"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



11/02/2019

Jurisprudência 2018 (173)


Acto processual; réplica;
prazo de tolerância; multa; igualdade das partes


1. O sumário de RE 2/10/2018 (387/16.3T8TVR-B.E1) é o seguinte:

I - A finalidade da réplica é deduzir a defesa quanto à matéria da reconvenção (art. 584º, nº 1, do CPC), e no caso das ações de simples apreciação negativa, permitir a impugnação dos factos constitutivos alegados pelo réu e a alegação dos factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu (nº 2 do mesmo preceito)

II – Não sendo devida taxa de justiça pela apresentação da réplica, mas sendo esta uma concretização do princípio da igualdade de armas e da igualdade substancial das partes no processo, a validade da sua apresentação no 2º dia útil subsequente ao termo do prazo, está dependente do pagamento imediato de uma multa fixada em 25% da taxa de justiça correspondente ao processo, mas com o limite do valor da multa que seria devida pela apresentação da contestação/reconvenção no 2º dia útil subsequente ao termo do prazo.

III – Não pode, assim, o artigo 139º, nº 5, alínea b), do CPC, ser interpretado e aplicado no sentido de que a validade da apresentação da réplica no 2º dia útil subsequente ao termo do prazo, fica dependente do pagamento imediato de uma multa fixada em 25% da taxa de justiça correspondente ao processo, sem a referida limitação.

IV - Tal interpretação conduziria a uma aplicação desequilibrada do artigo 139º, nº 5, alínea b), do CPC, ao impor aos autores/reconvindos, para assegurarem a validade da réplica apresentada no 2º dia subsequente ao termo do prazo, o pagamento de uma multa equivalente ao dobro da multa que pagariam os réus pela apresentação da contestação/reconvenção em idênticas circunstâncias, interpretação e aplicação estas que colidiriam não apenas com o princípio da igualdade das partes com assento no artigo 4º do CPC, mas também com a garantia constitucional de um processo equitativo garantida pelo artigo 20º, nº 4, da CRP.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
"II – ÂMBITO DO RECURSO

O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigos 608°, n° 2, 635°, nº 4 e 639°, n° 1, do CPC), consubstancia-se em saber se o montante da multa devida pela apresentação da réplica no 2º dia útil subsequente ao termo do prazo deve corresponder a 25% da taxa de justiça que seria devida pela apresentação da contestação com o referido atraso (25% do valor do ato), como defende o recorrente, ou se, pelo contrário, essa multa deve ser fixada em 25% da taxa de justiça correspondente ao processo, como se entendeu na decisão recorrida.

III - FUNDAMENTAÇÃO

[...] Está assente e confessado pelos aqui recorrentes que a réplica por eles apresentada deu
entrada em juízo no 2º dia útil seguinte ao termo do prazo. 
 
Significa isto que esgotado o prazo para a prática de um ato processual tal implicou a extinção do direito de o praticar. Contudo, a lei permite a prática de tal ato, mesmo após o decurso do prazo para a sua prática, ou, nas palavras daquela «fora do prazo», em caso de justo impedimento (artigo 139º, nº 4 do CPC) e independentemente deste pode o ato ainda ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos termos das alíneas a) a c) do nº 5 do mencionado artigo.
 
Assim, se o ato for praticado no 2º dia, como é o caso, a multa é fixada em 25 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 3 UC [alínea b) do nº 5 do artigo 139º do CPC].
 
No caso em apreço, com a réplica que apresentaram os autores ora recorrentes juntaram o comprovativo do pagamento de € 25,50, por autoliquidação.
 
No despacho recorrido entendeu-se que a multa devida correspondia a 25% da taxa de justiça correspondente ao processo, e que esta era, na altura, em função do valor da causa indicado pelas partes, a que está fixada na tabela I-A anexa ao Regulamento das Custas Processuais (2 UC), nos termos do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), concluindo-se que os autores não comprovaram o pagamento do montante devido e, em consequência, determinou-se o cumprimento do nº 6 do artigo 139º do CPC.
 
Entendem os recorrentes que o nº 5 do artigo 139º do CPC não pode ser assim interpretado, mas sim no sentido de que, aquando da apresentação de réplica no 2.º dia útil subsequente ao termo do prazo, fica a validade da mesma dependente do pagamento imediato de uma multa fixada em 25% da taxa de justiça correspondente ao processo, mas limitada ao valor da multa que seria devida pela apresentação da contestação/reconvenção no 2º dia útil subsequente ao termo do prazo, sob pena de violação do princípio da igualdade das partes, estabelecido no artigo 4º do CPC, e do direito fundamental a um processo equitativo, garantido no artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
 
Vejamos, pois, de que lado está a razão. 
 
À primeira vista, de acordo com uma interpretação mais literal do artigo 139º, nº 5, do CPC, uma vez que a réplica não está sujeita ao pagamento de qualquer taxa de justiça, e tendo a mesma sido apresentada pelos autores/recorrentes no 2º dia útil subsequente ao termo do prazo, poderia concluir-se, sem mais, que a respetiva validade ficaria necessariamente dependente do pagamento imediato de uma multa fixada em 25% da taxa de justiça correspondente ao processo, como se decidiu no despacho recorrido. 
 
Porém, sendo a finalidade da réplica deduzir a defesa quanto à matéria da reconvenção (art. 584º, nº 1, do CPC), e no caso das ações de simples apreciação negativa, permitir a impugnação dos factos constitutivos alegados pelo réu e a alegação dos factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu (nº 2 do mesmo preceito) [...], entende-se ser a solução defendida pelos recorrentes a mais curial.
 
Na verdade, sendo a réplica uma concretização do princípio da igualdade de armas e da igualdade substancial das partes no processo, a validade da apresentação da réplica no 2º dia útil subsequente ao termo do prazo, ficará dependente do pagamento imediato de uma multa fixada em 25% da taxa de justiça correspondente ao processo, mas com o limite do valor da multa que seria devida pela apresentação da contestação/reconvenção no 2º dia útil subsequente ao termo do prazo.
 
Sendo de € 204,00 o valor da taxa de justiça correspondente ao presente processo, nos termos do disposto no artigo 6º, nº 1 e tabela I-A do Regulamento das Custas Processuais (RCP), o valor da primeira ou única prestação da taxa de justiça devida até à designação da data da audiência final é de € 102,00 [...], sendo este o valor a considerar para efeitos da fixação da multa prevista na alínea b) do nº 5 do artigo 139º do CPC. 
 
Ora, constituindo a réplica, como se viu, o articulado para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção e tendo a falta da sua apresentação o efeito previsto no artigo 574º para a falta de apresentação de contestação, nos termos do disposto no artigo 587º, nº 1, do CPC, não pode o artigo 139º, nº 5, alínea b), do CPC, ser interpretado e aplicado no sentido de que, aquando da apresentação da réplica no 2º dia útil subsequente ao termo do prazo, fica a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa fixada em 25% da taxa de justiça correspondente ao processo, sem a limitação acima referida.
 
Tal interpretação conduziria a uma aplicação desequilibrada do artigo 139º, nº 5, alínea b), do CPC, ao impor aos autores/reconvindos, para assegurarem a validade da réplica apresentada no 2º dia subsequente ao termo do prazo, o pagamento de uma multa equivalente ao dobro da multa que pagariam os réus pela apresentação da contestação/reconvenção em idênticas circunstâncias, interpretação e aplicação estas que colidiriam não apenas com o princípio da igualdade das partes com assento no artigo 4º do CPC, mas também com a garantia constitucional de um processo equitativo garantida pelo artigo 20º, nº 4, da CRP.
 
Assim tendo os autores, com a apresentação da réplica, efetuado o pagamento da multa de € 25,50, isto é, 25% da taxa de justiça que seria devida pela apresentação da contestação/reconvenção no 2º dia subsequente ao termos do prazo, nada mais têm a pagar, estando desse modo assegurada a validade da réplica."
 
 
[MTS]