"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



14/04/2025

Jurisprudência 2024 (147)


Execução; penhora;
princípio da proporcionalidade

I. O sumário de RG 11/7/2024 (507/11.4TBCMN-A.G1é o seguinte:

1 - A oposição à penhora é um meio processual privativo do executado em que apenas podem ser invocados os fundamentos expressamente previstos no nº 1 do artº 784º do CPC, sendo inadmissível que o executado venha invocar na oposição à penhora fundamentos próprios da oposição à execução ou a utilização de outros meios processuais de reacção contra actos praticados no âmbito de uma execução.

2 - O incidente de oposição à penhora consiste num meio de reacção contra acto de penhora considerado ilegal, por violador de limites previstos na lei.

3 - O princípio da proporcionalidade e o princípio da adequação, a nortearem a ordem de realização da penhora e a sua extensão, consubstanciam o uso de poderes vinculados, não discricionários (cfr. nº 1 e 2, do art. 751º do CPC), sendo ilícita a prática de penhoras excessivas (vd. nº 3, do art. 735º do CPC) e de penhoras desadequadas ao escopo da execução (art. 130º do CPC).

II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Pretende a recorrente a revogação da decisão recorrida e que seja substituída por outra que receba a oposição à penhora e determine os seus ulteriores termos.

A decisão em apreço rejeitou liminarmente a oposição à penhora, por falta de fundamento legal, considerando que não pode ser subsumida à previsão constante do art. 784º/1, a), in fine, do CPC.

Quid iuris?

Antecipando desde já a decisão, diremos não se ter revelado assertiva a decisão recorrida.
Mas vejamos o enquadramento legal.

A oposição à penhora, enquanto meio de reacção contra o acto de penhora, constitui um incidente declarativo da execução que segue os termos dos arts. 293º a 295º do CPC, aplicando-se ainda, com as necessárias adaptações, o disposto nos nºs 1 e 3 do art. 732º do mesmo Código (vd. art. 785º/2 do CPC). Tal incidente pode ser deduzido exclusivamente pelo executado (legitimidade ativa – vd. art. 784º/1 do CPC), no prazo de 10 dias a contar da notificação do acto de penhora (art. 785º/1 do CPC), tem como pedido a revogação/extinção do acto de penhora e a causa de pedir restringe-se a um dos fundamentos enunciados no art. 784º/1 do CPC. No fundo, este incidente constitui uma acção funcionalmente acessória da acção executiva, pela qual o executado se defende de um acto de penhora de um bem seu com fundamento em violação das regras sobre o objecto penhorável [Cfr. Rui Pinto, in A Acção Executiva, AAFDL Editora, pág. 676.]

A oposição à penhora é, assim, um meio processual privativo do executado em que apenas podem ser invocados os fundamentos expressamente previstos no nº 1 do art. 784º do CPC, sendo inadmissível que o executado venha invocar na oposição à penhora fundamentos próprios da oposição à execução [---]

Os fundamentos de oposição à penhora vêm elencados no art. 784º do CPC.

Nos termos deste art.:

1 – Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
2 – Quando a oposição se funde na existência de patrimónios separados, deve o executado indicar logo os bens, integrados no património autónomo que responde pela dívida exequenda, que tenha em seu poder e estejam sujeitos à penhora”.

O incidente de oposição à penhora visa, portanto, questionar a penhorabilidade do bem em si, a medida em que a penhora se realizou, a sua oportunidade ou a eventual impenhorabilidade para a satisfação da concreta dívida exequenda – als. a) a c) do nº 1 do art. 784º do CPC – sendo estes fundamentos taxativos [Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa, in CPC Anotado, vol. II, pág. 178.]

A oposição à penhora não se confunde com a oposição à execução ou a utilização de outros meios processuais de reacção contra actos praticados no âmbito de uma execução (v.g., pagamento da quantia exequenda), podendo naturalmente ser arguidas pelo executado. Assim, a causa de pedir no incidente de oposição à penhora é restrita, ou seja, apenas podem ser invocados os fundamentos tipificados no art. 784º do CPC (violação de normas que fixam impenhorabilidades objectivas, absolutas, relativas ou parciais, e infracção do princípio da proporcionalidade da penhora; penhora de bens próprios do executado em execução movida contra marido e mulher relativamente a dívida comum ou penhora de bens do fiador, penhora inicial de outros bens que não aqueles sobre que incida garantia real; casos de limitação convencional ou legal de responsabilidade, bem como casos de bens não transmissíveis que se encontram fora do comércio).

Dispõe o art. 735º do CPC, quanto ao objeto da execução, que estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora, que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.

Apesar disso, o legislador “procurou proteger o executado contra a verificação de eventuais abusos na execução do seu património, impedindo, designadamente, a penhora de bens e/ou direitos de valor manifestamente superior ao necessário ao pagamento da dívida exequenda e demais custas e despesas da execução” [Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Executivo, 2016, Almedina, pág.283 e seg.] consagrando no nº 3 do mencionado art. 735º, o princípio da proporcionalidade quanto à penhora do património do executado.

Assim, não sendo a posição jurídica do credor absoluta, a agressão do património do executado só é lícita se proporcional, por necessária, e adequada, por útil e eficaz à satisfação da pretensão do exequente.

Deste modo, estando sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda, nos termos do nº 1, do art. 735º, regendo o princípio da garantia real das obrigações, consagrado no art. 601° do CC, segundo o qual “pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor, sendo conferido ao credor o direito à realização coativa da prestação, mediante execução do seu património, sem embargo das limitações consignadas no direito substantivo (v.g. arts. 602º e 603º, do CC), na legislação processual (arts. 736º a 739º) ou noutros preceitos legais [Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2020, Almedina, p. 99.]. Contudo, o n° 3, do artigo 735.°, consagra o “princípio da proporcionalidade entre a amplitude da quantia exequenda (incluindo despesas previsíveis da previsão) e da penhora, estipulando que «A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor.». Todavia, tal como sublinham Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 99), na ponderação dessa proporcionalidade deve ser tomada em consideração a circunstância de existirem créditos que virão a beneficiar de melhor graduação preferencial”.

Logo, atento o princípio da proporcionalidade da penhora, que decorre do disposto no art. 735º/1 do CPC, esta pressupõe uma adequação entre meios e fins, o que significa que não devem ser penhorados mais bens do que os necessários para a satisfação da pretensão exequenda, não devendo ser causado ao executado um dano ou um prejuízo superior ao necessário para a execução da obrigação.

Ora, o fundamento invocado pela executada – ser a penhora ilegal, por ofender o princípio da proporcionalidade –, é um dos legalmente tipificados nas als. do nº 1 do art. 784º do CPC.

Efectivamente, pelo menos desde o final de 2021 que a executada entende já se encontrar totalmente paga a quantia exequenda, atenta a soma do valor da quantia exequenda (€ 30.712,91) e das despesas prováveis (€ 3.071,29), que ascende a € 33.784,20, face aos descontos no seu vencimento que em Novembro de 2021 já ascendiam a € 33.999,18 e em Dezembro de 2023 a € 39.017,18, mas que perduram até ao presente. Apesar do seu requerimento de Dezembro de 2021 a insurgir-se contra a continuidade dos descontos no seu vencimento, por já lhe ter sido cobrado pela penhora do mesmo quantia muito superior à quantia exequenda e despesas prováveis, foi agora confrontada com uma nova penhora, desta vez do veículo, onde consta como Limite da penhora, ser a Dívida exequenda de €3.0712,91 [sic], Despesas prováveis de € 3.071,29; Total de € 33.784,20 €, ou seja, precisamente o mesmo que constava do auto de penhora do seu vencimento, de 21 de Março de 2012, onde constava como "dívida exequenda" o valor de 30.712,91€; "despesas prováveis" o valor de 3.071,29€, o que tudo perfazia o valor global de 33.784,20€.

Assim, tendo sido alegado que a penhora excede a quantia exequenda por esta alegadamente se encontrar paga (art. 784º do CPC), devem prosseguir os autos para prova de se encontrar, ou não, já pago tudo, pois, se assim for, não faz sentido penhorar-se outros bens. Devendo entender-se ser de abranger a oposição à penhora a outras situações, concretamente quando se penhoram outros bens do executado com excesso, por já se ter realizado outras penhoras capazes de satisfazer a quantia exequenda, o que redundaria numa penhora ilegal [---], e dado que a extinção da execução, por requerimento ficaria sempre dependente da posição do exequente/agente de execução (cfr. art. 846º do CPC). Isto sem prejuízo de se dar a possibilidade do executado fazer prova dos factos susceptíveis de integrar a al. a), do 784º/1 do CPC, ainda que com convite ao aperfeiçoamento, a fim de suprir eventual imprecisão na exposição, fixando-se para tanto prazo para a apresentação de novo articulado em que fosse corrigido o inicialmente produzido, tal como previsto no art. 590º/4 do CPC."

[MTS]