12/03/2020

Jurisprudência 2019 (194)

 
Prova documental;
juizos pessoais do documentador
 
 
1. O sumário de STJ 17/10/2019 (1146/17.1T8BGC.G1.S2) é o seguinte:
 
I. Na medida em que os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador (art. 371º, nº 1, in fine, do CC), ao dar como provada a incapacidade do testador no momento da outorga de testamento outorgado perante notário, com a consequente anulação do mesmo, não incorreram as instâncias em violação da norma de direito probatório (art. 371º, nº 1, primeira parte, do CC) que atribui força probatória plena aos documentos autênticos.

II. O respeito pelas regras de distribuição do ónus da prova entre a parte que impugna a validade do testamento e a parte que defende essa validade é uma questão de direito que cabe dentro das competências do STJ (cfr. art. 674º, nº 1, do CPC), enquanto o juízo probatório - mediante uso de simples presunções judiciais (cfr. art. 351º do CC) - acerca da situação de incapacidade do testador no momento da outorga do testamento, constitui matéria de facto não sindicável em sede de revista, nos termos do nº 3 do art. 674º do CPC, salvo nas hipóteses excepcionais previstas na parte final desta norma. Apenas admite a jurisprudência deste Supremo Tribunal, ainda que não unanimemente, que seja sindicável a ilogicidade manifesta no uso das referidas presunções judiciais.

III. No caso dos autos, o juízo probatório acerca da verificação da situação de incapacidade do testador aquando da outorga do testamento não padece de qualquer ilogicidade, manifesta ou não, pelo que não merece censura.

IV. Ao entender que aos autores cabia fazer a prova dos factos constitutivos do direito invocado (a incapacidade do testador no acto de testar) e à ré cabia fazer a prova dos factos extintivos do direito invocado (encontrar-se o testador, no momento da outorga do testamento, num “intervalo lúcido” do seu estado de demência), respeitou a Relação os princípios normativos relativos à distribuição do ónus da prova consagrados no art. 342º, nºs 1 e 2, do CC.

V. Tendo a Formação prevista no nº 3 do art. 672º do CPC considerado verificados os pressupostos de admissibilidade da revista, por via excepcional, não poderá censurar-se a decisão de interposição do recurso para efeitos de condenação da recorrente como litigante de má-fé.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"7. A questão de saber se o facto de o testamento ter sido outorgado perante notário constitui presunção legal e suficiente de como aquele acto é dotado de validade e eficácia, na medida em que – segundo alega a Recorrente – “aquele garante em primeira linha a capacidade do testador aquando da outorga do testamento”, tem sido repetidamente apreciada na jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido que encontramos consignado, entre outros, no acórdão de 8 de Março de 2018 (proc. nº 2170/13.9TVLSB.L1.S1), relatado pela relatora do presente acórdão e consultável em www.dgsi.pt:

“Relativamente à questão da alegada força probatória plena do testamento quanto à capacidade da testadora no momento da sua outorga por ter sido lavrado por notária, dispõe o nº 1 do art. 371º do CC: “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador”.

Interpretando esta regra, é entendimento pacífico que “Não é sempre a mesma a força material de um documento autêntico: depende da razão de ciência invocada. Assim, ficam plenamente provados os factos que nele se referem como tendo sido praticados pela entidade documentadora, autora do documento (que conferiu a identidade das partes, ou que lhes leu o documento…), ou que nele são atestados com base nas suas percepções (por ex., as declarações que ouviu ou os actos que viu serem praticados); mas os meros juízos pessoais do documentador (que a parte se encontrava no pleno uso das faculdades mentais ou semelhante) ficam sujeitos à regra da livre apreciação pelo julgador.” (Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, anotação ao artigo 371º, da autoria de Maria dos Prazeres Pizarro Beleza).” [...]

Assim sendo, conclui-se que, ao dar como provada a incapacidade do testador no momento da outorga do testamento, com a consequente anulação do mesmo, não incorreram as instâncias em violação da norma de direito probatório (art. 371º, nº 1, do CC) que atribui força probatória plena aos documentos autênticos."
 
[MTS]