Prestação de contas;
processo dependente
I. O sumário de RL 26/9/2023 (608/22.3T8VFX-A.L1-7) é o seguinte:
1.– Não é nula, nem por excesso, nem por omissão de pronúncia, a decisão de indeferimento liminar, proferida logo após a distribuição dos autos, assente sobre um dos possíveis enquadramentos jurídicos da questão com a qual a parte podia razoavelmente contar, fundada na suposta impropriedade da forma e na manifesta inexistência do direito afirmado pela autora.
2.– O prazo de um ano compreendido no n.º 1 do art. 2093.º do Cód. Civil deve ser contado desde o momento em que, na pessoa do devedor da prestação de contas, se reúnem os pressupostos imediatamente previstos na lei substantiva para o exercício do cargo de cabeça-de-casal.
3.– A dedução de pedido visando a prestação de contas pelo cabeça de casal, por apenso ao processo de inventário, respeitante à sua administração da herança em período anterior à nomeação judicial para o cargo, conjuntamente com idêntico pedido respeitante à administração realizada após esta nomeação, traduz uma cumulação inicial de pedidos (arts. 549.º, n.º 1, e 555.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil).
4.– O caso descrito no ponto anterior resolve-se nos quadros do disposto no n.º 1 do art. 37.º e no n.º 1 do art. 555.º, ambos do Cód. Proc. Civil, sendo de concluir que inexiste obstáculo processual à referida cumulação inicial de pedidos.
5.– A instauração da ação (de processo especial) de prestação de contas por apenso ao processo de inventário (art. 947.º do Cód. Proc. Civil), quando não é deste dependente, não se resolve num problema de impropriedade da forma ou do meio processual, mas sim de falta de distribuição (art. 205.º do Cód. Proc. Civil).
II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"4.– Demanda do réu AM
4.1.– Indevida demanda como dependência de outra causa
Como vimos, a decisão impugnada, no que ao réu AM diz respeito, funda-se na circunstância de “tal ação de prestação de contas [ser] alheia ao cabecelato exercido no âmbito do processo de inventário, pelo que não deverá correr por apenso ao mesmo – cfr. art. 947.º do Cód. Proc. Civil”. O tribunal a quo identificou, muito certeiramente, uma anomalia adjetiva da ação, mais precisamente, na demanda do réu AM.
Estabelece o art. 941.º do Cód. Proc. Civil que “[a] ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”. Tratando-se de uma obrigação do cabeça de casal, são as contas “prestadas por dependência do processo em que a nomeação haja sido feita” – art. 947.º do Cód. Proc. Civil. O mesmo é dizer que, por força do disposto no art. 206.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, a ação para prestação de contas por parte do cabeça de casal deve correr por apenso ao processo de inventário “em que a nomeação haja sido feita”.
Nunca tendo o réu sido nomeado cabeça de casal, falece a conexão processual que justifica e impõe a dispensa de distribuição da ação de prestação de contas. Tal não significa, porém, que, tendo a ação sido instaurada por apenso, a sanção para a falta de distribuição seja o indeferimento liminar da petição inicial. A este respeito, determina o art. 205.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil que, no que aqui releva “[a] falta (…) da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo, mas pode ser (…) suprida oficiosamente até à decisão final”.
Em suma, em geral – vista isoladamente a ação instaurada contra AM –, não deve a petição inicial ser liminarmente indeferida, se for constatado o seu irregular processamento por apenso, devendo, sim, ser remetida à distribuição (dando-se baixa do apenso indevidamente criado, por culpa do autor), com eventual tributação em custas, pela atividade anómala gerada – não ficando prejudicado o conhecimento da competência territorial, designadamente, por parte do juiz a quem viesse a ser distribuída a ação, caso seja excecionada a incompetência do tribunal.
No entanto, em concreto, a ação instaurada contra AM não pode ser vista isoladamente, já que a autora o demandou conjuntamente com a ré MR. Assim, se a demanda conjunta não for admissível, não restará outra solução que não seja a absolvição do réu da instância, sem necessidade da indicação prevista no n.º 1 do art. 38.º do Cód. Proc. Civil, já que o mais pedido (a contra a ré) pode ser apreciado na ação a correr por apenso, sendo impossível a cisão da petição (para remessa de uma sua secção à distribuição). O mesmo se diga, caso se conclua – em face da factualidade trazida pela autora em resposta ao convite ao aperfeiçoamento da petição que lhe deve ser dirigido – que a demanda conjunta é, em abstrato possível, nos quadros da coligação, relativamente à indicação prevista no n.º 4 do art. 37.º do Cód. Proc. Civil.
Como vimos, pode estar em discussão uma administração conjunta (em coautoria) por parte dos dois réus, a qual pode justificar (ou impor) a instauração de uma única causa, correndo os termos necessários aplicáveis à demanda da cabeça de casal. Esta incerteza só poderá ser ultrapassada em face da resposta que a autora der ao convite ao aperfeiçoamento da petição que lhe deve ser dirigido."
[MTS]
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