"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))
12/11/2024
Jurisprudência 2024 (46)
I. O sumário de RC 20/2/2024 (1822/23.0T8CVL.C1) é o seguinte:
1. A restituição provisória de posse tem natureza antecipatória, assegurando a satisfação provisória do possuidor e deverá ter lugar quando o juiz se convença da séria probabilidade da verificação dos requisitos da posse e do esbulho violento (art.ºs 368º, n.º 1 e 378º, do CPC), dependendo, pois, da verificação cumulativa de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência.
Alegou, em síntese: é dona do referido veículo automóvel, que se encontrava na sua posse exclusiva desde 01.6.2023; terminou a relação de namoro com o requerido no dia 27.10.2023; então, este tirou-lhe a chave do veículo com recurso a força física e recusou devolver-lha; desconhece a localização da viatura, agora, já registada em nome da mãe do requerido, sem que a requerente assinasse declaração de venda.
Determinou-se a não audição prévia do requerido.
É possuidor esbulhado quem foi privado da posse (enquanto poder de disponibilidade fáctica ou empírica de determinado bem) que tinha e que é impedido de continuar a exercer (foi colocado em condições de não poder continuar a exercer a posse; o possuidor ficou privado do exercício ou da possibilidade de exercício dos poderes correspondentes à sua posse), e, em regra, o Réu/requerido/esbulhador terá de restituir a coisa, fazendo cessar a posse iniciada com o esbulho. [---]
A coação moral, na hipótese de esbulho, ocorre quando o possuidor da coisa é forçado à sua privação pelo receio de um mal de que foi ilicitamente ameaçado, mal esse que tanto pode respeitar à sua pessoa como à sua honra ou fazenda ou de terceiro (art.º 255º do CC), enquanto a coação física supõe a completa ausência de vontade por parte daquele a quem a posse foi usurpada. [---]
7. Não suscita qualquer dúvida que o uso de violência sobre as pessoas, quer seja pelo uso da força física, quer seja através da coação moral, pelas formas da intimação e da ameaça, é relevante para, caracterizando o esbulho como violento, fundamentar o deferimento do procedimento cautelar de restituição provisória de posse.
Considerando-se que a violência a que se refere o art.º 1261º do CC tem de exercer-se sobre as pessoas, e não apenas sobre as coisas que constituem um obstáculo à privação da posse (e a ameaça pode respeitar às pessoas ou aos bens, mas há de exercer-se sobre a pessoa do coato), as dúvidas podem-se colocar no tocante à violência sobre as coisas.
Embora estejamos perante questão não isenta de dificuldades (algumas das quais, cremos, poderão ser ultrapassadas se tivermos uma real/adequada configuração da situação controvertida), afigura-se defensável, como regra, o entendimento de que a violência contra as coisas só é relevante se com ela se pretende intimidar, direta ou indiretamente, a vítima da mesma, não devendo, por isso, qualificar-se como tal os meros atos de destruição ou danificação desprovidos de qualquer intuito de influenciar psicologicamente o possuidor - a violência sobre as coisas que estorvam a privação apenas relevará para este fim quando o agente usou, pelo menos de dolo eventual, quando previu, como normal consequência da sua conduta, que iria constranger psicologicamente o possuidor e, todavia, não se absteve de a assumir, conformando-se com o resultado. [---]
8. A referida perspetiva quanto à utilização do procedimento cautelar de restituição provisória de posse, numa interpretação restritiva dos preceitos que o preveem, justifica-se pela diminuição das garantias de defesa do requerido, que não é chamado a defender-se e a contraditar os factos e as provas do requerente previamente à decisão e pela desnecessidade da existência de qualquer prejuízo do requerente - a utilização do procedimento cautelar de restituição provisória da posse, pela diminuição de garantias de defesa do requerido e pela desnecessidade de existência de qualquer prejuízo do requerente, só deve ser permitida em casos em que a violência atingiu pessoas, e não quando apenas se exerceu sobre coisas, pois só aquelas situações revestem uma gravidade que justifica a utilização daquele meio de intervenção draconiano. [---]
9. Ante o descrito enquadramento normativo e a factualidade indiciada em II. 1., supra, antolha-se evidente que a requerente não demonstrou os requisitos do presente procedimento cautelar, desde logo, que tinha a “posse” (concreta e efetiva) do veículo, a sua disponibilidade fática ou empírica, atuando “por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real” (art.º 1251º do CC) sobre o mesmo. [---]
Por outro lado, também não vemos configurado um esbulho violento, uma vez que o desapossamento, a ter existido, foi obtido através de uma ação que não incidiu sobre a requerente, já que não se verificou diretamente qualquer ofensa física à pessoa desta, nem se verificou, direta ou reflexamente, qualquer ofensa psicológica à sua liberdade de determinação, colocando-a na impossibilidade material de agir, ou inibindo-lhe qualquer capacidade de reação, por receio de algum mal.
Tendo em conta a factualidade indiciada e a previsão dos art.ºs 1282º do CC e 377º do CPC, concluiu-se, assim, pela não verificação dos pressupostos/requisitos de que depende o deferimento do procedimento cautelar de restituição provisória de posse.
III. [Comentário] Admite-se que a RC (bem como a 1.ª instância) decidiu bem, atendendo ao que foi alegado e provado no procedimento cautelar. Não se exclui que o tipo de situação que foi alegada pela requerente possa fundamentar, noutras circunstâncias, a procedência da providência de restituição provisória da posse.
MTS
11/11/2024
Jurisprudência 2024 (45)
1. - Enquanto limitação/compressão ao direito de propriedade (plena), o direito de usufruto extingue-se pela reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa, como no caso de o usufrutuário adquirir a nua propriedade.
3. - Todavia, assim não é se a extinção do usufruto resultar de aquisição da (nua) propriedade por parte do usufrutuário (reunião na esfera jurídica deste de todos os poderes correspondentes), caso em que a garantia hipotecária subsiste, como se a extinção daquele direito real se não tivesse verificado.
4. - Num tal caso, penhorado na execução o direito de usufruto objeto de hipoteca, direito esse pertencente ao executado, que depois veio a adquirir a nua propriedade, a execução hipotecária deve prosseguir, com vista à satisfação do interesse do credor garantido, não se justificando, pois, a extinção da instância executiva por inutilidade superveniente da lide.
Cabe sindicar a impugnada fundamentação jurídica da decisão recorrida, a determinante da procedência dos embargos de executado, com decorrente extinção da execução, por inutilidade superveniente da lide, tudo assentando na diagnosticada extinção do direito de usufruto, a determinar, como entendido pelo Tribunal a quo, a extinção da garantia hipotecária, âmbito em que a Exequente/Apelante, por seu lado, vê flagrante violação do disposto no art.º 699.º, n.º 3, do NCPCiv., motivo pelo qual peticiona a revogação daquela decisão impugnada.
Entendeu aquele Tribunal, na sua fundamentação de direito:
«Temos, assim, que a hipoteca a favor da exequente que incidia sobre a nua propriedade do imóvel foi cancelada e que a executada (usufrutuária do mesmo) adquiriu o imóvel por compra em processo de insolvência, ou seja, passou a ser sua proprietária.
Ora, nos termos do artigo 1476.º, n.º 1, alínea b), do CC, o usufruto extinguiu-se por a executada ter adquirido a propriedade do imóvel nos autos de insolvência dos mutuários.
Compreende-se tal solução uma vez que, reunindo-se o usufruto e a propriedade na mesma pessoa, o usufruto deixa de ser autonomizável, não se vislumbrando de que forma possa subsistir a penhora do usufruto ou ser realizada a sua venda.
Por outro lado, a hipoteca foi cancelada quanto à nua propriedade do imóvel, pelo que, sendo o registo da hipoteca constitutivo, a mesma deixou de subsistir (artigo 867.º do CC).
Assim, porque a execução apenas corria contra a executada por a mesma ser usufrutuária do imóvel sobre o qual impendia hipoteca a favor da exequente (artigo 54.º, n.º 2, do CPC), tal hipoteca foi cancelada quanto à nua propriedade e o usufruto extinguiu-se quando a executada adquiriu a propriedade do imóvel, afigura-se-nos que a execução não poderá continuar a correr contra a executada.
Com efeito, não sendo a executada mutuária e fundando-se a execução contra si apenas na hipoteca, verifica-se que esta não poderá prosseguir nem quanto à nua propriedade (uma vez que a hipoteca foi cancelada nesta parte), nem quanto ao usufruto (que se extinguiu, nos termos já referidos).
Verifica-se, pois, uma inutilidade superveniente dos autos de execução, que cumpre declarar.». [...]
Vejamos. [...]
É consabido que o usufruto «é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância» (noção disponibilizada pelo art.º 1439.º do CCiv.), podendo «ser constituído por contrato, testamento, usucapião ou disposição da lei» (art.º 1440.º do mesmo Cód.) e abrangendo, quanto ao seu âmbito, designadamente, «todos os direitos inerentes à coisa usufruída» (art.º 1449.º do mesmo Cód.). [...]
Com interesse para o caso dos autos, dispõe ainda o art.º 699.º do CCiv. (sobre “Hipoteca e usufruto”):
«1. Extinguindo-se o usufruto constituído sobre a coisa hipotecada, o direito do credor hipotecário passa a exercer-se sobre a coisa, como se o usufruto nunca tivesse sido constituído.
2. Se a hipoteca tiver por objecto o direito de usufruto, considera-se extinta com a extinção deste direito.
3. Porém, se a extinção do usufruto resultar (…) da transferência dos direitos do usufrutuário para o proprietário, ou da aquisição da propriedade por parte daquele, a hipoteca subsiste, como se a extinção do direito se não tivesse verificado.» (destaques aditados).
Aproveitando novamente os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela, pode dizer-se que, constituída a hipoteca sobre a propriedade (hipótese do n.º 1 daquele art.º 699.º), «extinto o usufruto, o direito do credor hipotecário passa a exercer-se sobre a coisa», como se nunca tivesse existido usufruto, por este ter uma «natureza de simples limitação ao direito de propriedade» (é «uma restrição que desaparece») ([Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 1987], p. 721.]
Já a norma do n.º 3 do mesmo art.º 699.º contempla quer a hipótese de constituição de hipoteca sobre a propriedade, quer, ainda, a de constituição da garantia hipotecária sobre o usufruto ( Vide, op. cit., ps. 721 e 722, referindo que a disposição do n.º 3 «é aplicável aos dois casos referidos».]
Assim, em qualquer desses casos é fora de dúvida que, ocorrendo a extinção do usufruto por aquisição da propriedade por parte do usufrutuário (do mesmo modo que na hipótese de transferência dos direitos do usufrutuário para o proprietário), a hipoteca subsiste, como se a extinção do direito se não tivesse verificado.
Ou seja, extinguindo-se o direito real de usufruto, por via da aquisição da nua propriedade pelo usufrutuário (no caso, a Executada), que se torna, assim, proprietário pleno (por reunião de poderes numa mesma pessoa), a lei impõe que a hipoteca constituída subsista, como se a extinção do direito não tivesse acontecido, num escopo protetivo da posição do credor hipotecário, que não deve ser prejudicado por tal reunião.
Dito de outro modo, se a posição da Executada/garante fica reforçada, que passa de (mera) usufrutuária, a (plena) proprietária, por adquirir a nua propriedade [refere a Executada/Embargante que «Adquiriu a nua propriedade por venda judicial» (---)], o que leva ao desaparecimento da limitação ao direito de propriedade (extinção do usufruto), tal reforço de posição não pode redundar em desfavor do credor garantido/hipotecário, não se justificando a extinção da hipoteca, tal como subsistente ao tempo da mencionada reunião.
Se a hipoteca incide sobre o direito de usufruto e o garante (usufrutuário) se torna (pleno) proprietário, somando ao usufruto a nua propriedade (reunindo ambos), tal não pode desobrigá-lo da garantia prestada, em prejuízo do respetivo credor.
A garantia/hipoteca deve, então, permanecer, sob pena de se castigar injustificadamente o credor e se beneficiar sem motivo o garante, cuja posição (de garante hipotecário) em nada fica posta em causa por aquele passar/ascender, por reunião, de mero usufrutuário a pleno proprietário (sabido que o usufruto, enquanto limitação, se contém dentro da esfera do direito de propriedade).
É certo que a limitação do direito de propriedade cessa, extinguindo-se o usufruto, enquanto limitação/compressão a esse direito dominial, que, assim, se expande, por reunião [art.º 1476.º, n.º 1, al.ª b), aludido].
Mas tal não pode redundar na extinção da garantia/hipoteca previamente constituída: a extinção do usufruto só vem reforçar a posição do garante, assim obtido o dominium (conferido pela propriedade plena), que não pode, por isso, ficar desobrigado perante o credor, merecendo este, salvo o devido respeito, a proteção de antemão conferida ao seu crédito – como crédito garantido –, medida esta pelo direito de usufruto, e não mais, cuja hipoteca se mostra registada, quanto ao imóvel, por apenas ter sido cancelada relativamente à nua propriedade, registo esse anterior ao registo da aquisição do direito de usufruto, havendo ainda registo da penhora do usufruto a favor da Exequente, só posteriormente se dando a dita reunião, sem virtualidade, pois, para afetar/prejudicar a posição do credor hipotecário (---).
Em suma, não pode acompanhar-se a argumentação de pendor extintivo do Tribunal recorrido, antes assumindo preponderância as conclusões em contrário da Apelante, havendo, pois, de considerar-se que subsiste a garantia hipotecária, medida pelo direito de usufruto do imóvel."
[MTS]
08/11/2024
Jurisprudência 2024 (44)
"Estipula o art.º 644º do CPC:
“1. Cabe recurso de apelação:
a) Da decisão, proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente. (…)2. Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1ª instância:(…)g): De decisão proferida depois da decisão final”.(…)i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.(…).
Prescreve o art.º 638º, nº 1 do CPC:
1 - O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no nº 2 do artigo 644º e no artigo 677º”. (…).
Assim, importa determinar se o presente recurso de apelação está sujeito ao prazo de 30 dias, por constituir um “incidente processado autonomamente” (art.º 644º, nº 1, al. a) do CPC), como defende a Reclamante, ou está sujeito ao prazo de 15 dias por consubstanciar uma “decisão proferida depois da decisão final” (art.º 644º, nº 2, al. g) do CPC), como foi entendido no despacho proferido pelo Tribunal “a quo” e no despacho do relator quer indeferiu a reclamação daquele despacho.
Na tese da Reclamante o recurso é tempestivo e deve ser admitido, porquanto, o despacho sob recurso, pôs termo a um incidente processado autonomamente, tudo cf. 1ª parte, do nº1, do art.º 638º e art.º 644º, nº1, a), in fine, ambos do CPC.
Conforme entendimento tido, quer no despacho da 1ª instância, que não admitiu o recurso, quer no despacho ora reclamado, que manteve aquele despacho, a questão a apreciar e decidir, para se apurar qual o prazo para interpor recurso do despacho proferido pelo Tribunal “a quo”, passa por saber qual o conteúdo da expressão “incidente processado autonomamente” constante do artigo 644.º/1, a), in fine, do CPC.
A reclamante entende que a reclamação da nota justificativa é um incidente processado autonomamente e, por isso, o prazo para recorrer do despacho que põe termo a esse incidente é o prazo de 30 dias, cf. art.º 638º, nº 1, e art.º 644º, nº 1 al. a) e o tribunal “a quo” e o ora relator, na decisão em que indeferiu a reclamação contra o despacho que não admitiu o recurso, entenderam que a reclamação da nota justificativa não é um incidente processado autonomamente e, por isso, não admitiu o recurso por extemporâneo, porquanto, o prazo para recorrer do despacho de indeferimento da reclamação da conta de custas, no caso da nota justificativa, é de 15 dias, pela aplicação conjugada dos artigos 638.º/1, in fine e 644.º/2, g), ambos do CPC, uma vez que o recurso incide sobre uma decisão proferida depois da decisão final.
Subscrevemos, na íntegra, a solução dada pelo relator no despacho, ora em reclamação para a conferência, e que reproduzimos de seguida.
Um incidente, seja ele processado por apenso ou nos próprios autos, é sempre uma ocorrência estranha ao desenrolar normal da instância, ou seja, é sempre um incidente da instância, configurando-se esta como uma sucessão dos atos processuais que compõem um processo judicial.
José Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, pág. 563, ensina:
“A ideia que, ente nós, está na base da noção de incidente, é a seguinte: uma ocorrência extraordinária que perturba o movimento normal do processo.Está pendente uma acção para a solução de certo conflito substancial; esta acção tem o seu processo próprio: a lei regula os termos e actos que hão-de praticar-se para se atingir o resultado final – a decisão da lide.Suponhamos que, no curso deste processo, surge uma questão secundária e acessória, para a solução da qual se torna necessária a prática de actos e termos não compreendidos na estrutura própria do processo da acção: temos o incidente.O incidente é uma forma processual secundária que apresenta, em relação ao processo da acção, o carácter de episódio ou acidente.”
É aqui que a expressão “processado autonomamente”, do artigo 644º/1, a), do CPC, encontra coincidência conceitual, porque pressupõe um processado não regulado na estrutura da ação em que é suscitado, tal como ensinava J. Alberto dos Reis.
É também este o entendimento de Abrantes Geraldes in Recursos No Novo Processo Civil, 5ª Ed. pág. 204, os incidentes a que alude o art.º 644º/1, a), do CPC são “incidentes tramitados no âmbito da própria ação, desde que sejam dotados de autonomia … a implicar trâmites específicos que não se confundem com os da ação em que estão integrados” (…) os incidentes de instância processados por apenso, como ocorre com a habilitação, mas que é extensiva a outros incidentes tramitados no âmbito da própria ação, desde que sejam dotados de autonomia. Tal como ocorre com os incidentes de intervenção de terceiros, com o da liquidação ou com o de verificação do valor da causa, (…)”.
A reclamação da nota justificativa de custas, sendo um incidente inominado, processa-se autonomamente?
Estipula o Regulamento das Custas Processuais (RCP) no art.º 26º-A, (Reclamação da nota justificativa)
1. A reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes.2 - A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota.3 - Da decisão proferida cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC.4 - Para efeitos de reclamação da nota justificativa são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, as disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31.º.
O que se visa com a previsão do artigo 26.º-A do RCP, que segue o regime do artigo 31.º do mesmo regulamento?
Visa-se reagir contra uma parte da sentença – a que respeita à condenação em custas –, pelo que não estamos em presença de um episódio ou um incidente estranho à normal tramitação e que exija um processado autónomo do que foi seguido pela ação.
Se o fim a atingir é a alteração da sentença numa das suas partes, o legislador poderia prever o regime do recurso para se reagir contra esta condenação, mas não foi este o objetivo do legislador.
Optou antes, por um procedimento tão célere quanto possível, conceder às partes reagir contra a condenação em custas pela via da reclamação, num claro intuito de conferir maior celeridade à apreciação da questão, ainda na instância em que foi proferida a decisão e, também por isso, o prazo diminuído que instituiu para reclamar e decidir (10 dias) e também para recorrer da decisão que incide sobre a reclamação (15 dias).
Não é finalidade do processo condenar ou absolver em custas, mas sim condenar ou absolver do pedido.
Ora, o incidente que constitui a reclamação da conta de custas, no caso da nota justificativa, não tem as características de incidente da instância, nos termos que ficaram expostos, e é exigido pelo regime legal dos incidentes da instância, pelo que não está incluído na previsão do artigo 644.º/1, a), do CPC.
O incidente que constitui a reclamação da conta de custas, no caso da nota justificativa, segue uma tramitação que se inscreve nos trâmites seguidos pela ação em que está integrado, por isso, não é processado autonomamente.
Logo, o prazo para recorrer do despacho de indeferimento da reclamação da conta de custas, no caso da nota justificativa, é de 15 dias, pela aplicação conjugada dos artigos 638.º/1, in fine e 644.º/2, g), ambos do CPC, uma vez que o recurso incide sobre uma decisão proferida depois da decisão final.
Tendo a recorrente sido notificada da decisão que indeferiu a reclamação da nota justificativa, em 08/01/2023, e interposto recurso daquela decisão em 02/02/2023, o recurso é extemporâneo.
Tanto bastaria para confirmarmos o despacho sob reclamação para a conferência, no entanto, acrescentamos os argumentos que seguem e reforçam a mesma solução, quanto ao prazo para interposição de recurso do despacho do tribunal “a quo”, que decidiu sobre a nota justificativa.
Qualquer incidente dispõe sempre de algum grau de autonomia, mas, em nosso entender, foi intenção legislador incluir na referida al. a) do nº1 do art.º 644º do CPC, apenas, os incidentes que a lei processual civil expressamente prevê e regula de forma autónoma relativamente à ação principal, nos art.º 296º a 361º do CPC.
Neste sentido, veja-se a jurisprudência citada no despacho reclamado, Ac. do STJ de 16.06.2015, e Ac. da RE. de 15.12.2016.
Mesmo que se defenda que a reclamação contra a nota justificativa, é um incidente processado autonomamente, pelo que supra se deixou exposto, nunca poderia ser qualificado como incidente da instância, nos termos e para os efeitos pretendidos.
Tratar-se-ia, sempre, de um incidente processado autonomamente, mas estranho ao desenrolar normal da lide, da instância, é um incidente que diz respeito apenas a matéria da nota justificativa de custas.
A ser assim, mesmo tratando-se de um incidente com autonomia processual cuja decisão está sujeita a recurso, cf. nº 3 do art.º 26º - A do RCP, porque não é um incidente da instância, “… uma ocorrência extraordinária que perturba o movimento normal do processo”, Cf. José Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, pág. 563, sempre o recurso, da decisão sobre o incidente da reclamação contra a nota justificativa, teria que ser interposto no prazo de 15 dias, pela aplicação conjugada dos artigos 638.º/1, in fine e 644.º/2, al. i), ambos do CPC.
Mas, no presente caso, porque a decisão sobre a reclamação da nota justificativa (na tese da Reclamante, um incidente processado autonomamente), foi proferida depois da decisão final, sempre seria de aplicar, a norma contida na al. g), do nº 2, do art.º 644º do CPC.
Em conclusão, não se inserindo a decisão recorrida em nenhum dos mencionados incidentes de instância, o respetivo recurso não se enquadra na previsão do da al. a) do nº 1, mas sim no nº 2, al. g), ou al. i), do referido art.º 644º, do CPC, sendo, por isso, de 15 dias o prazo interposição do recurso, cf. 2ª parte do nº1, do art.º 638º, do CPC."
[MTS]
07/11/2024
Alteração ao CPC (13)
Regula a citação e notificação por via eletrónica das pessoas singulares e das pessoas coletivas, determinando que a citação e notificação das pessoas coletivas é, em regra, efetuada por via eletrónica.
Bibliografia (1154)
Jurisprudência 2024 (43)
*III. [Comentário] Conforme se refere no voto de vencido, em M. Teixeira de Sousa / C. Lopes do Rego / A. Abrantes Geraldes / P. Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil (Coimbra 2020), 124 s., acompanha-se a orientação que fez vencimento no acórdão.
MTS
06/11/2024
Jurisprudência 2024 (42)
"IV - Subsunção jurídica [...]
b - Se o requerimento dos AA. deveria ter sido admitido nos termos formulados ou se o tribunal deveria ter usado dos seus poderes de gestão e de adequação processual para o convolar, sujeitando-o à disciplina do articulado superveniente.
Os recorrentes alegam, em síntese, que o seu requerimento deveria ter sido admitido por nos encontrarmos em face de pedido decorrente dos mesmos factos que consubstanciavam a causa de pedir primitiva.
Subjaz à pretensão recursória dos AA. a alegação de que houve lugar a ampliação do pedido, mas não da causa de pedir.
Vejamos se lhes assiste razão.
Nos termos do art.º 552.º/1/d) do C.P.C., é na petição inicial que devem ser expostos os factos que constituem a causa de pedir que servem de fundamento à ação.
O art.º 260.º do Código de Processo Civil consagra o princípio da estabilidade da instância, o que significa que após a citação do réu a instância deverá manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e causa de pedir, ressalvando, as exceções legalmente previstas.
No que se refere ao pedido e à causa de pedir, as exceções estão previstas nos arts. 264.º e 265.º do C.P.C..
Nos termos do disposto no art.º 264.º do C.P.C., a lei admite a alteração ou ampliação do pedido e da causa de pedir, por acordo das partes em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se tal perturbar inconvenientemente a instrução, discussão ou julgamento do pleito.
Consigna, por seu turno, o art.º 265.º/1 que, na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor.
Nos termos do n.º 2 do art.º 265.º, o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido ou pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Consigna o n.º 6 do mesmo art.º 265.º que é permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
A propósito da ampliação do pedido, Alberto dos Reis (in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, p. 93) ensinava: a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial.
Em idêntico sentido vejam-se o ac. TRL de19/5/1994, proc. n.º 0070956 Rodrigues Condeço; o ac. TRL de 25/6/1996, proc. n.º 0012701, Guilherme Pires e o ac. TRL de18/1/2011, proc. n.º 271/09.7TBCDV-A. L1-1, Manuel Marques, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Constituem exemplo de ampliação em “consequência do pedido primitivo” a situação em que o autor pede a restituição de um imóvel, vindo depois a pedir uma indemnização pelo esbulho desse mesmo prédio e o caso em que o autor pede a condenação do réu no pagamento duma dívida, vindo posteriormente a pedir a condenação no pagamento de juros de mora. Trata-se de situações em que o autor poderia desde logo ter formulado a sua pretensão ampliada na petição inicial.
No caso dos autos, os AA. invocaram factos novos supervenientes ao termo dos articulados e formularam nova pretensão indemnizatória.
O pedido adicionalmente formulado não poderia estar, em sentido próprio contido no pedido primitivo, pelo simples motivo de que a segunda vaga de pluviosidade que terá conduzido ao desabamento de outros tetos e prejuízos inerentes ocorreu em momento ulterior ao da petição inicial. [...]
À luz do disposto no art.º 581.º/4 do C.P.C., considera-se como causa de pedir a factualidade, afirmada pelo autor, de que se faz derivar o efeito jurídico pretendido. De acordo com a teoria da substanciação, essa factualidade deverá traduzir o facto gerador do direito, individualizando o objeto do processo, de modo a prevenir a repetição da causa. Cabe ao autor definir o objeto da ação, formulando o pedido e a causa de pedir, indicando os factos concretos em que baseia a pretensão que quer acautelar. A causa de pedir constitui, afinal, o cerne da ação.
Na petição inicial, os inquilinos invocam ausência de conservação de imóvel pelo senhorio, que ocasiona que precipitação abundante impeça a utilização plena do arrendado e cause estragos e sofrimentos. Na pendência da ação, reportaram novo evento de pluviosidade, no mesmo contexto de omissão do dono do prédio, ocasionador de novos prejuízos. No primeiro dos casos, os eventos têm como área dominante da habitação o teto da sala. No segundo, o teto do quarto e da cozinha.
No ac. da Relação de Lisboa de 5/7/2018 (proc. n.º 1175/13.4T2SNT.B.L1-2, Arlindo Crua, também consultável em www.dgsi.pt, tal como os demais invocados, salvo indicação diversa) sustentou-se que se os factos invocados na ampliação se traduzirem em meros factos complementares duma causa de pedir complexa já alegada na petição inicial, como sejam a concretização de um dano já alegado, é processualmente admissível a ampliação do pedido, sem necessidade do consentimento da parte contrária.
Também no ac. da Relação de Évora de 10/10/2019 (proc. n.º 38/18.1T8VRL-A.E1, Cristina Dá Mesquita) se admitiu a ampliação do pedido que tenha essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelos menos integradas no mesmo complexo de factos.
Confira-se o sumário do ac. do STJ de 19-06-2019 (proc. 22392/16.0T8PRT.P1.S1, Oliveira Abreu, disponível em sumários do Supremo):
IV- Estando no âmbito de uma ação declarativa de indemnização por responsabilidade civil, em razão de acidente de viação sofrido pelo demandante, cuja causa de pedir é complexa, temos de convir que não é qualquer alteração dos factos alegados que importa uma modificação da respetiva causa de pedir da ação, pois, ao ter-se alegado factos concretos no articulado inicial com vista a demonstrar os danos causados pelo ato ilícito, cuja indemnização se reclama, temos a causa de pedir como definida, não se alterando, de todo, se o demandante se limita, em momento posterior aos articulados, e até à audiência final, acrescentar novos danos, reconhecendo-se, claramente, estes novos factos, enquanto factos destinados apenas a concretizar os danos decorrentes do facto ilícito, como factos que complementam os factos jurídicos donde emerge a pretensão jurídica deduzida, como factos que acrescentam outras dimensões do dano decorrente do ato ilícito que serve de fundamento à ação, sem que se possa afirmar, por isso, que a demanda passa a ter uma dissemelhante causa de pedir ou passa a estar sustentada em fundamento que antes não possuía.
Lê-se ainda no ac. da Relação do Porto de 27-1-2022 (proc. 1218/21.8T8AMT-A.P1): embora a lei não defina o que deve entender-se por “desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”, a interpretação de tais conceitos deve orientar-se no sentido de a ampliação radicar numa origem comum. Esse é o entendimento que vem sendo sustentado na doutrina e na jurisprudência, ao defenderem que a ampliação do pedido será processualmente admissível, por constituir desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, quando o novo pedido (objeto de ampliação) esteja virtualmente contido no âmbito do pedido inicial, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, ou da reconvenção, sem recurso a invocação de novos factos. Ou seja: a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da ação, pressupondo-se, para tanto, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais. [...]
No caso vertente, o núcleo de factos essenciais que dão causa à ação são os mesmos: aqueles que integram o estado de conservação deficitário da habitação dos AA..
Esta abordagem da questão afigura-se-nos, porém, em bom rigor, despicienda. Na verdade, a matéria alegada pelos AA. no articulado por si configurado como de ampliação do pedido consubstancia um verdadeiro e próprio articulado superveniente, nada impedindo que no âmbito deste haja lugar a ampliação do pedido. O pedido primitivo e o pedido adicional têm subjacentes o mesmo complexo de factos, ainda que a ampliação importe a alegação de factos novos. Esta situação encontra-se reconhecida na lei processual civil através do recurso ao articulado superveniente, bastando que se reporte a factos que revistam essa caraterística de superveniência, isto é, que ocorram ou sejam conhecidos posteriormente aos articulados, nos termos e prazos previstos.
Efetivamente, nos termos do disposto no art.º 588.º/1 do C.P.C. os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
Nos termos do n.º 2 do mesmo art.º, dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tivesse conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
Leia-se no ac. da Relação de Lisboa de 22-02-2018 (proc. 1951/07.7TBTVD-A.L1-6, António Santos): a superveniência de que fala o dispositivo tanto pode ser a objetiva - quando os factos têm lugar já depois de esgotados os prazos legais de apresentação pela parte dos articulados -, como subjetiva, ou seja, quando os factos ainda que tenham tido lugar em momento anterior ao da apresentação pela parte do/s seu/s articulado/s, certo é que apenas chegaram ao seu conhecimento já depois de esgotados os prazos legais de apresentação dos aludido/s articulado/s.
Vem-se defendendo, por força do princípio do princípio da economia processual e do aproveitamento dos atos processuais, que, através do articulado superveniente, pode ser invocada uma nova causa de pedir (cf. José Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, p. 170, Coimbra Editora, p. 170, e Código de Processo Civil Anotado, 2001, p. 342 e Miguel Teixeira de Sousa, in As partes, o objeto e a prova na ação declarativa, pp. 189 e 190, 1990, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pp. 299-300, e também em blogippc.blogspot.pt).
Vejam-se ainda Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 4.ª ed., p. 529): É (…) possível a modificação simultânea não só quando alguns dos factos que integram a nova causa de pedir coincidem com factos que integram a causa de pedir originária, mas também quando, pelo menos, o novo pedido se reporta a uma relação material dependente ou sucedânea da primeira (cf.).
É precisamente o que ocorre no caso vertente."
"Não constitui [...] uma alteração da causa de pedir a alegação de um facto complementar superveniente (num articulado superveniente: cf. art. 588.º, n.º 1). Assim, por exemplo, é possível invocar novos danos decorrentes de um facto ilícito ou novos factos que indiciam as deficiências na construção de um imóvel apresentadas como causa de pedir [---] , sem submeter essa invocação aos requisitos estabelecidos pelo art. 265.º, n.º 1." (Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil I (2022), 464).
MTS
Bibliografia (1153)
05/11/2024
Jurisprudência 2024 (41)
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"A questão que se coloca tem a ver com competência material para julgar as ações de reconhecimento judicial da situação de união de facto, com vista à obtenção da nacionalidade portuguesa.
Importa, “brevitatis causa”, assumir que este conflito foi já tratado, em mais do que uma ocasião e por nós decidido, impondo-se, salvo alteração de circunstâncias o que, no caso, não ocorre, que se mantenha uma mesma linha de rumo decisória por razões de certeza e segurança jurídicas.
Assim, entendemos que embora a questão da competência material para a referida ação de reconhecimento da união de facto, com vista à aquisição da nacionalidade portuguesa, não seja consensual na jurisprudência, entendemos que, como todos reconhecem hoje, perante o conceito alargado de família, este tipo de ações dizem respeito às uniões de facto, não estando, por decorrência da lógica das relações sociais e familiares, alheias aos laços decorrentes, noutro contexto social, do casamento, conforme vem sendo reconhecido pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) a partir do art.º 8.º da respetiva Convenção. Quanto à consagração legal das uniões de facto bastará atentar no art.º 1576.º do Código Civil, na Lei 23/2010, de 30 de Agosto e na Lei 7/2001. Donde, a opção por uma jurisdição especializada.
A jurisprudência neste mesmo sentido – competência dos tribunais de família e menores – surge, inclusivamente, consagrada neste mesmo Tribunal da Relação do Porto (vide processo n.º 5202/21.3T8PRT.P1).
Como é consabido, dispõe a al. g) do n.º1 do já mencionado art.º 122.º da LOSJ, que “Compete aos juízos de família e menores preparar e julgar outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família”.
Ora, reitere-se que a leitura mais adequada da norma, atualista, ao referir-se a “outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família” se reporta às condições ou qualidades pessoais que têm como fonte as relações jurídicas familiares, incluindo as resultantes das uniões de facto (art.º 1576.º do Código Civil; Lei 23/2010, de 30/agosto, e as alterações legislativas daí decorrentes com destaque para a Lei 7/2001, de 11/maio).
O objeto da ação tem a ver, estruturalmente, com o reconhecimento de uma alegada relação prolongada de união de facto – que se inclui no conceito moderno de família alargada (neste mesmo sentido, leia-se, por todos, o Ac. da Relação de Coimbra de 15/07/2020, processo nº 160/20.4T8FIG.C1, em www.dgsi).
Destarte, entendemos, em linha com o já decidido nesta Relação, que resulta ser materialmente competente para a presente ação o Juízo de Família e Menores.
Aliás, um acórdão muito recente do nosso Supremo Tribunal de Justiça vai neste exato sentido; trata-se do aresto de 16 de Novembro passado, onde, designadamente, se pode detetar um outro argumento eventualmente ponderoso: “o interesse público em combater a possibilidade de estarmos perante uma união de facto simulada unicamente com o objetivo de permitir a um cidadão estrangeiro a aquisição da nacionalidade portuguesa fica mais protegido se os tribunais competentes para julgar a causa tiverem mais experiência em analisar a prova. Ora, é indiscutível que são os juízos de família que estão mais preparados para este efeito.” (vide Acórdão STJ, processo nº 546/22.0T8VLG.P1.S1, disponível em dgsi.pt).
MTS