Deferimento tácito
Intempestividade do requerimento de proteção jurídica
Prova da insuficiência económica
Sumário:
Tanto a rejeição in limine pela entidade administrativa do pedido de proteção jurídica por o respetivo requerimento ter sido apresentado fora do momento processual estabelecido pelo n.º 2 do artigo 18.º da LADT, como a notificação para a junção de documentos destinados a provar a insuficiência económica efetuada nos termos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 8.º-B da mesma lei, têm de ocorrer ainda dentro do prazo de 30 dias previsto no n.º 1 do artigo 25.º daquele diploma legal para a conclusão do procedimento administrativo.
Decorrido este prazo, a decisão expressa de indeferimento com fundamento na intempestividade do pedido ou na falta de apresentação de todos os elementos de prova necessários não tem a virtualidade de anular, revogar ou substituir o ato tácito de deferimento que eventualmente se tenha formado.
1. De acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 25.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho (Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais – LADT), na redação introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28/08, decorrido o prazo de 30 dias para a conclusão do procedimento administrativo destinado à atribuição de proteção jurídica sem que tenha sido proferida uma decisão pelo Instituto da Segurança Social, I.P., considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de proteção jurídica.
2. Embora não constitua propriamente um ato voluntário da administração, o ato tácito não deixa de ser um ato administrativo, podendo ser revogado, anulado, alterado ou substituído (vide Diogo Freitas do Amaral, "Direito Administrativo lições policopiadas aos alunos de direito, em 1989/90", 1989, volume III, p. 273). Ao considerar-se existir o ato tácito sem que estejam reunidos os requisitos objetivos e subjetivos para a prática do mesmo, sempre estaria esse ato ferido de vício de anulabilidade, porque proferido em violação da lei, designadamente do disposto no artigo 8.º-A da LADT (cf. art. 163.°, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo - CPA), e, por via do disposto nos arts. 165.º, 166.º e 167.º, n.º 1, todos do mesmo Código, seria anulável ou passível de substituição. Uma vez que o ato tácito em causa é constitutivo de direitos (cf. art. 167.º, n.º 3, CPA), a sua anulação administrativa pode ocorrer no prazo de seis meses a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade (cf. art. 168.º, n.º 1, CPA).
3. Quando a entidade administrativa fundamenta a decisão de indeferimento na intempestividade do pedido ou na falta de apresentação dos documentos necessários à prova da insuficiência económica, que não tenham sido entregues com o requerimento de proteção jurídica, não existe apreciação concreta sobre se o interessado se encontrava ou não em condições para poder beneficiar de proteção jurídica na modalidade por si requerida; por modo que, ao ser proferida a decisão administrativa com aqueles fundamentos (não estar comprovada a oportunidade do pedido ou falta de prova da insuficiência económica pelo requerente de proteção jurídica), não se pode afirmar que um eventual ato tácito de deferimento se tenha formado em violação da lei.
4. Com efeito, nem o n.º 2 do art. 18.º, nem os n.ºs 3 e 4 do art. 8.º-B, ambos da LADT, se referem ao âmbito objetivo de aplicação deste diploma, mas antes, respetivamente, sobre a tempestividade do pedido de apoio judiciário e sobre o efeito cominatório decorrente da falta de apresentação de documentos necessários à prova da insuficiência económica; aqueles normativos consagram, por isso, regras de natureza procedimental ou adjetiva, e não regras de natureza substantiva.
No caso do n.º 4 do art. 8.º-B da LADT, a falta de resposta do interessado diz respeito à apresentação de documentos necessários à prova da sua insuficiência económica que não foram entregues com o requerimento de proteção jurídica, prevendo-se a cominação de que se o interessado não tiver procedido à apresentação de todos os elementos de prova necessários, o requerimento é indeferido, sem necessidade de proceder a nova notificação ao requerente.
É certo que a falta de entrega dos documentos para prova da situação socioeconómica do interessado suspende o prazo de produção do deferimento tácito do pedido de proteção jurídica (cf. art. 8.º-B, n.º 3, da LADT, e art. 1.º, n.º 3, da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31/8). Só que essa suspensão apenas se inicia com a notificação do interessado para a apresentação dos documentos em falta (cf. art. 8.º-B, n.º 3, da LADT).
5. No âmbito da impugnação judicial nos termos dos artigos 27.º e 28.º da LADT, uma perspetiva de análise é admitir -- como faz certa jurisprudência -- que um eventual ato tácito que se forme em violação do critério geral previsto no n.º 1 do artigo 8.º da LADT e mesmo dos critérios auxiliares que se encontram publicados em anexo a esse diploma (cf. art. 8.º-A do mesmo diploma) para a apreciação da insuficiência económica, seja considerado ferido de ilegalidade e, em consequência, suscetível de anulação; outra, bem diferente, é defender que um eventual ato tácito que se forme por a entidade administrativa não ter oportunamente rejeitado o requerimento de proteção jurídica com fundamento na sua intempestividade ou que um eventual ato tácito que se forme por falta de decisão expressa de indeferimento do requerimento em virtude de atraso ou ausência de resposta do requerente na junção de documentos também devam ser considerados atos inválidos e, em consequência, suscetíveis de anulação, dado que, nestes dois casos, a entidade administrativa não se pronuncia sobre a aplicação em concreto dos critérios materiais que permitem aferir se o interessado se encontra ou não numa situação de insuficiência económica.
6. Esta última interpretação retiraria todo o sentido e alcance ao n.º 2 do artigo 25.º da LADT. Na verdade, se todo e qualquer fundamento de indeferimento do requerimento de proteção jurídica pudesse constituir motivo de anulação, revogação ou substituição de um eventual ato tácito que, entretanto, se tivesse formado, então, é caso para perguntar que sentido teria o ato silente sobre o pedido de proteção jurídica, considerando-se tacitamente deferido e concedido esse pedido, caso decorra o prazo previsto no n.º 1 do mesmo preceito legal para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre aquele pedido. A resposta é óbvia: estaríamos em presença de um normativo sem âmbito de aplicação.
Esta conclusão não é permitida pela hermenêutica jurídica, designadamente pelo disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, nos termos do qual “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
7. À vista disso, não se pode concluir que a decisão que indefere o pedido formulado pelo interessado por não ter ficado comprovada a oportunidade desse pedido ou por não terem sido juntos os documentos necessários à prova da insuficiência económica se configuram como decisões de anulação do ato tácito de deferimento do pedido de proteção jurídica que (invalidamente) se tenha entretanto formado, dado que a apresentação intempestiva do pedido de apoio judiciário e a falta de resposta pelo interessado, e, concretamente, a falta de junção de documentos necessários à prova da sua insuficiência económica, não constituem motivo de invalidade, sendo apenas motivos de indeferimento in limine do requerimento de proteção jurídica pela entidade administrativa.
8. De acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 121.º do CPA, a realização da audiência de interessados não suspende a contagem do prazo a que se alude no n.º 1 do artigo 25.º da LADT.
9. Em suma: a rejeição in limine pela entidade administrativa do pedido de proteção jurídica por o respetivo requerimento ter sido apresentado fora do momento processual estabelecido pelo n.º 2 do artigo 18.º da LADT e a notificação para a junção de documentos destinados a provar a insuficiência económica têm de ocorrer ainda dentro do prazo de 30 dias previsto no n.º 1 do artigo 25.º da mesma lei para a conclusão do procedimento administrativo. Decorrido este prazo, a decisão expressa de indeferimento com fundamento na intempestividade do pedido ou na falta de apresentação de todos os elementos de prova necessários não tem a virtualidade de anular, revogar ou substituir o ato tácito de deferimento que eventualmente se tenha formado.
J. H. Delgado de Carvalho