Blog do IPPC
Instituto Português de Processo Civil
"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))
20/06/2025
Bibliografia (1204)
Jurisprudência 2024 (192)
i. O processo de inventário é o adequado a operar a divisão dos bens em compropriedade do casal (citando para o efeito a jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 28.09.2023, proferido no âmbito do proc. n.º 611/21.0T8SSB.E1 – in www.dgsi.pt).
ii. Ainda que inexistam bens comuns do casal, a abertura do processo de inventário justifica-se, também, no caso vertente, por estar alegada a existência de créditos perante terceiros, nomeadamente, entidades bancárias, relacionados com a aquisição dos imóveis (entendimento que extrai da jurisprudência dos acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 07.06.2023, proferido no âmbito do processo n.º 1702/20.0T8BRG-A.G1 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 01.06.2010, proferido no âmbito do processo n.º 2104/09.5TBVFX-A.L1-7 – ambos in www.dgsi.pt). [...]
- a primeira, visa apurar e fixar os quinhões de cada comproprietário e, bem assim, aferir da divisibilidade do bem (artigo 926.º, n.ºs 4 e 5, do CPC);- a segunda tem como objectivo: a divisão do bem em substância com a adjudicação das partes, caso se conclua que tal é possível na primeira fase do processo (artigos 927.º, n.º 1 e 929.º, n.º 1, ambos do CPC); ou a adjudicação da totalidade / venda a terceiros, com divisão do produto da venda em função dos quinhões de cada um, caso se conclua que o bem é indivisível (artigos 928.º e 929.º, n.ºs 2 e 3, ambos do mesmo diploma legal).
[MTS]
19/06/2025
Bibliografia (1203)
Jurisprudência 2024 (191)
· a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento;· a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar;· discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos; ou· a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr convencer.
[MTS]
18/06/2025
Jurisprudência 2024 (190)
1. O sumário de RP 11/12/2024 (288/20.0T8ILH.P1) é o seguinte:
1 – Se, nas circunstâncias do caso, a Il. Mandatária alegou devidamente o desconhecimento da morte da autora/mandante, o que impede a ocorrência da caducidade do mandato ao tempo da propositura da acção.2 – Se não era condição, para esse efeito, a alegação de factos aptos a justificar o desconhecimento da morte do mandante, ao tempo da propositura da acção;3 – Se, caso se conclua pela necessidade dessa alegação, deveria o tribunal ter convidado ao aperfeiçoamento do requerimento;4 – Se o mandato não caducou por morte da mandante, porque daí adviriam prejuízos para os seus herdeiros;5- Se a situação em apreço não configura a propositura de uma acção com falta de procuração, o que obsta à condenação da Il. Mandatária em custas.6 – Se foi omitido um necessário convite à sanação da falta de procuração, o que determina a nulidade da decisão de condenação em custas.
“FF, Mandatária da Autora AA, vem expor e requerer a V. Exa, o seguinte:1º - A aqui Signatária, ao ser notificada do despacho saneador proferido nos presentes autos tentou contactar a aqui Autora,2º - Tendo tomado conhecimento, através da sobrinha da Autora, que a Autora havia falecido.3º - Pelo que se requer a junção aos autos da sua certidão de óbito -4° - Mais se requer que se declare suspensa a instância nos termos do art. 269°, n°1 a) do C.P.C., informando-se, desde já, que irá ser suscitando o competente incidente de habilitação de herdeiros.”
“1º Efetivamente, a procuração a favor da aqui signatária foi outorgada, pela Autora AA, em 05.06.2018,2º Sendo que, apenas em 18.06.2020 foi apresentada em juízo a petição inicial que deu origem aos presentes autos,3° Ora, a aqui Signatária reuniu várias vezes com a Autora com vista a obter toda a informação e documentação necessária para intentar a presente acção,4º Sendo que, a última ver quem Signatária esteve reunida com a Autora foi nesse dia 17.05.20195º Tendo nessa data, a aqui Signatária ficado munida de todos os documentos e de todas as informações necessárias para intentar a presente acção,6º Não tendo, após a referida data, a aqui Signatária tido qualquer outro contacto com a Autora, nem com nenhum dos seus familiares,7º Acontece que, devido ao excesso de trabalho no escritório da aqui Signatária e dos períodos de confinamento derivados da pandemia Covid- 19 que assolou o nosso pais e o mundo, só foi possível à aqui Signatária dar entrada do presente processo em 18.06.2020.8° Ora, conforme requerimento junto aos presentes autos em 26.01.2024, a aqui Signatária, ao ser notificada dos despacho saneador proferido nos presentes autos em 03.01.2024, tentou contactar a aqui Autora,9º Tendo, só nessa data, tomado conhecimento, através da sobrinha da Autora, que a Autos havia falecido,10º Facto este que foi imediatamente comunicado aos presentes autos pela aqui Signataria e consequentemente requerida a correspondente habilitação de herdeiros.(…)”.
A situação em análise no acórdão tem algumas semelhanças com a previsão do disposto no art. 351.º, n.º 3, CPC (e não tanto com o estabelecido no n.º 2 deste preceito). Pode efectivamente concluir-se que o que vale para a hipótese em que o falecimento do autor ocorreu antes da propositura da acção também deve valer para a hipótese em que só se tem conhecimento do falecimento do demandante antes da instauração da acção já no decurso desta.
A consequência da aplicação do n.º 3 do art. 351.º do CPC é a remessa para o disposto no art. 1175.º CC. Sendo assim, o que teria importado verificar era se, no caso concreto, ocorria algum das situações que justifica a dilação da caducidade do mandato. Em teoria, não se pode excluir que da caducidade imediata do mandato resultassem prejuízos para os herdeiros da autora, pelo que, nesta base, não havia motivo para considerar o mandato caducado antes de a acção pendente vir a terminar.
É verdade que a mandatária poderia ter invocado este argumento (e, ao certo, não se sabe se o fez). No entanto, a continuação do mandato para evitar prejuízo para os herdeiros não é matéria de facto, mas antes um critério de decisão que o tribunal poderia ter aplicado oficiosamente (art. 5.º, n.º 3, CPC). Aliás, mesmo que assim não se entendesse, o que então se poderia exigir era a prova pelos herdeiros de que têm interesse em que a acção que o de cuius ia instaurar seja agora proposta por eles mesmos.
b) A RP baseia a sua solução no não cumprimento pela mandatária de um ónus da prova: a mandatária não fez prova do conhecimento tardio da morte da autora. Para isso, baseia-se na opinião de Alberto dos Reis, esquecendo, em todo o caso, que o Mestre escreveu muito antes da vigência do art. 1175.º CC e -- principalmente -- do critério de repartição do ónus da prova que consta do art. 343.º, n.º 2, CC.
Por fim, cabe referir que a orientação de Alberto dos Reis tem ainda um outro inconveniente: implica a prova de um facto negativo. Não se vê muito bem como é que a mandatária poderia ter provado que, antes do contacto a propósito do proferimento do despacho saneador, não tinha tido conhecimento do falecimento da autora. Será que, por exemplo, a prova de que a mandatária não esteve no funeral da autora constituiria prova convincente desse desconhecimento?
17/06/2025
Bibliografia (1202)
Jurisprudência 2024 (189)
1. O sumário de RC 8/10/2024 (1/22.8T8VIS.C1) é o seguinte
I – Resulta do art. 592º, nº 1, do C.Civil que não é qualquer terceiro que cumpra obrigação alheia que beneficia da sub-rogação, mas apenas aqueles que cumpriram em determinadas circunstâncias valoradas pela lei, sendo-o designadamente o terceiro que cumpra a obrigação alheia, quando “por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito” – in fine do normativo citado.
II – Para este efeito exige-se um interesse direto, que a doutrina vem entendendo como sendo um interesse patrimonial e próprio, excluindo um mero interesse “moral” ou “afectivo” do solvens.
Sendo que foi nessa sequência que os AA. ora recorrentes liquidaram a dívida do R. que estava na base da penhora do quinhão hereditário, extinguindo a execução que contra este corria, tendo-lhes sido outorgada declaração, pelo credor originário, que atesta tal pagamento.
Neste contexto, afirmou-se enfaticamente na sentença recorrida que «(…) para os autores havia um interesse direto e patrimonial em não limitar ou afetar o direito que estes detinham na herança visada e na preservação daquele património».
E a nosso ver, bem!
Na verdade, à luz do supra exposto, importa efetivamente concluir que os AA. aqui recorridos, por via da penhora do quinhão hereditário que teve lugar, viram entrar na herança impartilhada um terceiro, o credor, o qual passou a ter intervenção e interferência no património familiar existente.
É, assim, efetivamente legítimo concluir que, com a liquidação da dívida operada, os AA. tinham como objetivo evitar que se limitasse o direito dos mesmos aos bens da herança, evitando as consequências do não cumprimento da dívida na partilha dos bens e, mais diretamente, a execução em curso ou a consumação desta, pela venda (e consequente perda) da coisa empenhada, sendo exatamente esse cumprimento interessado a razão de ser da sub-rogação.
Dito de outra forma: ocorreu cumprimento efetuado pelos AA. ora recorridos com a finalidade de evitar a execução, e o que ela significava em termos de agravamento da sua posição jurídica, o que corresponde a um interesse direto e próprio.
Nada havendo, assim, a censura à sentença recorrida quando concluiu que os AA. detinham um interesse direto e patrimonial no cumprimento da obrigação/na satisfação do crédito alheio, donde, que se encontravam verificados in casu os pressupostos da sub-rogação legal."
[MTS]
16/06/2025
Jurisprudência 2024 (188)
1. O sumário de RL 24/10/2024 (25544/23.2T8LSB.L1-2) é o seguinte:
a) Em cujo território se situe:i) a residência habitual dos cônjuges,ii) a última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida,iii) a residência habitual do requerido,iv) em caso de pedido conjunto, a residência habitual de qualquer dos cônjuges,v) a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos um ano imediatamente antes da data do pedido, ouvi) a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos durante seis meses imediatamente antes do pedido e se for nacional do Estado-Membro em questão; oub) Da nacionalidade de ambos os cônjuges.”
a) Na data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância, ou ato equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido.”
13/06/2025
Jurisprudência 2024 (187)
*3. [Comentário] A RP decidiu bem.
Apenas uma pequena chamada de atenção: onde se diz "nos termos do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 269/98" deve entender-se que se pretendia dizer "nos termos do artigo 18.º do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98".
MTS
12/06/2025
Jurisprudência 2024 (186)
1. O sumário de STJ 15/10/2024 (1530/20.3T8CBR.C1.S1) é o seguinte:
I - A delimitação da dupla conformidade de decisões, enquanto obstáculo admissibilidade da revista, exige o confronto com a autonomia e cindibilidade do objecto do processo, mesmo no caso de objecto único, e na viabilidade da apreciação de segmentos da decisão entre si independentes, autonomia que é aferida em função da respectiva fundamentação;
II - A cláusula, inserta num contrato promessa bivinculante, em execução da qual a coisa imóvel objecto mediato do contrato de compra e venda prometido é traditada para os promitentes compradores, mediante o pagamento de uma compensação, devida até à conclusão do contrato definitivo, não é qualificável com contrato de arrendamento urbano, mas como simples convenção acessória, subalterna e instrumental, através da qual se antecipa um dos efeitos jurídicos deste último contrato;
III - Do contrato promessa emergem, além das prestações principais de facto jurídico positivo - a obrigação de emitir, no futuro, as declarações de vontade integrantes do contrato definitivo prometido - deveres acessórios de conduta que arrancam, materialmente, do princípio regulativo estruturante da boa-fé;
IV - A resolução do contrato promessa exige o incumprimento definitivo das obrigações que dele emergem, o incumprimento definitivo que surge não apenas quando for força da não realização ou do atraso na prestação o credor perca o interesse objectivo nela ou quando, havendo mora, o devedor não cumpra no prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor - mas igualmente nos casos em que o devedor declara expressamente não pretender cumprir a prestação a que está adstrito ou adopta uma qualquer outra conduta manifestamente incompatível com o cumprimento;
V - A resolução infundada do contrato promessa determina o seu incumprimento, dado que revela o propósito, claro, sério e unívoco, a intenção categórica ou o propósito indubitável e irrevogável de não cumprimento - e de não cumprimento definitivo - daquele mesmo contrato;
VI - Apesar da autonomia do contrato promessa relativamente ao contrato definitivo e de dele apenas resultarem prestações de facto jurídico positivo, no cumprimento destas obrigações são relevantes as eventuais perturbações das prestações que resultam do contrato definitivo ou principal;
3.2.1. Inadmissibilidade da revista no tocante à questão da qualificação da convenção contida no n.º 3 da cláusula 4.º do texto da promessa de contrato como contrato de arrendamento.
As instâncias são acordes na recusa da qualificação da convenção inserta n.º 3 da cláusula 4.ª do texto contratual como contrato de arrendamento urbano. Os recorrentes insistem, na revista, nessa qualificação, o que, de resto, corresponde à estratégia processual que adoptaram na petição inicial e com qual, já se vê, visavam subtrair-se ao risco – que se concretizou com o acórdão impugnado – de verem paralisada a entrega do imóvel prometido vender em consequência do reconhecimento, às recorridas, do direito de retenção sobre ele, para garantia dos créditos que emergem da supressão, por resolução, da promessa de contrato.
Uma causa de exclusão da recorribilidade dos acórdãos da Relação, de largo espectro, é a chamada dupla conforme, de harmonia com a qual não é admitida revista daqueles acórdãos, sempre que confirmem, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância (art.º 671.º, n.º 3, do CPC).
Como a conformidade das decisões das instâncias exclui o recurso de revista que, doutro modo, seria admissível, o que importa determinar é se essas decisões são conformes – duae conformes sententiae - não se são desconformes, pelo que se aquelas decisões não forem inteiramente coincidentes, o que interessa determinar é se essa não coincidência equivale a uma não-conformidade. As decisões das instâncias podem ser conformes, mesmo que entre elas se registe alguma desconformidade, o que é confirmado pela regra de que as decisões das instâncias são conformes se as respectivas fundamentações, apesar de distintas, não forem essencialmente diferentes (art.º 671.º, n.º 3, do CPC). Para verificar se o acórdão da Relação é conforme ou desconforme perante a decisão da 1.ª instância há que considerar os elementos das duas decisões. E entre os elementos das duas decisões, interessantes para a avaliação ou aferição daquela conformidade releva, desde logo, a fundamentação: se a fundamentação das decisões das instâncias for homótropa ou não for essencialmente diferente, a revista é inadmissível; se, porém, a motivação do acórdão da Relação for essencialmente distinta, aquele recurso ordinário é admissível.
Apesar de alguma flutuação de formulações, por fundamentação essencialmente diversa este Tribunal tem entendido, não aquela que seja divergente no tocante a aspectos marginais, subalternos ou secundários - mas a que assente numa ratio decidendi inteiramente distinta, como sucede quando radica em institutos ou normas jurídicas completamente diferenciadas ou quando, movendo-se embora no âmbito do mesmo instituto ou norma jurídica, os interpreta de modo inteiramente divergente, aplicando ao objecto do processo um enquadramento jurídico marcadamente diferenciado que se repercuta, decisivamente, na solução jurídica da controvérsia [---].
Em face deste enunciado, é clara a conformidade de decisões, da 1.ª instância e da Relação no tocante à questão da qualificação considerada a unanimidade do acórdão impugnado e a homogeneidade da fundamentação de um e de outro acto decisório, dado que ambos convergiram na conclusão de que a apontada convenção não constitui um contrato de arrendamento urbano – mas uma simples estipulação conformadora da traditio da coisa imóvel objecto do contrato definitivo prometido.
Como decorre, por exemplo, do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2022, de 18 de Outubro – DR n.º 201/2022, Série I, de 2022.10.18 – a delimitação da dupla conformidade de decisões reclama o confronto com a autonomia e cindibilidade do objecto do processo, mesmo no caso de objecto único, e na viabilidade da apreciação de segmentos da decisão entre si independentes, autonomia que é aferida um função da respectiva fundamentação. Ora os fundamentos da revista representados pela resolução do contrato promessa bivinculante de compra e venda e pela resolução do contrato de arrendamento são – materialmente – autónomos entre si e juridicamente cindíveis, dado que cada um deles é, de per se, suficiente para justificar a procedência do recurso, pelo que a confirmação, pela Relação, sem voto de vencido e sem uma fundamentação essencialmente, da decisão da 1.ª instância de não verificação de qualquer desses fundamentos, dá lugar, quanto aos fundamentos sucessivamente apreciados de modo uniforme, a uma decisão conforme que obstacula à admissibilidade da revista comum ou normal. Do que decorre, quanto à questão da qualificação da apontada cláusula contratual, a inadmissibilidade da revista por força da duae conformes sententiae."
MTS