Alegações de recurso;
falta de conclusões; repetição do acto*
1. O sumário de RE 12/9/2024 (1880/19.1T8STR-X.E1) é o seguinte:
O direito ao recurso, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva não implicam o atropelo das regras processuais, claras e precisas. O respetivo incumprimento implica nos efeitos jurídicos processuais estabelecidos na lei, que não podem ser afastados a coberto dos direitos constitucionais consagrados e regras atinentes à garantia dos direitos do Homem.
2. No relatório e na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Foi proferida a seguinte decisão pela ora relatora:
«A Requerente (…) apresentou-se a interpor recurso do despacho que indeferiu a realização de segunda perícia.O Recorrido (…), no âmbito das contra-alegações, logo assinalou que a alegação do recurso não contemplava conclusões.Na sequência disso, a Recorrente apresentou novo requerimento de interposição de recurso, seguido de alegações, as quais comportam a motivação do recurso, reproduzindo a anteriormente apresentada, sendo seguida de conclusões.Recebido o processo neste Tribunal da Relação, foi proferido despacho auscultando a Recorrente sobre o indeferimento do requerimento de interposição do recurso por a alegação não conter conclusões, nem a Recorrente ser admitida a renovar o ato praticado.A Recorrente veio sustentar que a alegação está completa e que, por isso, a 1.ª Instância permitiu a subida do recurso; que o documento incompleto pode, dentro do prazo, ser complementado ou corrigido, sem alterar a sua essência, substância e fundamento e não acarrete prejuízos para a contraparte ou engulho no andamento processual; que o requerimento de alegações e o seu complemento, contendo as conclusões, é um ato só, unitário, complementado.Ora vejamos.Nos termos do disposto no artigo 639.º/1, do CPC, sobre o Recorrente recai o ónus de apresentar a alegação e de formular conclusões, o que consiste na indicação, de forma sintética, dos fundamentos por que pede a alteração ou a revogação da decisão.O requerimento de interposição do recurso deve ser indeferido quando a alegação não contenha conclusões – cfr. artigo 641.º/2, alínea b), do CPC. A alegação de recurso apresentada pela Recorrente não contempla conclusões.Afigura-se não ser a Recorrente admitida a juntar novas alegações, contendo conclusões.Por um lado, a prática do ato extingue o prazo em curso. A parte que pratica determinado ato no processo, exerce o correspondente direito processual, com o que resulta exaurido o direito a renovar ou repetir o ato praticado, a substituí-lo, a praticá-lo de novo. O direito a praticar o ato no processo resultou consumado com o respetivo exercício.Neste sentido, cfr. Ac. TRP de 15/11/2018 (Filipe Caroço):
«Praticado o ato, o mesmo fica consumado, apenas com a possibilidade de retificação prevista na lei (artigo 146.º). De tal modo é assim que o tribunal não tem que aguardar pelo decurso integral do prazo para fazer prosseguir o processo depois de o ato ter sido praticado.»
Por outro lado, a alteração de conteúdo de peças processuais apresentadas pelas partes apenas é admitida nos termos estatuídos no artigo 146.º do CPC, a saber:
1 - É admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada.2 - Deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa.
Assim, o erro de cálculo ou de escrita que se revele no contexto da peça processual pode ser retificado e os vícios ou omissões puramente formais de atos praticados podem ser suprimidos ou corrigidos, desde que se enquadrem na referida previsão.No entanto, sem prejuízo de disposição expressa, “o n.º 2 do artigo 146.º não permite superar o efeito do incumprimento de algum ónus que impenda sobre as partes, visando tão só permitir a correção de aspetos meramente formais de ato que tenha sido tempestivamente praticado.” [Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, vol. I, 2.ª edição, pág. 186.]Donde, as peças processuais apresentadas pelas partes no processo não podem ser alteradas, completadas ou retificados senão nos termos ali previstos.A apresentação de novo requerimento de interposição de recurso instruído com alegações contendo conclusões não consubstancia a retificação de erro de cálculo ou de escrita que se revele no contexto do requerimento de interposição de recurso instruído com alegações desprovidas de conclusões anteriormente apresentado, nem a falta de conclusões neste consiste em vício ou omissão puramente formal. Antes configura a pretensão de substituição da peça processual anteriormente apresentada pela subsequente, com termos substancialmente diversos da anterior.A Recorrente não pode, assim, ser admitida a apresentar novo requerimento com vista a integrar as conclusões na alegação do recurso. [...]
Nestes termos, considera-se inexistente, sem qualquer efeito, o requerimento de interposição de recurso, instruído com as alegações, apresentado a 17/09/2023.O requerimento de interposição de recurso apresentado a 15/09/2023 é de indeferir por a alegação do recurso não conter conclusões – cfr. artigo 641.º/2, alínea b), do CPC.A que não obsta o facto de o recurso ter sido admitido na 1.ª Instância – cfr. artigo 641.º/5, do CPC.Termos em que se decide pelo indeferimento do requerimento de interposição do recurso.»
A Recorrente, inconformada, apresentou-se a interpor recurso de revista para o STJ. Contra o decidido, em sede de conclusões, invoca o seguinte:
«[...] 3º Nada na lei positiva impede que as alegações sejam complementadas dentro do prazo legal do recurso. “Deve ainda o juiz admitir o requerimento da parte o suprimento para correção quando não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa”. Ora recusar dentro do prazo do recurso alegações completas corrigidas com as conclusões, é precisamente obstaculizar o acesso ao direito opondo-se ao princípio Constitucional de que todos têm direito a que uma causa onde intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo nos termos do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. [...]4º Em 17/09/2023, a recorrente corrigiu as suas alegações apresentando conclusões, em relação às alegações apresentadas em 15/09/2023, como aquele requerimento de alegações / conclusões é peça unitária, única, por não existir alegações sem conclusões, a peça é corrigível dentro do prazo do recurso, a isto a lei positiva não se opõe, pelo contrario permite. Pelo que a peça processual alegações /conclusões não deve ser considerada inexistente como declarou a Relação, nem o requerimento como apenas alegações incompleto e com necessidade de ser corrigido, complementado, apresentado em 15/09/2023, não deve ser indeferido por não conter conclusões, por aquelas serem corrigidas/complementadas em 17/09/2023, com as conclusões.O documento é unitário não existem alegações sem conclusões, e a lei permite dentro do prazo do recurso a sua correção tal como foi efetuada." [...]
5º [...] Ao apresentar as alegações / conclusões dentro do prazo de 15 dias do recurso em 17/09/2023, está perfeitamente em tempo. Não se trata de duas alegações nem de renovação das alegações apresentadas em 15/09/2023, mas sim de alegações complementadas com conclusões que colhe toda a cobertura legal nas leis processuais, constitucionalmente consagrada e apoiado na jurisprudência. Não existem alegações sem conclusões, é como uma única moeda com duas faces. É um documento unitário, e, em situação alguma deverá ser impedido de ser complementado sob pena de denegação da justiça. Também não afeta a estabilidade da instância, nem o respeito das expectativas legitimas das partes, até porque à parte contrária foi dado conhecimento por notificação e aquela não reagiu ao requerimento de 17/09/2023, nem foi colocada em causa a igualdade de oportunidades entre as partes. [...].»
Com fundamento no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ de 20/01/2010, o referido requerimento foi admitido como requerimento para a conferência prevista no artigo 700.º/3, do CPC.
Apreciando
Não merecem acolhimento os argumentos tendentes a afirmar que foram efetuadas conclusões pela Recorrente, que ambos os autos praticados configuram um único ato processual de interposição de recurso instruído de alegações e estas, de conclusões.
O direito ao recurso, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva não implicam o atropelo das regras processuais, claras e precisas. O respetivo incumprimento implica nos efeitos jurídicos processuais estabelecidos na lei, que não podem ser afastados a coberto dos direitos constitucionais consagrados e regras atinentes à garantia dos direitos do Homem.
O que vale relativamente ao invocado princípio da cooperação, consagrado no artigo 7.º do CPC: contende com a atividade processual das partes, dos mandatários e do tribunal para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, não constituindo fundamento para se acolher a prática de atos no processo em manifesta violação das regras procedimentais estabelecidas.
De outro modo, a acolher-se a pretensão da Recorrente, quaisquer normais procedimentais seriam postergadas em ordem a permitir a apreciação das questões materiais suscitadas no processo, ainda que de forma indevida.
As razões e fundamentos subjacentes à decisão de indeferimento de interposição do recurso mostram-se exaradas na decisão singular proferida, as quais não foram colocadas em causa por argumento bastante por parte da Recorrente.
Certo é que ocorreu a preclusão consumptiva, a preclusão causada pelo exercício do ato, que não pode ser renovado. O respetivo exercício consome o direito de vir a praticar de novo o mesmo ato. [---]
Neste sentido, cfr. ainda o recente Ac. TRE de 06/06/2024 (Tomé de Carvalho):
«(…) 7 – A preclusão corresponde a uma perda de uma faculdade processual de realizar um ato processual ou a extinção do direito de rever o ato já praticado.8 – A preclusão pode ser causada pelo exercício do ato, que não pode ser renovado, dado que, neste caso, se está perante um caso de preclusão consumptiva.»
O despacho reclamado não enferma, pois, das apontadas nulidades nem nele se incorreu em erro na aplicação do direito."
*3. [Comentário] Atendendo a que, segundo alega a Recorrente, as novas alegações com conclusões foram apresentadas ainda no prazo de interposição de recurso, ter-se-ia dado, pelas razões invocadas aqui, uma distinta solução ao caso apreciado pela RE.
MTS
*3. [Comentário] Atendendo a que, segundo alega a Recorrente, as novas alegações com conclusões foram apresentadas ainda no prazo de interposição de recurso, ter-se-ia dado, pelas razões invocadas aqui, uma distinta solução ao caso apreciado pela RE.
MTS