16/12/2025

Jurisprudência 2025 (55)


Prova pericial;
livre apreciação


1. O sumário de RP 25/2/2025 (1379/14.2TBVNG.P1) é o seguinte:

I - O julgador, em matéria de natureza médica, de aferição da violação das leges artis, não deve afastar-se das conclusões do relatório pericial unânime se não estiver na posse de um meio probatório no mínimo de valor igual, senão superior, sob pena de reduzir a absoluta inutilidade a perícia colegial especializada e desconsiderar o meio probatório por excelência neste tipo de responsabilidade.

II - Ao doente caberá demonstrar que houve da parte do médico, prestador de serviços de saúde, uma desconformidade entre os actos praticados e as leges artis, bem como o nexo de causalidade entre essa desconformidade e o dano que apresenta.
 

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Impugnação da decisão sobre a matéria de facto. [...]

Ponto 22 dos factos provados - “Aquando do procedimento realizado pelo réu BB, este intercetou o nervo alveolar inferior da mandíbula da autora.”

Este é um dos pontos de facto fulcrais da apreciação deste recurso e, antecipamos desde já que não podemos acompanhar a fundamentação do tribunal a quo para dar como provado tal facto.

Pelo contrário, quer a prova produzida nos autos, mormente documental, devidamente articulada com a prova testemunhal e por declarações de parte, quer a prova primordial neste tipo de ações de responsabilidade civil por acto médico - prova pericial pelo colégio de médicos da especialidade - quer mesmo as regras do ónus de prova, impunham que tal facto fosse considerado não provado, resultando evidente o erro de julgamento quanto a esta matéria de facto da própria fundamentação vertida na sentença recorrida. [...]

Não obstante, a determinada altura da motivação o tribunal a quo afirmou que “decisivo para a resposta à matéria de facto foi o relatório pericial junto a 13/03/2019, os esclarecimentos posteriores prestados pelos Senhores peritos juntos a 16/09/2020 e o relatório da TAC efetuada à autora em 2010, junto com a petição inicial como documento 7 (cujo original foi junto a 23/02/2018, a fls. 253), no que tange à existência de uma lesão no nervo alveolar inferior e de ter resultado do procedimento de extração do dente e colocação do implante”.

Esta afirmação, numa primeira análise, indiciava que o tribunal a quo teria acompanhado as conclusões do relatório pericial e nestas os Srs peritos teriam concluído que o procedimento da extração do dente e colocação do implante haviam causado uma lesão no nervo alveolar da autora - meio probatório crucial para uma decisão assertiva e sustentada em matéria cujo juízo eminentemente técnico ultrapassa os conhecimentos de um juiz; no entanto assim não aconteceu porquanto o Sr Juiz a quo, contrariando frontalmente as conclusões a que chegaram os Srs peritos que compunham o colégio de especialistas em medicina dentária, considerou superada a dúvida razoável a que aqueles peritos chegaram quanto ao erro médico de que a Autora se queixava e do nexo causal entre a intervenção de implantologia realizada pelo Apelante Réu e a lesão que hoje ela apresentará, com base num simples relatório de uma TAC que padece confessadamente de erros e não se mostra acompanhado das imagens (essenciais para confirmação do relatório escrito desse exame) e que foi por isso mesmo considerado pelos Srs peritos um meio inadequado para a prova daqueles factos.

Para total compreensão do raciocínio percorrido pelo Sr Juiz a quo, passamos a citar o segmento da motivação que a esse propósito consta da sentença recorrida:

“Nestes relatório e esclarecimentos os Senhores Peritos tomam posição concreta sobre a existência de uma lesão no nervo alveolar inferior (p. 16 do relatório inicial e resposta 7 aos “quesitos constantes da página 184” dos esclarecimentos) e embora não sejam tão assertivos quanto à causalidade dessa lesão com a colocação do implante, dizendo que os indícios são sugestivos, mas pode existir uma dúvida razoável (p. 16 do relatório inicial e resposta ao quesito 8) nos esclarecimentos), o relatório da TAC afasta essa dúvida.

Nesse documento 7 junto com a petição inicial diz-se concretamente que o implante dentário ultrapassava em milímetros o canal do dentário inferior, ou seja, o implante intercetou, cortou o nervo alveolar.

É verdade que este relatório do TAC contém dois lapsos, pois que refere o implante dentário no 2.º quadrante e na topografia de 2.6, quando discutimos o 3.º quadrante e o dente 3.6, se bem que estas incongruências foram admitidas pela testemunha JJ, médica que fez o TAC e escreveu o relatório, tendo em julgamento admitido que a referência ao segundo quadrante e ao dente 2. 6 e não ao 3.º quadrante e ao dente 3.6 se tenham tratado de lapsos de escrita.

E disso certamente se tratou, não havendo noticia que a autora tenha feito outro implante, concretamente naquele dente 2.6 (e que, por coincidência incrível, tivesse cortado o nervo alveolar – se bem que teria de ser o superior e não o inferior, dado o 2.º quadrante se situar nos dentes de cima da boca), não tendo o demais exposto no relatório do TAC efetuado pela Dr. JJ sido posto em causa, concretamente que o implante tenha ultrapassado o canal dentário inferior, sendo esta a questão essencial.

O próprio réu BB, insurgindo-se contra o papel com que a autora se apresentou numa consulta em que aparentava a interceção do implante com o nervo alveolar (a ré CC aludiu igualmente a esta situação dizendo que a autora tinha consigo um desenho, não sabendo o tribunal se esse tal papel/desenho poderá ser o documento 4 junto com a petição inicial), referia que se trata de uma imagem a duas dimensões que não permitia concluir desse corte, apenas uma TAC o permitia avaliar.
 
Também a testemunha FF, médico que a determinada altura seguiu em consulta a autora, explicou que a TAC é que permitiria verificar a origem do problema.
 
E o relatório pericial apresentado pelos Senhores peritos igualmente o menciona, dizendo que “um exame de tomografia computorizada, ao apresentar nos seus cortes paraxiais uma terceira dimensão (vestíbulo-lingual), que a ortopantomografia não consegue exibir, poderia ajudar a perceber se a cortical do osso que circunda o nervo alveolar inferior, estão ou não intacta e dessa formam poder-se estabelecer a ausência ou eventual afetação do nervo” (p. 17 do relatório pericial junto a 1 de março de 2019).
 
Ora, essa TAC foi feita e muito embora não se tenha a imagem, que não foi junta ao processo, tem-se o relatório, onde a interceção do implante com o nervo alveolar é referida expressamente, não tendo o relatório nesta parte sido objeto de controvérsia ou de emenda aquando do depoimento da médica que o elaborou.
 
O relatório da TAC é assim decisivo e permite afastar as dúvidas expressas.
 
Uma nota para referir que o réu BB mencionou que da imagem da TAC que posteriormente ao ato médico a autora fez resultava que o implante e o nervo não estavam sobrepostos, mas mais uma vez se chama a atenção que essa imagem não consta do processo, apenas consta o relatório da TAC elaborado pela médica que o fez, cuja conclusão de sobreposição não foi colocada em causa aquando do seu depoimento.

O mesmo se dirá a propósito do relatório da CESPU, clinica onde DD presta atividade, junto a fls. 222, que se julga que data de dezembro de 2016 (o relatório em si não tem data, tendo esta data o ofício que o envia para tribunal (fls. 221), pois que referindo que da TAC verificava-se que o implante colocado na zona do dente 3.6 estava próximo do nervo alveolar, mas sem interceção, continua sem se fornecer a imagem da TAC, já se sabendo que do relatório do médico que o fez (a testemunha JJ) resulta exatamente o contrário, existe interceção do implante com o nervo alveolar ou, como se diz nesse relatório, a sua extremidade caudal ultrapassa em milímetros o canal do dentário inferior.
 
Esta menção no relatório da TAC de 2010 à interceção do nervo alveolar com o implante não é considerada no processo de sinistro efetuado pela ré B..., que foi junto com o requerimento de 15/12/216 (fls. 189 e seguintes), não obstante o relatório dessa TAC constar desse processo de sinistros, referindo que o resultado da TAC “foi dado a conhecer ao segurado que concluiu não existir secção do nervo alveolar” (p. 193) e mais à frente que “não existe prova da natureza da lesão que a paciente alegar sofrer; ao invés, existe um relatório de uma TAC mandibular que não identifica qualquer lesão no nervo alveolar inferior”(p. 196), certo que do dito relatório resulta exatamente o contrário, sendo assim este processo de sinistro mais um documento que não merece credibilidade.
 
Por outro lado, a TAC entretanto realizada à autora no âmbito deste processo, cujo relatório foi junto a 18/10/20219 (fls. 307), não consegue trazer nova luz a esta questão, porquanto concluiu que o método de imagem não permite excluir ou afirmar a existência de danos no nervo alveolar inferior, permitindo apenas definir a integridade da cortical do canal ósseo em que esse nervo se localiza.
 
(…) Aqui chegados, cabe recordar que o único elemento objetivo que existe quanto à lesão e causalidade é o relatório da TAC realizada à autora em 2010, junto com a petição inicial como documento 7, constado o original a fls. 253, dele, como se viu, resultando que o implante dentário ultrapassava em milímetros o canal do dentário inferior.
 
Sem prejuízo, existem outros elementos que igualmente apontam para a existência de uma lesão e para a sua causalidade com o ato médico em causa. Tal como referido por FF e por KK, médico que referiu ter observado a autora numa consulta há cerca de 12 anos, tendo-lhe feito um exame clínico e uma radiografia (embora não tivesse sido dito, ficou a pensar-se que poderia ser a imagem que constitui o documento 4 junto com a petição inicial), as queixas que a autora apresentava eram compatíveis com esse tipo de lesão, queixas que estas testemunhas disseram ser adormecimento do lábio, falta de sensibilidade e dor (KK referiu que a autora podia sentir dor, dor neuropática), tendo apenas FF referido que estas sensações deveriam ser na mandíbula e não propriamente no lábio, onde a esta distância temporal julgava que a autora apresentava as ditas queixas.
 
Independentemente disso, é certo que a autora se queixava de dores e/ou de desconforto, pois que o fez perante os réus CC e BB, que em função da sua repetição mandaram fazer a TAC e reencaminharam a autora para ser assistida pelo Professor DD, fê-lo perante este (que disse que se queixava de ter dores e “picos”), fê-lo perante FF e KK como se viu,, fê-lo perante LL (marido da autora), MM (amiga da autora) e NN (filha da autora), o que leva a ponderar que a situação clínica que exibia era no sentido de ter sofrido uma lesão que pudesse justificar essas dores.
 
E estas queixas da autora surgem após a intervenção levada a cabo pelo réu BB e repetem-se, pelo que se percebeu, durante anos, variando um pouco conforme as pessoas que as relatavam, fossem dores ou falta de sensibilidade (LL, MM e NN aludiram sobretudo a falta de sensibilidade (o primeiro), sensação de boca paralisada e babar-se (a segunda e terceira), acabando estas queixas por encontrar respaldo ou justificação no relatório da TAC que descreve o corte do nervo alveolar.
 
A lesão, os sintomas e as queixas de dor são igualmente mencionadas no relatório pericial e esclarecimentos posteriores escritos, tal como dado por provado, aludindo-se a sensação álgica, afasia, disartria (embora se tenha entendido não terem grande significado por o decurso do tempo permitir uma adaptação e reabilitação e a insensibilidade), tendo ainda os Senhores Peritos dissertado nos esclarecimentos que prestaram em audiência de julgamento sobre uma parestesia com o corte do nervo alveolar, acabando nos esclarecimentos posteriores escritos por concluir que as lesões sofridas pela autora determinam um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, tendo ainda uma nevralgia unilateral sensitiva de ramo do trigénio de 0,2.
 
Em função desta prova, as declarações dos réus CC e BB e da testemunha DD de que o procedimento médico efetuado pelo segundo foi correto, na extração do dente e colocação do implante não houve interceção do nervo alveolar e que os testes de sensibilidade efetuados à autora não davam resposta positiva não merecem credibilidade e são dadas por não provadas.”
 
Temos sérias dificuldades em perceber como pode o julgador, leigo em matéria de medicina dentária, afirmar de forma peremptória que não tem dúvidas que “o implante intercetou, cortou o nervo alveolar”, quando quem tem competência médica para tal poder afirmar não o afirmou, como se extrai do relatório pericial elaborado por peritos médicos da especialidade cuja competência não foi posta em causa por qualquer das partes, os quais estando habituados a interpretar relatórios médicos não consideraram suficiente para ultrapassar as suas dúvidas o relatório da TAC de 2010 dissociado das imagens que o deviam acompanhar e que não se mostraram acessíveis para análise e confirmação daquele relatório, como eles próprios esclareceram.

Os Srs peritos haviam solicitado que lhes fossem enviadas as “imagens constantes da TAC de 22.10.2010, de forma a avaliar a proximidade da extremidade do implante com o nervo mandibular do lado esquerdo da face da Autora”, por se mostrarem necessárias para a conclusão do relatório pericial, precisamente porque o mesmo contém várias imprecisões, nomeadamente quanto à identificação do dente alvo de intervenção cirúrgica e posterior colocação do implante dentário, imagens que o tribunal a quo não conseguiu que lhes fossem entregues.

O julgador, neste tipo de matérias eminentemente de natureza médica, de aferição da violação das leges artis, das quais são especificamente conhecedores os profissionais dessa área - neste caso de medicina dentária-, não deve afastar-se das conclusões do relatório pericial se não estiver na posse de um meio probatório no mínimo de valor igual, senão superior, sob pena de reduzir a absoluta inutilidade a perícia colegial especializada que ele próprio admitiu ser um meio probatório “decisivo”.

Admitiríamos que o tribunal a quo o pudesse fazer se estivesse por ex. na posse das imagens da referida TAC de 2010 e estas mostrassem o referido corte do nervo alveolar, mas não foi isto que sucedeu.

Salvo o devido respeito, não deve o Sr juiz a quo lançar mão de um meio de prova de valor incomensuravelmente inferior ao laudo médico (relatório de uma TAC desacompanhado das imagens), que os Srs peritos fundamentadamente não consideraram ter valia técnica para afastar as dúvidas sobre o próprio erro médico e o nexo causal, e afirmar que não tem dúvidas, e que não as tem porque no seu entender aquele relatório da TAC de 2010 as afasta, em total oposição ao juízo técnico vertido no relatório pericial unânime que também acedeu a tal relatório da TAC.

Mas mais importante que tudo é que, ainda que se pudesse afastar a valia técnica do relatório pericial pela razão exposta na fundamentação da sentença recorrida, o que não concedemos, consideramos que o juízo feito pelo Sr Juiz a quo não encontra suficiente arrimo em qualquer outro meio de prova produzido nos presentes autos, não existindo absolutamente nada que lhe permita afirmar que “o implante intercetou, cortou o nervo alveolar”, porque contrariamente ao sustentado na decisão recorrida mesmo que o referido relatório da TAC de 2010 fosse suficiente para contrariar o relatório pericial, o que mais uma vez não concedemos, também nele não se atestou que tenha havido interceção do implante com o nervo alveolar, ou que o implante tenha cortado o nervo alveolar, apenas que identificaram “a presença de implante dentário no 2º quadrante, na topografia de 2.6, a sua extremidade caudal ultrapassando em milímetros o canal do dentário inferior e distando cerca de 2 mm a extremidade cranial do implante da crista alveolar.”

Resulta ainda incontroverso dos autos que a Autora, após a intervenção realizada pelo Apelante/Réu e perante as suas queixas, foi por eles encaminhada para acompanhamento pelo médico DD, o qual foi ouvido como testemunha e confirmou no geral o que já constava do relatório clínico enviado aos autos pelo CESPU, do qual consta expressamente o seguinte: “a senhora AA recorreu pela primeira vez à consulta de Medicina Dentária da Unidade Clínica de E..., onde foi observada pelo Prof. Doutor DD, na consulta de especialização do Mestrado Em Reabilitação Oral, no dia 9 de dezembro de 2010, referindo dor difusa na região dos incisivos e pré-molares do quadrante inferior esquerdo. Na análise da tomografia axial computorizada de que a paciente era portadora, visualizava-se um implante colocado na zona de dente 3.6, próximo do nervo alveolar, mas sem interceção. Os testes de sensibilidade aos referidos dentes mostravam-se positivos.”

Nessa altura, próxima da intervenção realizada pelo Apelante/Réu, aquele médico observou a autora e afirmou que esta se fazia acompanhar da TAC, e que da análise desse meio de diagnóstico não tinha visualizado qualquer interseção do nervo alveolar.

Tendo sido posteriormente encaminhada a autora para o serviço de estomatologia do Hospital ..., veio a ser consultada pelo médico Dr FF, como este confirmou e já constava do relatório clínico enviado aos autos por este hospital, médico que não afirmou ter constatado qualquer interseção ou corte do nervo alveolar (como ficou vertido no ponto 57 dos factos não provados- facto não impugnado), contrariamente ao que alegara a autora na PI, o que veio a ser corroborado pelo médico que passou a seguir a autora naquele hospital - OO- que lhe realizou Rx ortopantomografia, “não visualizando qualquer alteração anatómica ou lesão patológica”, pelo que referenciou para a consulta da dor após falar com outro médico da mesma especialidade daquele serviço.

Não existe nos autos um único relatório clínico que afirme que aquando do procedimento realizado pelo réu BB, este intercetou o nervo alveolar inferior da mandíbula da autora, tal como não foi produzida qualquer prova testemunhal nesse sentido, mormente nenhum dos médicos que posteriormente acompanharam a autora o afirmou, e o relatório pericial do colégio da especialidade realizado nestes autos, complementado pelos vários esclarecimentos escritos e orais dos peritos médicos que o subscreveram, também não o conseguiram afirmar.

Nesse relatório, ao quesito “o implante atingiu o nervo alveolar?” os Srs peritos médicos responderam de forma unânime que “na imagem radiográfica (referindo-se à ortopantomografia porque não tiveram acesso às imagens da TAC) o ápice do implante está mais baixo que a porção mais superior do canal do nervo alveolar inferior, mas esse dado pode não ser suficiente para provocar lesão neurológica(…); ao quesito “intervenção levada a cabo pelo 1º Réu - a extração do dente 3.6 e colocação de implante dentário causou lesões à Autora?” responderam de forma unânime que “ constam do processo e do exame pericial relatos nesse sentido e até indícios muito valorizáveis que corroboram essa possibilidade, no entanto há variáveis que estes peritos não conseguem apurar para de forma concreta e robusta afirmarem essa causalidade; ao quesito “pode ocorrer lesão no nervo alveolar inferior por motivos externos à extração e colocação de implante dentário ?” responderam que sim e deram como exemplo os mais frequentes: traumatismo, processos inflamatórios, vírus ou casos de osteomielite que podem conduzir à lesão dessa estrutura nervosa; ao quesito de “se as lesões que afetam a autora a nível do nervo alveolar inferior são resultado de um implante realizado ao nível do 3º quadrante (dente 36)?” responderam que existe essa possibilidade, salvaguardando-se a possibilidade de ser difícil de apurar esse facto de forma concreta e robusta, e ao quesito “ é possível estabelecer um nexo de causalidade entre o implante realizado e as dores alegadamente sofridas pela autora?“ responderam unanimemente que apesar dos indícios serem disso sugestivos, poder haver uma dúvida razoável sobre o estabelecimento, de forma concreta e robusta, do nexo de causalidade sugerido no quesito.

Os Srs peritos acrescentaram ainda que, “um exame de Tomografia Computorizada, ao apresentar nos seus cortes paraxiais uma terceira dimensão (vestíbulo-lingual), que a ortopantomografia não consegue exibir, poderia ajudar a perceber se a cortical do osso que circunda o nervo alveolar inferior, está ou não intacta e dessa forma, poder-se estabelecer a ausência ou eventual afectação do nervo, respectivamente”, daí que, não lhes tendo sido facultadas as imagens da TAC de 2010, realizada pouco depois da intervenção executada pelo Apelante/Réu, tenham concluído existir dúvida razoável sobre se a lesão que hoje a autora apresenta (aquando do relatório pericial haviam decorrido cerca de 9 anos) tenha sido causada pelo acto médico por aquele praticado.

Ora, se a inexistência das imagens invocada pela clínica que realizou tal exame não suscita à partida grandes reservas dado o hiato de tempo entretanto decorrido, o mesmo não podemos afirmar relativamente à autora, que delas foi portadora, que inclusivamente as terá mostrado aos Réus e ao médico DD e que alegou no decurso do processo, quando foi instada a juntá-las para apresentação aos Srs peritos, que não as tinha, não sendo curial que as não tenha guardado se efectivamente evidenciavam a alegada lesão do nervo alveolar como sustentava, até porque terá sido submetida à referida TAC em 2010 precisamente para averiguar se teria havido alguma lesão na intervenção de implantologia em questão, o que reforça as nossas dúvidas que tal lesão tenha sido causada pelo ato médico em questão.

Para sermos rigorosos vertemos aqui a parte das conclusões do relatório pericial que importa para esta questão de facto:

“6. Admite-se como facto clínico uma proximidade do implante ao canal onde está, normalmente, localizado o nervo mandibular.

(…) 8. Processos inflamatórios ou traumáticos que afectem este nervo podem desencadear o quadro clínico descrito no foro neuromuscular reportado pela autora com carácter que pode ser temporário ou permanente.

(…) 10. Os peritos consensualizaram para o presente caso, que face aos dados existentes e constantes do processo ou verificáveis aquando da perícia médico-legal, pode ser adequada uma razoável dúvida acerca do nexo de causalidade entre o procedimento conjunto de exodontia do dente 36 e de colocação de implante imediato, com os efeitos relatados do quadro neurológico consequente.”

E é aqui que entra a regra do ónus probatório, regra determinante em sede de julgamento da matéria de facto, porquanto se da articulação e apreciação crítica de toda a prova produzida o juiz se deparar com a dúvida sobre a realidade de determinado facto deverá observar a regra consagrada no art.414º do CPC.

E sendo assim, como se impunha à Autora a prova da violação das leges artis e do nexo de causalidade entre o acto médico praticado pelo Apelante/Réu e a lesão e sequelas de que se queixa, confrontados com a dúvida sobre a realidade desse facto a mesma resolve-se contra a autora, a quem o facto aproveita, pelo que nada mais nos resta que dar tal ponto de facto como não provado.

Em suma, pelas razões exaustivamente expostas determinamos a eliminação do ponto 22 dos factos provados e sua transição para o elenco dos factos não provados".

[MTS]