21/05/2025

Jurisprudência 2024 (171)


Alegações de recurso;
falta de conclusões; repetição do acto*


1. O sumário de RE 12/9/2024 (1880/19.1T8STR-X.E1) é o seguinte:

O direito ao recurso, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva não implicam o atropelo das regras processuais, claras e precisas. O respetivo incumprimento implica nos efeitos jurídicos processuais estabelecidos na lei, que não podem ser afastados a coberto dos direitos constitucionais consagrados e regras atinentes à garantia dos direitos do Homem.

2. No relatório e na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Foi proferida a seguinte decisão pela ora relatora:

«A Requerente (…) apresentou-se a interpor recurso do despacho que indeferiu a realização de segunda perícia.

O Recorrido (…), no âmbito das contra-alegações, logo assinalou que a alegação do recurso não contemplava conclusões.

Na sequência disso, a Recorrente apresentou novo requerimento de interposição de recurso, seguido de alegações, as quais comportam a motivação do recurso, reproduzindo a anteriormente apresentada, sendo seguida de conclusões.

Recebido o processo neste Tribunal da Relação, foi proferido despacho auscultando a Recorrente sobre o indeferimento do requerimento de interposição do recurso por a alegação não conter conclusões, nem a Recorrente ser admitida a renovar o ato praticado.

A Recorrente veio sustentar que a alegação está completa e que, por isso, a 1.ª Instância permitiu a subida do recurso; que o documento incompleto pode, dentro do prazo, ser complementado ou corrigido, sem alterar a sua essência, substância e fundamento e não acarrete prejuízos para a contraparte ou engulho no andamento processual; que o requerimento de alegações e o seu complemento, contendo as conclusões, é um ato só, unitário, complementado.

Ora vejamos.

Nos termos do disposto no artigo 639.º/1, do CPC, sobre o Recorrente recai o ónus de apresentar a alegação e de formular conclusões, o que consiste na indicação, de forma sintética, dos fundamentos por que pede a alteração ou a revogação da decisão.

O requerimento de interposição do recurso deve ser indeferido quando a alegação não contenha conclusões – cfr. artigo 641.º/2, alínea b), do CPC. A alegação de recurso apresentada pela Recorrente não contempla conclusões.

Afigura-se não ser a Recorrente admitida a juntar novas alegações, contendo conclusões.

Por um lado, a prática do ato extingue o prazo em curso. A parte que pratica determinado ato no processo, exerce o correspondente direito processual, com o que resulta exaurido o direito a renovar ou repetir o ato praticado, a substituí-lo, a praticá-lo de novo. O direito a praticar o ato no processo resultou consumado com o respetivo exercício.

Neste sentido, cfr. Ac. TRP de 15/11/2018 (Filipe Caroço):

«Praticado o ato, o mesmo fica consumado, apenas com a possibilidade de retificação prevista na lei (artigo 146.º). De tal modo é assim que o tribunal não tem que aguardar pelo decurso integral do prazo para fazer prosseguir o processo depois de o ato ter sido praticado

Por outro lado, a alteração de conteúdo de peças processuais apresentadas pelas partes apenas é admitida nos termos estatuídos no artigo 146.º do CPC, a saber:

1 - É admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada.
2 - Deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa.

Assim, o erro de cálculo ou de escrita que se revele no contexto da peça processual pode ser retificado e os vícios ou omissões puramente formais de atos praticados podem ser suprimidos ou corrigidos, desde que se enquadrem na referida previsão.

No entanto, sem prejuízo de disposição expressa, “o n.º 2 do artigo 146.º não permite superar o efeito do incumprimento de algum ónus que impenda sobre as partes, visando tão só permitir a correção de aspetos meramente formais de ato que tenha sido tempestivamente praticado.” [Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, vol. I, 2.ª edição, pág. 186.]

Donde, as peças processuais apresentadas pelas partes no processo não podem ser alteradas, completadas ou retificados senão nos termos ali previstos.

A apresentação de novo requerimento de interposição de recurso instruído com alegações contendo conclusões não consubstancia a retificação de erro de cálculo ou de escrita que se revele no contexto do requerimento de interposição de recurso instruído com alegações desprovidas de conclusões anteriormente apresentado, nem a falta de conclusões neste consiste em vício ou omissão puramente formal. Antes configura a pretensão de substituição da peça processual anteriormente apresentada pela subsequente, com termos substancialmente diversos da anterior.

A Recorrente não pode, assim, ser admitida a apresentar novo requerimento com vista a integrar as conclusões na alegação do recurso. [...]

Nestes termos, considera-se inexistente, sem qualquer efeito, o requerimento de interposição de recurso, instruído com as alegações, apresentado a 17/09/2023.

O requerimento de interposição de recurso apresentado a 15/09/2023 é de indeferir por a alegação do recurso não conter conclusões – cfr. artigo 641.º/2, alínea b), do CPC.

A que não obsta o facto de o recurso ter sido admitido na 1.ª Instância – cfr. artigo 641.º/5, do CPC.

Termos em que se decide pelo indeferimento do requerimento de interposição do recurso.»

A Recorrente, inconformada, apresentou-se a interpor recurso de revista para o STJ. Contra o decidido, em sede de conclusões, invoca o seguinte:

«[...] 3º Nada na lei positiva impede que as alegações sejam complementadas dentro do prazo legal do recurso. “Deve ainda o juiz admitir o requerimento da parte o suprimento para correção quando não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa”. Ora recusar dentro do prazo do recurso alegações completas corrigidas com as conclusões, é precisamente obstaculizar o acesso ao direito opondo-se ao princípio Constitucional de que todos têm direito a que uma causa onde intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo nos termos do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. [...]

4º Em 17/09/2023, a recorrente corrigiu as suas alegações apresentando conclusões, em relação às alegações apresentadas em 15/09/2023, como aquele requerimento de alegações / conclusões é peça unitária, única, por não existir alegações sem conclusões, a peça é corrigível dentro do prazo do recurso, a isto a lei positiva não se opõe, pelo contrario permite. Pelo que a peça processual alegações /conclusões não deve ser considerada inexistente como declarou a Relação, nem o requerimento como apenas alegações incompleto e com necessidade de ser corrigido, complementado, apresentado em 15/09/2023, não deve ser indeferido por não conter conclusões, por aquelas serem corrigidas/complementadas em 17/09/2023, com as conclusões.

O documento é unitário não existem alegações sem conclusões, e a lei permite dentro do prazo do recurso a sua correção tal como foi efetuada." [...]

5º [...] Ao apresentar as alegações / conclusões dentro do prazo de 15 dias do recurso em 17/09/2023, está perfeitamente em tempo. Não se trata de duas alegações nem de renovação das alegações apresentadas em 15/09/2023, mas sim de alegações complementadas com conclusões que colhe toda a cobertura legal nas leis processuais, constitucionalmente consagrada e apoiado na jurisprudência. Não existem alegações sem conclusões, é como uma única moeda com duas faces. É um documento unitário, e, em situação alguma deverá ser impedido de ser complementado sob pena de denegação da justiça. Também não afeta a estabilidade da instância, nem o respeito das expectativas legitimas das partes, até porque à parte contrária foi dado conhecimento por notificação e aquela não reagiu ao requerimento de 17/09/2023, nem foi colocada em causa a igualdade de oportunidades entre as partes. [...].»

Com fundamento no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ de 20/01/2010, o referido requerimento foi admitido como requerimento para a conferência prevista no artigo 700.º/3, do CPC.

Apreciando

Não merecem acolhimento os argumentos tendentes a afirmar que foram efetuadas conclusões pela Recorrente, que ambos os autos praticados configuram um único ato processual de interposição de recurso instruído de alegações e estas, de conclusões.

O direito ao recurso, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva não implicam o atropelo das regras processuais, claras e precisas. O respetivo incumprimento implica nos efeitos jurídicos processuais estabelecidos na lei, que não podem ser afastados a coberto dos direitos constitucionais consagrados e regras atinentes à garantia dos direitos do Homem.

O que vale relativamente ao invocado princípio da cooperação, consagrado no artigo 7.º do CPC: contende com a atividade processual das partes, dos mandatários e do tribunal para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, não constituindo fundamento para se acolher a prática de atos no processo em manifesta violação das regras procedimentais estabelecidas.

De outro modo, a acolher-se a pretensão da Recorrente, quaisquer normais procedimentais seriam postergadas em ordem a permitir a apreciação das questões materiais suscitadas no processo, ainda que de forma indevida.

As razões e fundamentos subjacentes à decisão de indeferimento de interposição do recurso mostram-se exaradas na decisão singular proferida, as quais não foram colocadas em causa por argumento bastante por parte da Recorrente.

Certo é que ocorreu a preclusão consumptiva, a preclusão causada pelo exercício do ato, que não pode ser renovado. O respetivo exercício consome o direito de vir a praticar de novo o mesmo ato. [---]

Neste sentido, cfr. ainda o recente Ac. TRE de 06/06/2024 (Tomé de Carvalho):

«(…) 7 – A preclusão corresponde a uma perda de uma faculdade processual de realizar um ato processual ou a extinção do direito de rever o ato já praticado.
8 – A preclusão pode ser causada pelo exercício do ato, que não pode ser renovado, dado que, neste caso, se está perante um caso de preclusão consumptiva.»

O despacho reclamado não enferma, pois, das apontadas nulidades nem nele se incorreu em erro na aplicação do direito."

*3. [Comentário] Atendendo a que, segundo alega a Recorrente, as novas alegações com conclusões foram apresentadas ainda no prazo de interposição de recurso, ter-se-ia dado, pelas razões invocadas aqui, uma distinta solução ao caso apreciado pela RE.

MTS