17/05/2024

Jurisprudência 2023 (172)


Intervenção principal;
dupla conforme


1. O sumário de STJ 17/10/2023 (2237/18.7T8PNF.P1.S1é o seguinte:

I – Verificando-se que a sentença e o acórdão recorrido convergiram inteiramente num aspecto fundamental da sua fundamentação, a saber, a consideração de que o A. incorreu em abuso do direito, nos termos gerais do artigo 334º do Código Civil, não podendo ser, por isso mesmo, atendida a pretensão que nestes autos formulou, a aplicação in casu desse instituto acaba por sobrepor-se (prevalecendo) sobre a restante análise jurídica efectuada em cada um dos acórdãos, o que é por si só suficiente para considerar a constituição de dupla conforme prevista no artigo 671º, nº 3, do Código Civil, impeditiva da interposição da revista normal.

II – Havendo a interveniente principal aderido ao articulado da 1ª Ré (e não do A.) no qual é expressamente reconhecida a prestação de declarações falsas por parte da dita Ré na escritura em referência, no que concerne à inexistência de outros herdeiros chamados à herança, atribuindo-se toda a responsabilidade por esse facto ao A., que premeditadamente engendrou o estratagema denunciado nos factos (definitivamente) dados como provados, tal significa que a ora reclamante se louvou no articulado em que é precisamente revelada a actuação abusiva do único demandante nestes autos.

III – Assim sendo, não pode a interveniente principal, que se limitou a colocar-se ao lado de uma das Rés, não formulando nos autos qualquer pretensão concreta nem desenvolvendo nenhuma actividade processual após a sua adesão ao articulado da Ré, sustentar a admissibilidade da revista e, muito menos, evitar a constituição de dupla conforme na sequência da única causa de pedir apresentada nos autos.

IV – Acresce que, nos termos do artigo 320º do Código de Processo Civil, a decisão que julga materialmente a causa versa igualmente sobre a relação jurídica respeitante ao chamado, apreciando-a e vinculando-o ao veredicto que foi proferido (não podendo o interveniente querer alhear-se da ratio decidendi que esteve na base na improcedência da acção e que constitui contra si caso julgado).

V – A inadmissibilidade da presente revista, nos termos gerais do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil, não ofende qualquer preceito de natureza constitucional, sendo certo que em momento algum a interveniente foi ou será impedida do exercício, com total autonomia e independência, do seu direito de acção (que aqui se reduziu à sua adesão ao articulado de uma comparte, onde era precisamente revelada a conduta abusiva e censurável do A., o qual formulou o único pedido que a reclamante pretende, agora e enviesadamente, aproveitar).


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"A não admissibilidade da presente revista (normal) deveu-se ao reconhecimento da constituição da dupla conforme, nos termos gerais do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil, e que assentou no funcionamento in casu do instituto do abuso do direito previsto no artigo 334º do Código de Processo Civil, que ambas as instâncias, pelos mesmos exactos fundamentos, concluíram corresponder juridicamente à actuação substantiva e processual do (único) A. na presente acção.

Logo, em qualquer circunstância e independentemente de outra (diferente) configuração jurídica constante da sentença e do acórdão recorrido, a qualificação da actuação do A. como manifestamente abusiva impediria inexoravelmente, sempre e em última linha, a improcedência do seu pedido, havendo por isso mesmo sido condenado, a título definitivo, como litigante de má fé (por deduzir censuravelmente pretensão assente numa realidade que bem sabia não ser verdadeira, procurando conscientemente um fim proibido por lei).

Ora, a reclamante não põe em causa esta circunstância (de que existe dupla conforme em relação ao carácter ilícito da conduta do A., impeditiva, por si só, do atendimento da respectiva pretensão).

O que diferentemente sustenta é que nada tem a ver com a prática dessa mesma conduta abusiva (por não ser ela quem pessoalmente a cometeu).

Acontece, porém, que a reclamante é interveniente principal nos presentes autos, tendo aderido (por requerimento apresentado em 28 de Fevereiro de 2019) ao articulado da 1ª Ré BB (e não do A.), apresentado em 8 de Outubro de 2018.

Articulado no qual é expressamente reconhecida a prestação de declarações falsas por parte da dita Ré BB na escritura em referência, no que concerne à inexistência de outros herdeiros chamados à herança de EE, e em que se atribui toda a responsabilidade por esse facto ao A. AA, que premeditadamente engendrou todo o estratagema denunciado nos factos (definitivamente) dados como provados.

O que significa que a ora reclamante se louva no articulado em que é precisamente revelada a actuação abusiva do único A. nestes autos.

Assim sendo, nunca poderia a interveniente principal, que se limitou a colocar-se ao lado de uma das Rés, não formulando nos autos qualquer pretensão concreta nem desenvolvendo actividade processual após a sua adesão ao articulado da Ré BB (não impugnou a sentença de 1ª instância, nem o acórdão do Tribunal da Relação do Porto em causa), sustentar a admissibilidade da revista e, muito menos, evitar a constituição de dupla conforme na sequência da única causa de pedir apresentada nos autos pelo A., que foi aliás denunciada no articulado ao qual aderiu, fazendo-o seu.

De resto, nos precisos termos do artigo 320º do Código de Processo Civil: “A sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado”, o que significa que a decisão que julga materialmente a causa versa igualmente sobre a relação jurídica respeitante ao chamado, apreciando-a e vinculando-o ao veredicto que foi proferido (não podendo o interveniente querer alhear-se da ratio decidendi que esteve na base na improcedência da acção e que constitui contra si caso julgado).

E óbvio outrossim que a inadmissibilidade da presente revista, nos termos gerais do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil, não ofende qualquer preceito de natureza constitucional, sendo certo que em momento algum a interveniente foi ou será impedida do exercício, com total autonomia e independência, do seu direito de acção (que aqui se reduziu à sua adesão ao articulado de uma comparte onde era precisamente revelada a conduta abusiva e censurável do demandante que formulou o único pedido que a ora reclamante pretende, agora e enviesadamente, aproveitar).

Concorda-se, assim e inteiramente, com o despacho reclamado, para cujos fundamentos se remete.

Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em indeferir a reclamação apresentada nos termos do artigo 652º, nº 3, do Código de Processo Civil, mantendo-se a decisão singular reclamada, julgando-se consequentemente findo o presente recurso e não se conhecendo do respectivo objecto, nos termos do artigo 652º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 679º do mesmo diploma legal."

[MTS]