"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



15/04/2025

Jurisprudência 2024 (148)


Litigância de má fé;
recorribilidade*

I. O sumário de RE 10/7/2024 (5702/18.2T8STB-D.E1) (d.s.) é o seguinte:

1 – O deferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo não abrange a dispensa do pagamento de multas nem de penalidades.

2 – A lei apenas admite o pagamento em prestações quando estejam em dívida as custas devidas a juízo, não quando a dívida provenha de uma condenação da parte em multa por litigância de má-fé.

3 – Na litigância de má fé a recorribilidade apenas está assegurada num grau, independentemente do valor, relativamente à decisão condenatória, ficando qualquer questão incidental subsequente à condenação, como o pedido de pagamento em prestações, sujeita às regras gerais da alçada e da sucumbência em ordem a garantir a admissibilidade do recurso interposto.

II. Na fundamentação da decisão escreveu-se o seguinte:

"Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o Tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão (n.º 1 do artigo 643.º do Código de Processo Civil).

Como regra base do sistema de impugnações vigora a regra que «o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa» (n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil).

A propósito da admissão dos recursos ordinários, Alberto dos Reis sublinha que «é condição primária que o recurso seja interposto de decisão proferida em causa que, pelo seu valor, exceda a alçada do tribunal respectivo, isto é, do tribunal de cujo despacho ou sentença se pretende recorrer» [Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, pág. 583.]

Dispõe o n.º 2 do artigo 44.º da Lei da Organização do sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) que «em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de (euro) 30.000,00 e a dos tribunais de primeira instância é de (euro) 5.000,00».

A alçada é precisamente o limite do valor até ao qual o Tribunal julga definitivamente, não sendo admitido recurso das decisões proferidas em causas cujo valor se contenha dentro desse limite [Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, Vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pág. 9.]

No entanto, para além de excepções consagradas em normas extravagantes, está salvaguarda a recorribilidade nas situações inscritas nos números 2 e 3 do citado artigo 629.º do Código de Processo Civil.

A presente situação não está integrada em nenhuma dessas excepções.

Mais, a litigância de má fé é um instituto típico do direito civil, a que não são aplicadas as regras do processo penal.

Estamos de acordo com Salvador da Costa quando afirma que o deferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo não abrange a dispensa do pagamento de multas nem de penalidades [Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, 3ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 370.]

No seu comentário, o Juiz Conselheiro avança ainda que a lei apenas admite o pagamento em prestações quando estejam em dívida as custas devidas a juízo (abrangendo apenas a taxa de justiça e os encargos, além das custas de parte, como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 529.º do Código de Processo Civil), não quando a dívida provenha de uma condenação da parte em multa por litigância de má-fé (cfr. artigos 28.º e 33.º do Regulamento das Custas Processuais) [Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, 3ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 411.].

Não existe assim qualquer norma que preveja o pagamento em prestações da condenação como litigante de má fé, a condenada já teve direito ao duplo grau de jurisdição relativamente à decisão que condenou por litigância de má-fé, ao abrigo do n.º 3 do artigo 542.º do Código de Processo Civil, com referência ao n.º 6 do artigo 27.º do Regulamento das Custas Processuais, e o indeferimento do pedido formulado é desfavorável à recorrente em valor superior a metade da alçada do Tribunal da Primeira Instância.

Em suma, na litigância de má fé a recorribilidade apenas está assegurada num grau, independentemente do valor, relativamente à decisão condenatória, ficando qualquer questão incidental subsequente à condenação, como o pedido de pagamento em prestações, sujeita às regras gerais da alçada e da sucumbência em ordem a garantir a admissibilidade do recurso interposto.

Deste modo, mantém-se o despacho reclamado e não se admite o recurso interposto."

*III. [Comentário] Com a devida consideração, apenas não se pode acompanhar a afirmação de que "
a litigância de má fé é um instituto típico do direito civil". As várias previsões da regra que sanciona a litigância de má fé (art. 542.º, n.º 2, CPC) não são certamente típicas do direito civil.

MTS