16/04/2020

Jurisprudência 2019 (219)


Requerimento probatório;
alteração


1. O sumário de RP 7/11/2019 (3338/17.4T8AVR-A.P1) é o seguinte:


I - O artigo 598.º, n.º 1, do Código de Processo Civil permite a alteração do requerimento probatório na audiência prévia, em termos tais que não impedem a apresentação de meios de prova diversos dos apresentados inicialmente.

II - A alteração do requerimento probatória prevista no n.º 1 do artigo 598.º do Código de Processo Civil, não conhece restrições, apenas se exigindo que a parte tenha apresentado inicialmente requerimento probatório, condição para se falar em alteração.

III - Na alteração prevista naquele preceito inclui-se a hipótese de a parte requerer meios de prova não indicados inicialmente, pelo que constitui lícita alteração de requerimento probatório a circunstância de vir arrolar testemunhas ou requerer perícia, quando, com a petição inicial ou com a contestação, apenas havia apresentado documentos para prova dos fundamentos da acção ou defesa.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"[...] o Código de Processo Civil de 2013, quebrando a tradição do nosso processo civil, impõe às partes o ónus de apresentarem os seus requerimentos probatórios no respectivo articulado, como resulta do artigo 522º, nº 2 e do artigo 572º, alínea d) ambos do Código de Processo Civil.

Não obstante, o artigo 598º do Código de Processo Civil, primando a descoberta da verdade material, admite a alteração do requerimento probatório, no seu nº 1, mas ainda vai mais longe permitindo nos nºs 2 e 3 a possibilidade do rol ser aditado.

A par de que com o Código de Processo Civil de 2013 veio a ser consagrado o princípio da adequação formal no artigo 547º do mesmo diploma, ou seja, o poder/dever que a lei confere ao Juiz para ser exercido com vista à justa composição do litígio (artigo 6º nº 1 in fine).

Ora, decorre do disposto nos nºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil que:

“- O requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar nos termos do disposto no artigo 591.º ou nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 593.º.

- O rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias.”.

Da sua simples leitura se depreende que o Código de Processo Civil não estabelece qualquer limite à alteração ou aditamento do requerimento de prova nas referidas condições, pelo que, mesmo que se proceda à alteração e aí sim para ser alterado será necessário ter sido apresentado rol probatório nos termos do artigo 522º, o mesmo pode ser completamente alterado, de tal forma que o requerimento probatório definitivo pode ser em tudo distinto do inicialmente apresentado, assim facultando a apresentação de diferente meio de prova, salvaguardado o contraditório.

Segundo Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pág. 704, «o requisito mínimo é que tenha sido anteriormente apresentado algum requerimento probatório, podendo a alteração traduzir-se, se necessário, na indicação de outros meios de prova que tenham sido indicados ou apenas na alteração dos meios de prova que não tenham sido indicados ou apenas na alteração dos meios de prova já enunciados».

Segundo Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2018, págs. 141-142, está em causa a alteração de requerimento probatório que foi apresentado no momento devido, ou seja, com o respectivo articulado. Se a parte não apresentou requerimento algum com os articulados, não o pode fazer depois, ao abrigo do artigo 598.º, n.º 1, por preclusão da faculdade processual, porquanto não se altera ou adita o que não existe.

Coisa diferente é a parte ter apresentado certo requerimento probatório junto com os articulados e vir mais tarde requerer meio de prova diverso. Ora, visto que o artigo 598.º, n.º 1 se refere a este acto processual, sem mais distinções, forçoso é concluir que os concretos meios de prova nele indicados podem ser alterados.

Ainda segundo o mesmo Autor, a alteração do requerimento probatório tanto pode corresponder a uma substituição de provas anteriormente requeridas, como a um aditamento de provas novas relativamente às já requeridas - cf. no mesmo sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 23.03.2017, proferido no processo n.º 425/16.0YIPRT-A.L1, in www.dgsi.pt..

Segundo Paulo Pimenta, in Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 296 e nota 679, a alteração prevista no n.º 1 do artigo 598.º do Código de Processo Civil, «não parece conhecer restrições, apenas se exigindo que a parte tenha apresentado inicialmente requerimento probatório, condição para se falar em alteração. (...)

Na alteração prevista no n.º 1 do art.º. 598.º inclui-se, naturalmente, a hipótese de requerer meios de prova não indicados inicialmente. E também constitui alteração de requerimento probatório (permitida pois) a circunstância de a parte vir agora arrolar testemunhas ou requerer perícia, quando (apenas) juntou à petição inicial ou à contestação documentos para prova dos fundamentos da ação ou defesa».

Segundo Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. I, Almedina, 2013, pág. 519, «a alteração do requerimento probatório pressupõe que já tenha sido apresentado um requerimento, que então se altera. Essa modificação pode, todavia, ser da mais diversa ordem, desde a ampliação do rol de testemunhas - dentro dos limites fixados por lei -, até à apresentação de diferentes meios de prova, passando pelo requerimento de notificação das testemunhas já arroladas. A título de exemplo, a mera apresentação de um documento com a petição inicial - para efeitos probatórios (...) - compreende um requerimento implícito de admissão como meio de prova, tanto bastando para que o autor fique habilitado a alterar este requerimento na audiência prévia, apresentando, por exemplo, um rol de testemunhas».

Era, por isso, perfeitamente lícito aos autores, ora apelados, apresentar o rol de testemunhas no termos em que o fizeram.

Esta interpretação parece-nos a única compatível com o texto do artigo 598.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ao não estabelecer qualquer restrição ao modo de alteração do requerimento probatório, assim permitindo a apresentação de diferente meio de prova, como as exigências de contraditório impõem que as partes organizem a sua prova em pleno conhecimento dos articulados da parte contrária e do enunciado dos temas de prova.

Logo, apesar dos apelados apenas terem apresentado prova documental com a sua petição inicial, não estavam impedidos de, face à contestação apresentada e ao modo como os temas de prova foram enunciados, apresentar outros meios de prova no momento processual previsto no artigo 598.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, como a confissão, a perícia, a inspecção judicial ou, como foi o caso, a testemunhal.

Além disso, o direito à prova é uma concretização do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa) pelo que na dúvida deve fazer-se uma interpretação conforme a Constituição e acolher um sentido interpretativo menos restritivo dos direitos dos sujeitos processuais e em favor do “princípio pro actione” e, portanto, da admissibilidade da alteração do requerimento probatório.

Ponderando que esta é a linha jurisprudencial que reputamos mais conforme aos princípios processuais civis supra mencionados, o recurso merece ser desatendido - cf. neste sentido os Acórdãos da Relação de Lisboa de 15.09.2016 e de 23.03.2017, proferidos, respectivamente, nos processos 1130-14.7TVLSB-A.L1-8 e 425-16.0YIPRT-A.L1-6, ambos publicados em www.dgsi.pt."

[MTS]