06/07/2022

Jurisprudência 2021 (234)


Reconvenção;
compensação judiciária; compensação subsidiária*


1. O sumário de RC 15/12/2021 (440/19.1T8SCD-A.C1) é o seguinte:

I) A admissibilidade da reconvenção com o fundamento de que o pedido do réu emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à acção exige que o pedido reconvencional se funde na mesma causa de pedir, total ou parcialmente, que o pedido do autor.

II) Se a causa de pedir do pedido do autor é um contrato, o mesmo contrato tem de constituir a causa de pedir do pedido reconvencional.

III) A admissibilidade da reconvenção com o fundamento de que através da mesma se pretende exercer o direito a benfeitorias ou despesas exige que estas tenham sido efectuadas em coisa que é objecto de um pedido de entrega por parte do autor.

IV) A admissibilidade da reconvenção com o fundamento de que através da mesma se pretende exercer o direito à compensação exige que o reconvinte reconheça que o reconvindo é titular de um crédito sobre si; negando a existência de qualquer crédito do reconvindo, não pode admitir-se a reconvenção com aquele fundamento.

V) A admissibilidade da reconvenção com o fundamento de que através do pedido reconvencional o réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter exige que ambos os pedidos se sustentem/alicerçem no mesmo direito.

VI) Formulando o autor um pedido de condenação do réu a pagar-lhe determinadas quantias com fundamento em contratos de mútuo nulos por falta de falta de forma e inerente obrigação de restituição das quantias mutuadas, não é admissível o pedido reconvencional do réu fundado na realização de obras num edifício, a suportar em partes iguais por ambas as partes, que só o réu custeou; uso exclusivo do imóvel pelo autor, de 2007 a 2009; despesas de electricidade no referido imóvel, responsabilidade de ambos, pagas apenas por si; apropriação pelo autor do imobilizado da sociedade constituída por ambas as partes; apropriação pelo autor de um estojo de moedas, que correspondeu ao pagamento da venda de um automóvel de ambos e pagamento pelo réu de dívidas da responsabilidade de ambos.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Alega o réu, ora recorrente que deve ser admitida a reconvenção por si deduzida, por os pedidos assim formulados emergirem do facto jurídico que serve de fundamento à acção, o qual, no seu entender “é a existência de um prédio de que as partes são comproprietárias e todas as relações e, designadamente, dívidas/créditos inerentes à propriedade e posse do mesmo prédio, detido, reitere-se, em compropriedade” – cf. conclusão 3.ª.

Acrescentando na conclusão 6.ª que “pretende o reconhecimento de um crédito, designa e obviamente para obter a compensação” e na 7.ª que “o pedido do réu tende a conseguir em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter”.

Como resulta do relatório que antecede, os pedidos reconvencionais deduzidos, reconduzem-se a que se reconheça a existência de um crédito a favor do réu, resultante da realização de obras no edifício, a suportar em partes iguais por ambas as partes, que só o réu custeou; uso exclusivo do imóvel pelo autor, de 2007 a 2009; despesas de eletricidade, no referido imóvel, responsabilidade de ambos, pagas apenas por si; apropriação pelo autor do imobilizado da sociedade constituída por ambas as partes; apropriação pelo autor de um estojo de moedas, que correspondeu ao pagamento da venda de um automóvel de ambos e pagamento pelo réu de dívidas da responsabilidade de ambos.

Como decorre do disposto no artigo 266.º, n.os 1 e 2, pode o réu, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor, quando:

- o pedido emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa (al. a);

- o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;

- o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor (al. c) e;

- quando pretende obter em seu benefício o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter (al. d).

Embora de forma genérica, o réu, em recurso, refere-se a todas estas possibilidades de admissibilidade da reconvenção, pelo que, de seguida, relativamente a cada uma delas, se analisará a sua pretensão. [...]

Em terceiro lugar, alega o réu que pretende obter o direito à compensação com o crédito reclamado pelo autor ou o pagamento do valor em que o seu crédito excede o do autor.

Lendo a contestação apresentada pelo réu, este alega que nada deve ao autor. Não reconhece o crédito por este invocado, afirmando já lhe ter pago tudo o que lhe devia e é o autor que lhe deve as quantias peticionadas em reconvenção.

Peticionando, em consequência, a improcedência da acção e a procedência do pedido reconvencional.

A compensação de créditos pode operar nos termos previstos no artigo 847.º do Código Civil e implica que haja uma reciprocidade de créditos entre as pessoas envolvidas; isto é, o uso da figura da compensação pressupõe que a pessoa que dela pretende lançar mão reconheça a preexistência de um crédito por parte daquele contra quem a pretende usar, contra quem pretende compensar um crédito. Só se pode compensar um crédito com outro crédito, desde que, como é óbvio, exista um crédito e um contra-crédito.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 09 de Setembro de 2010, Processo n.º 652/07.0TVPRT.P1.S1, disponível no respectivo sítio do itij “… quem pretende liberar-se de uma obrigação com recurso à compensação tem necessariamente de admitir a preexistência de um crédito por parte daquele a quem se acha juridicamente vinculado e tornar essa compensação efectiva através de uma declaração deste último.

Ora, o recurso à compensação, enquanto excepção dilatória, postula, como sucede no direito substantivo, o reconhecimento de um crédito, a confrontar com um contra-crédito, pelo que o reconvinte não pode alegar a compensação se nega a existência do crédito invocado pelo reconvindo”.

Saliente-se que in casu nem sequer se trata de dedução condicional de pedido reconvencional. Pura e simplesmente, o réu nega a existência do contra-crédito sobre o qual pretende reconvir.

 Assim, igualmente, com este fundamento não é admissível a reconvenção."


*3. [Comentário] Salvo o devido respeito, a rejeição da compensação subsidiária é um enorme equívoco (clicar aqui, aqui e aqui).

A compensação subsidiária é aquela que só pode ser apreciada pelo tribunal no caso de o crédito do autor vir a ser reconhecido, isto é, aquela que tem de ser qualificada como tal, não aquela que o reconvinte qualifica como tal. Portanto, o reconvinte não necessita de qualificar a sua reconvenção como subsidiária perante a sua defesa por impugnação ou por excepção para que a reconvenção seja admissível.

Referindo um lugar-paralelo: se, por exemplo, o réu não qualificar a sua defesa por impugnação como subsidiária da defesa por excepção, ainda assim o tribunal não vai deixar de a considerar.

MTS