29/10/2024

Jurisprudência 2024 (36)


Processo de inventário;
competência material


1. O sumário de RL 6/3/2024 (decisão individual) (9462/16.3T8SNT-A.L1-6) é o seguinte: 

O processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal, na sequência de divórcio decretado na competente conservatória do registo civil, podendo ser instaurado, atento o disposto no artigo 1087.º, n.º 2, do CPC, no tribunal (ou no cartório notarial), deverá ser instaurado no tribunal territorialmente competente, determinado por força do disposto no artigo 80.º do CPC, não funcionando a regra de conexão (que, nos termos do disposto no artigo 206.º, n.º 2, do CPC, determina a apensação de processos) existente no caso de ter havido prévio processo judicial onde o divórcio tenha sido decretado.

2. Na fundamentação da decisão escreveu-se o seguinte:

"Os presentes autos de inventário foram instaurados em 03-11-2022.

Conforme resultava do artigo 1404º, n.º 3, do CPC, na redação do D.L. n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, o inventário corria por apenso ao processo de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação, conforme a situação.

Esta norma foi revogada, após a alteração da regulação do inventário pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro.

A Lei nº. 117/2019, de 13 de setembro, com entrada em vigor a 01-01-2000, reintroduziu o processo de inventário judicial no Código de Processo Civil (artigos 1082.º a 1135.º do CPC).

O n.º 1 do artigo 1083º do CPC indica os casos em que o processo de inventário é da exclusiva competência dos tribunais judiciais, sendo que, será o caso, sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial.

Por seu turno, o n.º. 1 do artigo 1133. º do CPC., dispõe que, decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para a partilha dos bens comuns.

Nos termos do preceituado no nº. 1 do art. 122º da LOSJ:

“1 - Compete aos juízos de família e menores preparar e julgar: (…)
2 - Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos”.

No presente conflito de competência não é colocada em questão a competência material dos juízos de família e menores para a tramitação do processo de inventário instaurado.

Contudo, verifica-se que, muito embora tenha corrido ação judicial de divórcio, o extinto casal divorciou-se, não por decisão proferida no âmbito desse processo, mas sim, por via de decisão proferida pela Conservatória do Registo Civil onde os requerentes apresentaram, ulteriormente, pretensão nesse sentido, o que coloca a questão de saber se deverá funcionar a regra da competência por conexão – apensando-se o inventário ao divórcio – como o entendeu o Juiz “X”, ou se, ao invés, tal regra não funciona, nessa situação, como o considerou o Juiz “Y”.

Ora, nos casos em que não existe processo judicial de que o proposto inventário seja dependência, nomeadamente quando o divórcio foi decretado em Conservatória do registo Civil, trata-se de inventário que, de modo meramente facultativo, pode ser proposto em tribunal judicial.

A LOSJ não fixa qual o Juízo de Família e Menores territorialmente competente para processos de inventário que sigam o novo regime, ao invés do que sucedia quanto aos inventários tramitados nos cartórios notariais, no âmbito da Lei n.º 23/2013, de 5 de março, conforme decorria do disposto no artigo 3.º, n.º 6 do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado por este diploma legal.

Quanto aos inventários instaurados após a revogação do referido Regime Jurídico do Processo de Inventário, operada pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, não existe norma que fixe a competência territorial.

Já a competência territorial dos tribunais com a competência material para os restantes inventários – visando matéria sucessória – foi prevista no artigo 72.º-A, aditado pela referida Lei n.º 117/2019, sendo competente o tribunal do lugar da abertura da sucessão, sem prejuízo dos critérios subsidiários de determinação da competência territorial referenciados no mesmo normativo e do estabelecido no n.º 4 do artigo 12.º da Lei n.º 117/2019.

Assim, “quanto ao inventário subsequente a divórcio decretado por decisão da Conservatória do Registo Civil, como decorre do art. 1083º nº2 do CPC (pois é um dos “demais casos” aqui previstos por referência aos casos do nº 1), o seu requerente pode optar entre o tribunal judicial ou o cartório notarial” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-03-2023, Pº 553/22.2T8AVR.P1, rel. MENDES COELHO, na linha do Acórdão do mesmo Tribunal de 24-03-2022, Pº 4165/21.0T8AVR.P1, rel. ISABEL SILVA).

Ou seja: “O inventário para partilha dos bens comuns do casal, na sequência de divórcio decretado na competente conservatória do registo civil, pode ser instaurado, por escolha do requerente, no tribunal ou no cartório notarial, nos termos do art. 1087º/2 CPC. Optando o requerente por instaurar o processo no tribunal, determina-se o tribunal competente por aplicação do regime previsto no art. 80º CPC” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-01-2022, Pº 1240/21.4T8AVR.P1, rel. ANA PAULA AMORIM).

Conforme se lê neste último Acórdão, a alteração legislativa foi motivada “pela frustração dos objetivos que o legislador se propusera alcançar com a desjudicialização operada pela Lei 23/13 (…), perante objeções que se suscitaram em torno do princípio constitucional da reserva do juiz”, sendo que, “[p]erante a dimensão da alteração operada, com a reintrodução do regime do processo de inventário judicial, necessariamente esteve presente na mente do legislador as situações em que o processo de divórcio correu os seus termos na conservatória do registo civil (…). As alterações introduzidas pela Lei 117/2019 de 13 de setembro criaram, como se referiu, um regime de repartição de competências quanto à tramitação do processo de inventário, sem excluir em qualquer caso o recurso ao tribunal judicial. Apenas torna obrigatória a sua instauração no tribunal nas situações previstas no art. 1083º/1 CPC (…). A redação do art. 122º/2 da Lei de Organização do Sistema Judiciário garante tal regime concorrente, na medida em que não só prevê a competência dos tribunais de família e menores para a tramitação do processo, como ainda, prevê a intervenção do juiz no processo, quando este seja instaurado no cartório notarial (…). Conclui-se que ao abrigo do art. 108[3]º/2 CPC pode o interessado requerer no tribunal competente processo de inventário para partilha dos bens comuns na sequência de divórcio por mútuo consentimento decretado na conservatória do registo civil”.

Decorre destas considerações que, o inventário para partilha dos bens comuns do casal, na sequência de divórcio decretado na competente conservatória do registo civil, podendo ser instaurado, atento o disposto no artigo 1087.º, n.º 2, do CPC, no tribunal (ou no cartório notarial), deverá ser instaurado no tribunal territorialmente competente, determinado por força do disposto no artigo 80.º do CPC, não funcionando a regra de conexão (que, nos termos do disposto no artigo 206.º, n.º 2, do CPC, determina a apensação de processos) existente no caso de ter havido prévio processo judicial onde o divórcio tenha sido decretado.

Ora, no presente caso, nem a circunstância de ter corrido termos ação de divórcio, determina a apensação do inventário, pois, como se referiu, tal processo cessou, por desistência, sem que o divórcio aí tenha sido decretado.

Assim, os autos deverão prosseguir termos no juízo onde foram primeiramente distribuídos, radicando a competência, para o efeito, no Juízo de Família e Menores de Sintra – Juiz “X”."

[MTS]