1. Este pequeno apontamento pretende dar resposta ao seguinte problema: em que condições a prática de um acto pela parte preclude a repetição do acto durante a pendência do prazo de que essa parte dispõe para a sua realização?
Esta pergunta pressupõe que se trata de um acto que integra um procedimento e, portanto, para o qual a lei fixa um prazo para a sua realização. Como é claro, não importa cuidar de saber se a parte pode repetir um acto que, por não pertencer a um qualquer procedimento, nunca devia ter sido realizado e cuja prática constitui uma nulidade processual (art. 195.º, n.º 1, CPC).
A resposta à pergunta acima formulada merece uma resposta distinta para duas diferentes situações.
2. Uma primeira situação a considerar é esta: o acto foi regularmente praticado e produziu efeitos em processo (acto constitutivo) ou foi deferido pelo tribunal (acto postulativo), mas a parte ainda dispõe de prazo para a sua prática. Nesta hipótese, a pergunta que se coloca é a seguinte: pode a parte voltar a praticar o acto, revogando assim o acto anterior? Num caso mais concreto: a parte que não esgotou o prazo de contestação pode voltar a apresentar uma nova contestação no prazo que a lei lhe concede para o efeito?
Não é impossível dar uma resposta positiva a esta questão -- o direito comparado demonstra-o (Rosenberg/Schwab/Gottwald, Zivilprozessrecht (2018), § 71, 22) --, mas essa resposta contradiria uma orientação que se julga estar bem assente na prática forense portuguesa. Por isso a resposta é a seguinte: se a parte praticou regularmente um acto processual, não pode voltar a praticar o acto, mesmo que ainda dispusesse de prazo para o efeito e mesmo que visasse apenas completar, corrigir ou alterar o acto praticado. Assim, por exemplo, a parte que contestou ou que apresentou as alegações de recurso não pode voltar a apresentar nova contestação (mesmo que pretenda agora formular uma reconvenção que antes não deduzira) ou novas alegações (ainda que pretenda diminuir as decisões impugnadas).
3. Para além da situação anterior, há que considerar uma outra: a parte praticou o acto, mas o mesmo não produziu efeitos (acto constitutivo) ou não pôde ser deferido pelo tribunal (acto postulativo) por padecer de uma irregularidade ou da falta de um pressuposto subjectivo ou objectivo. Nesta hipótese, a pergunta é a mesma que acima se colocou: depois de sanar a irregularidade ou a falta do pressuposto do acto, a parte pode voltar a praticar o acto dentro do prazo de que ainda dispõe?
Para uma situação distinta impõe-se uma resposta também distinta. Nesta última circunstância, nada impede que a parte repita o acto. No fundo, o que prevalece é a faculdade de a parte sanar a irregularidade ou a falta do pressuposto sobre a preclusão da repetição do acto. Se a parte tem prazo para a prática do acto, nada pode impedir que a parte o repita depois de sanar o vício de que o mesmo padecia. Por exemplo: (i) suponha-se que, na audiência final, a parte não apresenta o articulado superveniente de forma oral (art. 589.º, n.º 2, CPC); enquanto a audiência final não estiver encerrada, a parte pode apresentar, de novo, esse articulado respeitando o disposto neste preceito; (ii) admita-se que a parte requereu a prova por declarações (art. 466.º, n.º 1, CPC), embora sem indicar os factos sobre os quais a prova vai incidir (art. 466.º, n.º 2, e 452.º, n.º 2, CPC); enquanto a parte dispuser de prazo para o fazer (art. 466.º, n.º 1, CPC), a parte pode requerer, de novo, a prova por declarações.
A regra que importa enunciar é, pois, esta: durante o prazo para a realização de um acto, a parte pode repetir o acto, se a parte aproveitar a repetição para sanar uma irregularidade ou a falta de um pressuposto do acto. A solução é equilibrada, dado que não permite a repetição do acto com base num mero arrependimento da parte, mas aceita essa repetição se esta servir para sanar uma irregularidade ou a falta de um pressuposto do acto. Para procurar ser ainda mais claro: a justificação para a repetição do acto durante a pendência do prazo não é a mudança da vontade da parte, mas antes a criação das condições para que o acto possa produzir efeitos ou possa ser deferido. Se estas condições estiverem preenchidas, a repetição do acto é admissível e a parte pode, além de sanar o vício, completar, corrigir ou alterar o acto praticado; se essas condições não estiverem preenchidas, a repetição não é admissível e o que releva é o acto anterior.
Pode compreender-se que um acto que produziu efeitos (perante a contraparte e o tribunal) ou que foi deferido pelo tribunal não possa ser repetido. Mais difícil é compreender que um acto que não produziu efeitos, que não foi deferido ou que não está em condições de o ser por uma irregularidade ou pela falta de um pressuposto não possa ser repetido durante o prazo de que a parte dispõe para a sua prática.
MTS