Isto é seguramente assim no tocante à competência internacional dos tribunais portugueses de fonte interna – mas já não necessariamente assim se a fonte daquela competência for europeia.

Sempre que a apreciação da competência - como é comum - ocorra num momento em que o mérito da causa se não mostre julgado, a aparência vale, aqui, como realidade para o efeito de se determinar se o tribunal é ou não dotado de competência.

Considerada a sua função, as regras de competência internacional não são, em si mesmas, regras de competência, dado que não se destinam a aferir qual o tribunal competente para conhecer do objecto da causa, antes têm por finalidade a definição da jurisdição na qual se determinará, por recurso a verdadeiras normas de competência, qual o tribunal competente para apreciar o litígio. São, portanto, normas de recepção, i.e., normas – processuais - de conflitos que definem as condições em que os tribunais do foro são competentes para a apreciação de um objecto que apresenta uma conexão com várias ordens jurídicas e visam limitadamente facultar o julgamento de uma certa situação plurilocalizada pelos tribunais de uma jurisdição nacional [---]

A definição da competência internacional dos tribunais de uma certa ordem jurídica é, portanto, operada por estas normas de recepção. Este enunciado mostra que as normas de recepção desempenham, no âmbito processual, uma função paralela àquela que as normas de conflitos realizam no plano substantivo: estas definem qual é a lei aplicável a uma relação jurídica plurilocalizada – se a lei do foro ou uma lei estrangeira; aquelas determinam se essa mesma relação pode ser apreciada pelos tribunais de uma certa ordem jurídica. Portanto, as normas – de recepção – de competência internacional limitam-se a determinar as condições em que uma jurisdição nacional faculta os seus tribunais para a resolução de um certo litígio que apresenta uma conexão – objectiva, relativa ao objecto do processo, ou subjectiva, referida às partes na causa - relevante com uma ordem jurídica estrangeira, mas não definem a lei substantiva à luz da qual esse litígio deve ser resolvido: essa lei é definida pelas normas de conflito. A competência internacional é, assim, aferida independentemente da lei aplicável ao mérito da causa, pelo que os tribunais nacionais podem ser internacionalmente competentes, mesmo que a causa deva ser julgada por aplicação de uma lei estrangeira; o inverso é também verdadeiro.

É axiomático, por um lado, que questão da competência do tribunal, seja qual for a sua modalidade, coloca, desde logo, um puro problema de facto relativo aos elementos de conexão relevantes e, por outro, que a competência absoluta constitui um pressuposto processual absoluto, portanto, um pressuposto cuja falta torna inadmissível qualquer decisão de mérito.

Como a nossa lei de processo logo acautela, o regime interno da competência internacional dos tribunais portugueses só é aplicável quando não deva ceder perante instrumentos internacionais e actos de direito europeu, designadamente perante o disposto no Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução em matéria civil e contratual, de 12 de Dezembro de 2012 (Regulamento de Bruxelas I bis). Regulamento que visa facilitar a livre circulação de decisões em matéria civil e comercial, designadamente através de regras relativas à competência judiciária e é uma reformulação do Regulamento n.º 44/2001 (Regulamento de Bruxelas I), que revogou, mas com o qual apresenta uma notória similitude (Considerando 6 e art.º 80.º). Regulamento 1215/112 que, evidentemente, é vinculativo para todos os Estados-Membros da União – com excepção da Dinamarca [---] – por força do TFUE e, no caso de Portugal, também por virtude de norma constitucional (art.º 288.º do TFUE e 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa).

As normas do Regulamento n.º 1215/2012 podem ser interpretadas, a título prejudicial, pelo Tribunal de Justiça, sendo, portanto, preferível uma interpretação autónoma dos seus termos [---] - dado que não remete expressamente para o direito interno dos Estados-Membros a determinação do seu sentido e da sua compreensão - de harmonia com os seus objectivos, e reconhecida, relativamente a eles, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, interpretação autónoma que aquele Tribunal julgou também já preferível relativamente ao Regulamento n.º 44/2001 e que é igualmente válida para as disposições do Regulamento, quando essas disposições possam ser qualificadas de equivalentes (art.º 267.º, § 1.º, b), do TFUE) [Ac. do TJUE de 09.07.2020, C-343/19, EU:C:2020:534,n.º 22 e de 24.09.2020, C-29/2019, EU:C:2020:950, n.º20]

No plano temporal, as normas relativas à competência são aplicáveis às acções instauradas desde 10 de Janeiro de 2015 (art.º 66.º, n.º 1).

As regras de competência do Regulamento n.º 1215/2012 regem essencialmente a competência internacional e, por isso, só são aplicáveis a litígios emergentes de relações transnacionais. É necessário que o objecto da controvérsia apresente pelo menos um elemento de estraneidade juridicamente relevante. Caso contrário, não se suscita um problema de competência internacional. A relevância dos diferentes elementos de estraneidade depende muito das regras de competência em causa, mas, de um modo geral, pode dizer-se que o domicílio de uma ou de ambas as partes fora do Estado do foro constitui um elemento de estraneidade particularmente relevante. Como resulta do art.º 7.º do Regulamento n.º 1215/2012, as competências especiais aí previstas só se aplicam quanto o réu tem domicílio noutro Estado-Membro. Assim, no domínio espacial, as regras relativas à competência são aplicáveis, em princípio, no caso de o demandado ter o seu domicílio ou sede no território de um Estado-Membro (art.º 6.º, n.º 1).

A competência do domicílio do réu não pode ser afastada com base numa avaliação das circunstâncias do caso concreto, que leve a concluir que existe outra jurisdição competente mais bem colocada para apreciar o objecto da acção. Esta conclusão é imposta não só pelo texto do art.º 4.º, n.º 1, do Regulamento n.º 1215/2012, mas também pelas finalidades do legislador da União, que se encontram enunciadas no seu Considerando 15: as regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar-se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. O tribunais deverão estar sempre disponíveis nesta base, excepto em algumas situações bem definidas em que a matéria do litígio ou a autonomia das partes justificam um critério de conexão diferente. É claro, deste modo, que cláusula do forum non conveniens não pode ser invocada por um tribunal de um Estado-Membro para declinar a sua competência.

O Regulamento n.º 1215/2012 optou por uma definição autónoma do domicílio das pessoas colectivas, que se estabelece segundo três critérios alternativos – que, aliás, correspondem á solução consagrada no TFUE para efeitos de atribuição do direito de estabelecimento às sociedades da União: sede estatutária, administração central e estabelecimento principal (art.º 63.º n.º 1, e Considerando 15, e 54.º do TFUE).

Materialmente, o Regulamento é aplicável em matéria civil e comercial – conceitos que, pelas razões indicadas, devem e têm sido interpretados autonomamente [TJUE 27/10/1998, no caso Frauil (ECLI:C:2004:77), n.º 22, e 13/3/2014, no caso Marc Brogsitter (ECLI:C:148), n.º 21.] - seja qual o for o tribunal competente na ordem interna (art.º 1.º, n.º 1).

E, no caso, é indubitável, que a situação jurídica objecto do processo se inscreve no âmbito de aplicação temporal, espacial e material do apontado Regulamento, ponto que, aliás, não é objecto de qualquer controversão.

Como este Tribunal Supremo já acentuou, constitui jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia que no momento da aferição da competência internacional, o órgão jurisdicional perante o qual foi proposta a acção não aprecia a sua admissibilidade nem a sua procedência segundo as regras do direito nacional, nem está obrigado, no caso de o demandado contestar as alegações do demandante, a proceder à produção de prova, apenas estando vinculado a identificar os elementos ou os factores de conexão com o Estado do foro que justificam a sua competência ao abrigo, designadamente do disposto no art.º 7.º do Regulamento n.º 1215/2012, devendo, para essa finalidade, considerar assentes as alegações quanto aos requisitos e, em nome da boa administração da justiça, subjacente ao mesmo Regulamento, apreciar as objecções apresentadas pelo demandado [---].

De harmonia com o Regulamento n.º 1215/2012, a aferição da competência varia consoante o demandado se encontre domiciliado num Estado Membro ou resida fora de qualquer dos Estados Membros; se o réu tiver o seu domicílio num destes Estados, deve ser demandado, seja qual for a sua nacionalidade, nos tribunais do Estado do seu domicílio, consagrando-se, assim, o princípio actor sequitur forum rei (art.º 4.º, n.º 1). Este critério geral de determinação da competência concorre, porém, com critérios especiais, já que um réu domiciliado num Estado Membro pode ser demandado nos tribunais de outro Estado no caso de se verificar um dos factores de conexão referidos nos art.ºs 7.º e 26.º, caso em que o autor pode escolher qualquer dos tribunais: o determinado pelo critério geral ou o encontrado por aplicação dos critérios especiais (art.º 5.º).

Em matéria contratual – que se refere apenas às obrigações assumidas de forma voluntária – estabelece-se como critério especial de competência o lugar onde a obrigação em questão foi ou deve ser cumprida (art.º 7.º, n.º 1, do Regulamento). Patentemente, entendeu-se que o tribunal do Estado do lugar do cumprimento da obrigação não só está bem colocado para a condução do processo, como é também aquele que, por regra, apresenta uma conexão mais estreita com o objecto do litígio. De outro aspecto, dado que abre ao autor uma alternativa ao foro do domicílio do réu, este critério do competência favorece um maior equilíbrio entre os interesses do primeiro e do segundo.

No entanto, relativamente a duas categorias contratuais da maior importância – a venda de bens e a prestação de serviços – o Regulamento n.º 1215/2012 introduz uma definição autónoma do lugar do cumprimento da obrigação contratual, que dispensa o recurso ao Direito de Conflitos do Estado do foro. Parece ser esta, aliás, a razão pela qual o Regulamento n.º 1215/2012 bem como a Convenção de Lugano de 2007, Relativa à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, se referem à obrigação em questão, ao passo que a Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial e a Arbitragem, e a Convenção de Lugano de 1988 Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, se referem à obrigação que serve de fundamento ao pedido.

Efectivamente, o Regulamento determina que, salvo convenção contrária, o lugar do cumprimento da obrigação em questão é: no caso da venda de bens, o lugar do Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou deviam ter sido entregues; no caso da prestação de serviços onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou deviam ter sido prestados (art.º 5.º, n.º 1, b). Os conceitos de venda de bens e de prestação de serviços devem, também eles, ser interpretados autonomamente. A venda de bens compreende, designadamente, a venda de coisas móveis corpóreas; o conceito de prestação de serviços deve ser entendido em sentido amplo, compreendendo a realização, em benefício da contraparte, de uma actividade não subordinada de qualquer natureza, incluindo a actividade realizada no interesse de outrem, contra remuneração.

Ainda que se não deva entender que são se trata de uma definição autónoma de lugar do cumprimento, seguro é que se estabelece que só releva, na venda de bens, o lugar de cumprimento da obrigação de entrega e, na prestação de serviços, o lugar de cumprimento da obrigação do prestador de serviços, pelo que pode ver-se aqui uma concretização da ideia de prestação característica, dado que só releva o lugar em que foi ou deve ser realizada a prestação característica do contrato, o que torna irrelevante, por exemplo, o lugar do cumprimento da obrigação do preço dos bens ou dos serviços, mesmo que o pedido se fundamente nessa obrigação. A pretensão característica é aquela que permite individualizar o contrato: nos contratos relativos à troca de bens e serviços por dinheiro, a prestação característica é a que consiste na entrega da coisa, na cessão do uso da coisa ou na prestação do serviço.

A obrigação relevante para a determinação da competência é, assim, a obrigação primariamente gerada pelo contrato – e não a obrigação secundária que nasça do seu incumprimento ou cumprimento defeituoso [Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, Vol. III, Competência Internacional e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras, AAFDL, pág. 119.] ou da sua resolução, mais precisamente da relação de liquidação consequente a essa resolução. Por isso que, por exemplo, tratando-se de uma pretensão indemnizatória fundada no cumprimento da obrigação que emerge do contrato, é competente, não o tribunal do Estado, no território do qual a obrigação de indemnização deve ser cumprida, mas o do Estado a obrigação violada o deveria ter sido. O critério de aferição da competência internacional resultante do Regulamento não é, deste modo, inteiramente coincidente com o correntemente utilizado para a determinação da competência, da mesma espécie, mas de fonte interna.

Tendo tudo isto presente, este Tribunal Supremo já teve oportunidade de salientar:

- Por um lado, que o Regulamento n.º 1215/2012 adoptou um conceito autónomo [---] de lugar do cumprimento para as acções fundadas em contratos de compra e venda e de prestação de serviços, elegendo as respectivas obrigações típicas ou características ou definidoras de um – a entrega do bem – e de outro – a prestação do serviço – como factor de conexão do contrato com um dado território que, de um aspecto, seja suficientemente forte para justificar a competência alternativa atribuída ao Estado do domicilio do demandado e, de outro, e por isso mesmo, suficientemente seguro para permitir determinar com a necessária certeza qual é o Estado cujos tribunais são competentes para julgar qualquer pretensão emergente ou resultante do mesmo contrato [---]

- Por outro, e do mesmo passo, que quer o Regulamento n.º 1215/2012, quer o Regulamento n.º 44/2001, se afastaram do regime constante da Convenção de Bruxelas de 1968 Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, ao tomar como factor de conexão relevante em matéria contratual, já não a obrigação controvertida na acção - mas diferentemente, a obrigação característica do contrato, construindo assim uma noção autónoma do lugar do cumprimento, enquanto critério de conexão para determinar o tribunal competente naquela matéria [---]

Na espécie da revista, a controvérsia gravita em torno deste factor ou elemento de conexão: o lugar em que deve ser cumprida ou devia ter sido cumprida, na expressão do Regulamento n.º 1215/2012, a obrigação em questão.

As instâncias são acordes em que a apontada regra de competência do lugar do cumprimento, disposta no Regulamento n.º 1215/2012, compreende toda e qualquer pretensão resultante do contrato concluído entre as partes, valendo para toda as acções destinadas ao cumprimento de quaisquer outras obrigações emergentes desse contrato; ergo, como a demandada se encontra sedeada no Reino de Espanha e o lugar do cumprimento das obrigações de entrega dos bens e de prestação do serviço, resultantes desse mesmo contrato, se situa naquele país, o tribunal nacional é internacionalmente incompetente para conhecer do objecto da acção. A recorrente, claro está, discorda e dá para essa discordância a razão seguinte: o fundamento da pretensão – uma obrigação pecuniária de restituição emergente da resolução extrajudicial do contrato concluído com a recorrida, que deve ser cumprida em Portugal – é inteiramente independente das obrigações que emergem da vigência e da execução do contrato resolvido, sendo estranha às prestações de entrega de coisa e de prestação de serviço que tipicamente dele emergem; como a competência é aferida pelo objecto do processo definido pelo autor, designadamente pelo concreto pedido formulado por este, o tribunal internacionalmente competente para apreciar aquela obrigação pecuniária restitutiva objecto do pedido é o português.

Crê-se, porém, que a razão está do lado das instâncias.

3.3. Concretização.

No caso que constitui o universo das nossas preocupações, é incontroverso, por um lado, que a autora tem a sua sede em Portugal e a demandada tem a sua sede em Espanha e, por outro, que concluíram entre si um contrato misto, oneroso, de compra e venda e de prestação de serviço – dado que, congrega prestações de coisa e de actividade – e que estas prestações, nos termos do contrato, deveriam ser cumpridas em Espanha.

É também, incontroverso, no plano jurídico, que ao caso é aplicável o Regulamento n.º 1215/2012 que declara internacionalmente competente o tribunal do lugar onde a obrigação foi ou devia ser cumprida e que para a determinação do lugar do cumprimento da obrigação há que atender à obrigação contratual que constitui o fundamento da acção e, por último, que tratando-se de venda de bens e de prestação de serviços, o lugar do cumprimento é determinado por uma regra material, de harmonia com a qual é relevante, nos termos do contrato, o local no qual os bens foram ou deviam ter sido entregues ou os serviços foram ou deviam ter sido prestados (art.º 7.º, n.º 1, b)). Simplesmente, como pelas razões expostas, a obrigação relevante para a determinação da competência é a obrigação ou obrigações primariamente constituídas pelo contrato, a obrigação ou obrigações características desse acto negocial, e não qualquer outra obrigação mesmo que fundada no mesmo contrato, segue-se, no caso, como corolário que não pode ser recusado, que o tribunal internacionalmente competente não é o tribunal nacional, mas o tribunal espanhol, dado que as obrigações de prestação e coisa e de prestação de serviço emergentes daquele contrato deveriam ser cumpridas em Espanha. Dito doutro modo: a obrigação de restituição, decorrente da resolução do contrato, objecto do pedido da autora, não constitui, face ao Regulamento, um critério atendível de determinação da competência internacional.

Importa, assim, reiterar a jurisprudência deste Tribunal, da qual decorre a correcção da decisão das instâncias que concluíram pela incompetência internacional do tribunal nacional para apreciar o objecto da causa. Decisões das instâncias que são também correctas quando observam, como argumento adjuvante, que o lugar – e a forma de cumprimento – da obrigação de restituição, assente na resolução do contrato promovida pela autora, objecto do seu pedido, não emerge de qualquer convenção das partes, antes foi unilateralmente decidida pela demandante, pelo que, no momento da conclusão do contrato, à demandada não seria previsível, em termos de razoabilidade, o seu accionamento no tribunal português (Considerando 16 do Regulamento).

Do percurso argumentativo percorrido extrai-se, como proposição mais saliente, a seguinte:

- O Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução em matéria civil e contratual, de 12 de Dezembro de 2012 (Regulamento de Bruxelas I bis), elege, em matéria contratual, por aplicação de uma noção autónoma de lugar do cumprimento, como elemento de conexão para a determinação do tribunal internacionalmente competente, não a obrigação objecto do concreto pedido do demandante, mas a obrigação característica do contrato, pelo que só releva, na venda de bens, o lugar de cumprimento da obrigação de entrega e, na prestação de serviços, o lugar de cumprimento da obrigação do prestador de serviços."


[MTS]