30/10/2024

Jurisprudência 2024 (37)

 
Conflito de competência;
conflito impróprio*


1. O sumário de RL 29/2/2024 (decisão individual) (7020/23.5T8SNT.L1-8) é o seguinte:

Tendo sido instaurada a mesma ação, entre as mesmas partes, embora figurando em inversa posição nos respetivos processos, distribuídos a diversos juízos e tendo ambos conhecido oficiosamente da exceção de litispendência, ocorre um conflito negativo impróprio, cuja resolução se impõe, em conformidade com o prescrito no corpo do artigo 114.º do CPC, radicando a competência para a tramitação do processo no juízo onde o respetivo réu/demandado foi, em primeiro lugar, citado.

2. Na fundamentação da decisão escreveu-se o seguinte:

"A ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a esta respeitantes, constitui uma providência tutelar cível (cfr. artigo 3.º, al. c) do regime geral do processo tutelar cível – RGPTC - aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro).
 
No caso, foram instauradas em juízo, separadamente, duas ações de regulação, nas quais, cada um dos Tribunais a que vieram a ser distribuídas, veio a julgar verificada a exceção de litispendência em face do outro processo, absolvendo o demandado – em cada uma delas – da instância.
 
Nos termos do n.º 2 do artigo 109.º do CPC, há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.
 
Não há conflito enquanto forem suscetíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência (cfr. artigo 109.º, n.º 3, do CPC).
 
O artigo 114.º do CPC dispõe sobre a aplicação do processo de resolução de conflito de competência a outros casos, nos seguintes termos:
 
“O disposto nos artigos 111.º a 113.º é aplicável a quaisquer outros conflitos que devam ser resolvidos pelas Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça e também:
a) Ao caso de a mesma ação estar pendente em tribunais diferentes e ter passado o prazo para serem opostas a exceção de incompetência e a exceção de litispendência;
b) Ao caso de a mesma ação estar pendente em tribunais diferentes e um deles se ter julgado competente, não podendo já ser arguida perante o outro ou outros nem a exceção de incompetência nem a exceção de litispendência;
c) Ao caso de um dos tribunais se ter julgado incompetente e ter mandado remeter o processo para tribunal diferente daquele em que pende a mesma causa, não podendo já ser arguidas perante este nem a exceção de incompetência nem a exceção de litispendência”.
 
Conforme salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 142), “[c]om uma frequência superior à que seria desejável ocorrem por vezes situações de bloqueio processual, em resultado da verificação de conflitos de competência impróprios, mas que têm que ser resolvidos a bem do interesse das partes e da justiça. São essas situações que são configuradas no corpo do artigo. Já as alíneas subsequentes visam evitar a pendência de duas ações, apesar do que relativamente a cada uma delas tenha sido decidido”.
 
Dispõe o artigo 580.º, n.º 1, do CPC que as exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência.
 
A litispendência pode considerar-se um pressuposto processual negativo (cfr., Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, II, Almedina, 1982, p. 242), que visa evitar a repetição de causas, ou seja, "evitar decisões inúteis ou desnecessárias" (cfr., Fernando Luso Soares, Direito Processual Civil, Almedina, 1980, pp. 167-168) e o "risco de grave dano para o prestígio da justiça" (assim, Antunes Varela, Sampaio e Nora, J. M. Bezerra, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra editora, 1985, p. 301).
 
De acordo com o disposto no artigo 578.º do CPC, o conhecimento da litispendência é oficioso por parte do Tribunal.
 
O impedimento da litispendência opera na ação proposta em segundo lugar, considerando-se como tal, aquela em que o réu foi citado posteriormente (cfr., artigo 582.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC).
 
“A litispendência (e o caso julgado) visam evitar a prolação de decisões contraditórias ou a repetição de decisões (por se tornar inútil a segunda decisão – vide art. 130º do CPC)” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-10-2022, Pº 474/20.3YHLSB.L1-PICRS, rel. SÉRGIO REBELO).
 
A situação de litispendência, cuja arguição tem regras específicas, resolve-se em conformidade com essas mesmas regras, podendo dizer-se que, na sua apreciação individual, “os juízes não chegam a dispor sobre a situação decidida pelo outro” (cfr. decisão de 19-02-2021 do Vice-Presidente do STJ no processo n.º 1324/20.6T8CBR-A.S1).
 
Sucede que, se afigura que a situação se integra na previsão do corpo do artigo 114.º do CPC, dado que, na presente situação, ambos os Tribunais julgaram verificada a exceção de litispendência, gerando um conflito decisório, ou de competência impróprio ou latente, tanto mais que, ambas as decisões que declararam a litispendência, transitaram em julgado.
 
Resolvendo o conflito, verifica-se que, na ação n.º (…)/23.5T8SNT.L1 o requerido foi citado posteriormente (o que ocorreu em 23-06-2023), relativamente à citação que se operou (em 21/06/2023), no processo n.º (…)/23.7T8SNT, pelo que, o litígio entre as partes deve ser dirimido no âmbito da ação instaurada em primeiro lugar, ou seja, a competência para a tramitação do processo radicará no Juízo de Família e Menores de Sintra - Juiz “99”, onde o respetivo réu/demandado foi, em primeiro lugar, citado.
 
Em suma: Tendo sido instaurada a mesma ação, entre as mesmas partes, embora figurando em inversa posição nos respetivos processos, distribuídos a diversos juízos e tendo ambos conhecido oficiosamente da exceção de litispendência, ocorre um conflito negativo impróprio, cuja resolução se impõe, em conformidade com o prescrito no corpo do artigo 114.º do CPC, radicando a competência para a tramitação do processo no juízo onde o respetivo réu/demandado foi, em primeiro lugar, citado.
 
Pelo exposto, sem necessidade de mais considerações, decido este conflito impróprio, declarando competente para a presente acção o Juízo de Família e Menores de Sintra - Juiz “99”.
 
*3. [Comentário] Em apoio do decidido poderia ter sido invocado o disposto no art. 205.º, n.º 2, CPC, que é uma das situações a que se aplica o disposto no art. 114.º pr. CPC. O argumento seria o seguinte: se o art. 114.º pr. CPC se aplica às divergências entre juízos do mesmo tribunal, também se aplica, por maioria de razão, às divergências entre juízes do mesmo tribunal.
 
MTS